segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

DESEJO - 04 -

- Guilhermina Guinle -
- 04 -

O veículo já havia atravessado a pequena cidade de Sertânia, passando pela praça principal, a Igreja Matriz e a sede da Prefeitura entre outros órgãos do Município e alguns do Estado. Ainda havia o matadouro e uma ponte sobre o rio que passava no local. Rodando mais um pouco, o motorista encontrou a celeuma: dezena de vaqueiros, todos muito bem armados com facões, serras e até mesmo espingarda, gritavam mais alto do que podiam. “Queremos Passar”. Isso era ouvido por todos os que estavam no carro de praça: o motorista, o repórter e o fotógrafo. O clima era de tensão. E já durava a noite e o dia anterior. O gado estava ao longo de uma cerca a pastar sonolento. Isso então podia significar que tudo aquilo não era nem com ele. O Governador do Estado já havia chegado e estava reunido com seus amigos e parte dos que impediam a passagem dos vaqueiros exaltados, enraivecidos e cheios de cólera. Havia batucada ensurdecedora ao longo do trajeto onde os vaqueiros se punham. Rodas de homens a batucar os seus tambores se faziam notar. Em meio do interminável barulho, Canindé chegou a filmar as armas e os vaqueiros. Ele desceu do carro e começou a filmar todos os componentes, alguns com as armas engatilhadas prontas para deflagrar fogo. Era um alarido infernal aquele. E Canindé tanto fazia filmagem como batia fotos. Por seu lado, o seu companheiro Armando Viana procurava entender de forma mais precisa o que se passava naquele aglomerado de vaqueiros ensandecidos. E a resposta era uma só:
--- Queremos passar e ninguém arreda o pé. – diziam os vaqueiros.
--- E só tem este lugar? – perguntava Armando aos vaqueiros.
--- Esse é o mais próximo das terras onde se leva o gado. E eles empataram porque a gente leva o gado e não paga nada. – disseram os vaqueiros em meio ao ensurdecedor barulho das latas que eles improvisaram como tambores.
--- Mas eles querem quanto? – indagou Armando procurando ouvir bem.
--- Eles não disseram. Apenas empataram o gado de passar. – falaram os vaqueiros.
--- E de quem é esse gado? – perguntou Armando procurando de qualquer forma ouvir o que os vaqueiros respondiam.
--- Do coronel Lustosa. – respondeu um vaqueiro em meio a tanta zoada.
--- E onde está o coronel? – perguntou Armando tentando ouvir o que alguém respondia.
--- Reunido com o Governador e a cambada do outro lado. – disseram os vaqueiros.
--- E de quem é a casa grande que o governador está? – indagou Armando quase sem ouvir direito a resposta.
--- Da cambada. Do coronel Vitorino. Ele é quem manda aqui em toda Sertânia. – falaram os exaltados vaqueiros.
E enquanto Armando perguntava aos vaqueiros, Canindé filmava e batia fotos dos exaltados campeiros.  Os jagunços do Coronel Vitorino estavam aquartelados em trincheiras armadas bem dentro do sitio com armas de grosso calibre. Armando tentou chegar até onde estavam os jagunços para ouvir a sua versão e foi impedido de falar com qualquer jagunço. Apenas o jagunço mor podia falar e dizer qualquer coisa que o repórter teria a perguntar. No meio de tanta balburdia já cheio de orgulho por conta a reportagem, os vaqueiros abriram fogo contra os jagunços esperando não haver revide por parte deles. No meio de tanta zoada, um tiro se ouviu do meio dos vaqueiros. Em contrapartida, os jagunços fizeram fogo de volta. Foi então onde teve inicio a algazarra. Os jagunços entrincheirados de nada temiam. Os vaqueiros, de modo a corpo nu, revidaram o contra-ataque. Era bala com bala. Tiro com tiro em uma contenda infernal. Armando procurou se esconder dos ataques dos vaqueiros por trás de um mourão. Canindé se protegia por trás do carro filmando toda a contenda. Mesmo de longe filmou as armas dos jagunços a deflagrar a morte certa. E foi então que um disparo atingiu o vaqueiro de nome Zaqueu. Tiro certeiro no seu peito e o homem caiu sem vida. A tremenda algazarra se formou então com os vaqueiros revoltados soergueram o corpo de Zaqueu e rumaram com fé e coragem para o embate corporal e, talvez, derradeiro. Com tiros certeiros, os jagunços despejaram fogo contra os manifestantes encolerizados levando o corpo do homem abatido por balas certeiras. Armando estava encolhida por trás de um mourão vendo tudo como uma cena de cinema. O estrondar dos mosquetões ecoavam distantes. A morte comandava aqueles que nada temiam. Os jagunços tinham a sorte de um terreno acidentado e deflagraram seus gatilhos contra a turba de revoltosos. Foi muita morte que se fez e só se via corpos estendidos pelo chão dos destemidos vaqueiros. O gado enlouquecido por tanto barulho resolveu enfrentar o cerco dos jagunços e pularam para dentro do cerrado por cima dos homens. Os disparos feitos contra o gado de nada serviam, pois os animais marchavam a força com tudo o que podiam. O alarme foi dado na fazenda de que os jagunços haviam sido abatidos pela turba de gado louco. Nesse ponto, o repórter Armando correu para dentro do carro e, acompanhado do fotógrafo Canindé e do motorista Giba saíram de onde estavam sem buscar proteção do Governador. Era um alvoroço total com os vaqueiros invadindo a fazenda do Coronel Vitorino e se atracando de modo ferrenho com os seus inimigos. Tomando-lhes as armas os vaqueiros partiram para o revide acertando em cada qual seu tiro judicioso. Houve pânico em toda a trincheira do cercado e os que ainda sobraram com vida correram para a fazenda do coronel Vitorino. Alguns eram acertados pelas costas no meio da tremenda  fuga. E os vaqueiros com o corpo de Zaqueu como o símbolo da mortandade, enraivecidos igual a um animal ferido nada temiam. Mais jagunços se postaram a frente da fazenda em defesa dos seus ocupantes. O Governado, entristecido, clamava aos céus.
--- Tudo ia tão bem. Ai meu Deus do céu. – reclamava o governador a chorar. 
Na frente da Fazenda Quinhão, do coronel Vitorino, a algazarra estava formada. Os seus jagunços ainda não participantes na contenda da entrada da quinta fincaram o pé com armas de grosso calibre, enfarruscados pela morte de seus amigos. Eles esperavam só a ordem de atirar para matar vinda do coronel Vitorino. Porém tal ordem não foi dada. O coronel apareceu ao lado do governador e de outros que se achavam presentes, como o coronel Lustosa, e pediu calma aos inquietos vaqueiros. Naquele momento estava dada a ordem de passar com o gado pelo cercado de sua fazenda. Mesmo assim, os beligerantes reclamavam a ordem de atirar para matar vinda para os seus jagunços. O Governador então disse que isso também seria apurado e os assassinos seriam castigados em praça pública. Esse era a decisão tomada por seu Governo.
--- Vocês podem atravessar de hoje em diante. Não haverá mais qualquer repressão. – falou entusiasmado o Governador.
--- Mas e os mortos? E os mortos? – gritaram os vaqueiros querendo morte a quem matou.
--- Vocês tenham calmas. Pois houve mortes dos dois lados. Pois agora é trabalhar! – advertiu o Governador.
Aos poucos, os vaqueiros foram saindo e no local da refrega ensandecida prosseguiram em apanhar os corpos dos campeiros mortos. O corpo de Zaqueu seguiu em cortejo até a praça da cidade como símbolo da resistência. Na verdade, ele era mais um dos motos na disputa pela passagem do gado para o sertão distante. Outros vaqueiros tomaram conta do oficio de levar o gado enquanto a Fazenda Quinhão os jagunços faziam o enterro dos seus companheiros. A zanga entre vaqueiros e jagunços continuou tempos a fora, encontrando-se morto alguém de um lado e de outro na vereda do sertão.
Armando Viana, o fotógrafo José Canindé e o motorista, o homem Giba. Esses igualmente fizeram parte da comitiva do Governador para seguir viagem para a capital do Estado. No meio do caminho enfrentando copiosa chuva cortada por rigorosos relâmpagos e trovões, a comitiva do Governador se viu trancada no caminho. A ponte do Rio Sem Nome desmoronou sem deixar alternativa de viagem para qualquer vivente. O vento frio e constante era ainda maior. No meio do caminho para Sertânia não houve ventania tão forte. O temporal era intenso alagando tudo que encontrava pelo caminho. Nesse momento, cheio de carros atrás, fazendo verdadeiro comboio. O Governador tomou a decisão incontinente de seguir viagem por outra estrada. O motorista ficou alarmado com tal precipitação do homem. Porém mesmo assim ele obedeceu às ordens dadas e seguiu viajem por uma estrada vicinal.
--- Por essa estrada vai ser muito difícil, senhor! – relatou o motorista ao Governador.
--- É provável. Mas não tem outro jeito. – declarou o Governador.
De todo modo o dilúvio continuou por longas horas do dia. O repórter Armando se encolhia em seu carro igual a um rato. Por seu lado, Canindé reclamava da sorte tida de ter que fazer uma cobertura tão violenta como aquela. E encolhia-se no banco de trás colocando o saco com seus instrumentos de trabalho como um travesseiro e ali mesmo adormeceu. O motorista seguiu a carro do Governador a certa distancia, atravessando lamaceiros e buracos feitos pela chuva, o gado e outros carros-de-boi de por ali passavam em certos tempos.
--- Demora muito? – indagou Armando já nervoso.
--- Não sei. Nem conheço o caminho. Estou seguindo o motorista do Governador. – respondeu o motorista pleno de inquietação.
No banco de trás se ouvia muito bem o roncar de Canindé. O homem passara por momentos na vida ao qual nunca tivera temor. Armando olhou para trás e verificou o fotógrafo.
--- Dormiu mesmo. Que nem um anjo. – sorriu Armando Viana.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

DESEJO - 03 -

- Isabelle Adjani -
- 03 -
O veículo de aluguel de Giba tomou rumo do sertão, após Canindé ter em mãos a sua maquina de filmagem de 16 mm. Por via das dúvidas ele achou por bem levar um equipamento de maior segurança, vez que as noticias vindas do interior não eram nada sossegadas. O vento frio sobrava mais forte na estrada e os primeiros pingos de água começaram a cair tão logo o carro se afastou da capital. Nesse momento, Canindé passou a mão no pescoço e fez cara feia como que declarava:
--- Isso é uma bosta. Vai chover mesmo. Meu pescoço não nega. – relataria Canindé um tanto confuso.
E o motorista do carro disse, por sua vez:
--- Vai chover mesmo. Se não chegarmos logo ao lugar estamos fritos. – reclamou Giba.
--- Tem outra estrada para se chegar a Sertânia? – indagou Armando se encolhendo no banco.
--- Tem. Mas leva um tempo danado. Não tem calçamento. É ruim demais. Esses putos não se deslocam nem de carro. – reclamou Giba com a cara amarrada e enxugando o pára-brisa por dentro, pois o calor dos que estavam já começava a empanar os vidros.
Armando Viana não disse mais coisa alguma para não esquentar mais o homem. Giba já estava colérico com o caos da chuva. E aumentava cada vez mais o aguaceiro fazendo com que o motorista e seus passageiros ficassem o tempo todo enervados. Uma borboleta bateu contra o vidro do pára-brisa. E depois outra e mais outra. Pássaros revoavam a todo instante passando de um lado para outro da estrada. Caminhões vinham do interior com seu carregamento de frutas e outras mercadorias. Os carros seguiam para a capital. Um cachorro estava morto na margem da estrada por conta talvez de atropelamento. As aves da rapina já deglutiam as entranhas do cão. Ao sentir a presença do carro, batiam em revoada para depois assentar. O carro seguia firme e deixava para trás os camponeses molhados pela chuva. Esses caminhavam talvez com destino certo. Uma mocinha se juntava ao grupo de camponeses toda encolhida de frio o de temor da chuva fina e constante.
--- Puta-merda!!! – reclamou com certeza o fotógrafo Canindé.
--- Que bicho te mordeu? – indagou alarmado o repórter.
--- Nada não. Eu me esqueci de deixar a chave do laboratório. – reclamou Canindé atarantado.
--- Pensei logo numa cobra! – relatou sorrindo o motorista Giba.
E Armando Viana também sorriu com a presepada do fotógrafo por ter se esquecido de deixar a chave do laboratório. Desse modo, os outros fotógrafos não podiam fazer os serviços do dia. Desse modo Armando lembrou não ter pautado os fotógrafos. Mesmo assim não deu maior importância. Talvez os fotógrafos mesmo se pautassem. E ele se lembrou de Mario, o outro rapaz da redação. Esse poderia pautar os fotógrafos. E as revelações os fotógrafos podiam fazer no laboratório do Palácio.
--- Tem o Palácio. – respondeu Armando.
--- Duvido que alguns deles tenham a cabeça de revelar em Palácio. – reclamou Canindé.
--- Estou pensando é na chuva. A Ribeira toda alagada. É o cume da desgraça. – reclamou ainda Armando Viana.
--- Tem o rio. – rebateu Canindé por se lembrar do alagamento.
--- É. – concluiu Armando meio entristecido.
Ainda não havia um aguaceiro no meio do caminho para Sertânia. As barragens, lagos e lagoas estavam mais ou menos com pouca água. Quem passasse pela estrada podia ver a sequidão tornada pelo tempo. Resultado de pouca chuva no interior do Estado. Todo ano era sempre a mesma tragédia. Isso levava o camponês para a capital em busca de trabalho. Quase sempre o homem do interior levava o seu matulão e as trochas de roupas dos meninos e da mulher. A mulher era tão magra de não poder está em pé. Na capital, o campônio beradeiro sempre não encontrava nada para fazer. Pois, afinal, na capital ele era bem estranho. No interior, o camponês era bem mais astuto. Capinava, roçava, arrancava toco, tangia boiada entre outras coisas mais. Na capital só havia trabalho para quem soubesse ler. E nem sempre isso permitia ao camponês uma vida melhor. Então, restava à religião protestante com a promessa de “Deus dará”.Esse tipo de comércio era o crucial destino para a mulher magra, seus filhos, uma filha já um tanto grávida de um vaqueiro de fazenda ou de um moleque qualquer e ele próprio.
--- Não paga a pena. – lamentava-se um camponês largado a própria sorte.
--- Menino! Vai buscar água no riacho! – reclamava a mulher camponesa para o filho maior.
--- Só tem caramujo. E água fedorenta. – respondia o garoto de pouca idade.
--- Traga assim mesmo. – rezingava a mulher mal humorada.
O circo dos camponeses era armado no meio da rua. Uma rua de maior movimento da capital. No circo armado, com uma lona qualquer, dormia, vivia e comia o pouco que restava das casas nobres toda a população de camponeses desarrumados. Assim era a vida do homem do campo vindo para a capital de Estado.
--- Eu acho que já estamos pertos. – declarou Giba ao rapaz contratante.
--- Pergunte àquele camponês! – relatou Armando Viana um tanto preocupado.
E o carro seguia até encostar próximo ao campônio. O homem estava recolhido debaixo de um pé de algaroba se protegendo da chuva continua. E Giba foi logo perguntando.
--- Moço! Onde fica a cidade de Sertânia? – indagou Giba ao camponês.
--- Logo ali. – relatou o campônio estirando os lábios para frente.
--- Você sabe se o Governador está aqui? – voltou a indagar o homem Giba preocupado.
--- Homem! Se não me falha a memória, eu vi passar logo cedo o carro grande em direção a fazenda. E eu pensei: quem será? – respondeu o camponês.
--- Certo! Certo! É o governador. Obrigado. – respondeu o homem Giba.
--- Mas sendo o senhor, eu tomava tento com os camponeses revoltados. Eles estão armados de espingardas, carabinas, foice e enxada. – disse mais o homem de algaroba.
--- Puxa vida! E onde eles estão? – indagou alarmado o senhor Giba.
--- Homem! Tão logo na frente do cercado. E pelo lado de dentro tem os capangas do coronel. Eu acho que o tal do Governador não vai achar nem um pouquinho de graça com eles. – relatou com certa paciência o camponês.
--- Houve tiro? – indagou Armando ao camponês.
--- Não. Mas não tarda a haver. – disse o homem com pouco medo.
--- Mas só estão os camponeses? – voltou a indagar Armando meio temeroso.
--- Tem do outro lado também. E tem umas cabecinhas de gado que os camponeses querem passar com elas pelo meio da fazenda. – informou de qualquer jeito o camponês.
--- É longe daqui pra lá? – indagou Armando assustado.
--- É  nada. Se o senhor for pela estrada no instante chega! – sorriu o camponês.
E os agradecimentos foram feitos tendo o veículo a trafegar pela estrada até certo pondo onde não se ouvia coisa alguma de campônios ou de jagunços. E novamente o carro parou para saber de um menino onde era a tal fazenda dos jagunços armados e os camponeses. Pois nada havia de atropelos na estrada barrenta e escorregadia por conta da chuva caída naquele momento.
--- É logo ali. Ó. Mas cuidado com os jagunços. Eles são brabos. – relatou o menino sorrindo.
--- Tem gado pelo caminho? – indagou Armando sobressaltado.
--- Umas cabeças e muita gente. – sorriu o menino com alegria.
---Gabriel!!! Chega prá dentro!!! – gritou a mãe do menino com a cara feia para os passageiros do carro de praça.
Nesse ponto, Giba, Armando, Canindé sorriram por causa a mulher infernizada. E a mulher fechou a porta rezingando com o moleque de pouca idade. E de tudo que puderam ouvir pela a porta ainda aberta foi o desaforo:
--- Passa pra dentro moleque. Ora quem já  se viu! -  respondia a mulher enquanto fechava a porta de duas bandas.
Ainda assim, a mulher magra olhou por uma brecha da porta o carro que já seguia viagem com os seus ocupantes a sorrir. Um pouco mais e os ocupantes do carro de praça divisaram um punhado de gente armada com espingardas, escopetas e revolveres em contra partida com os jagunços do cercado com fuzis, mauser e rifles. Ao largo, no campo o gado a pastar. Os vaqueiros estavam prontos para a guerra.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

DESEJO - 02 -

- Simone Spaladore -
- 02 -
Tão logo tomou o café da manhã, Armando Viana e José Canindé zarpou direto para o Palácio do Governo a procura de informações recentes. Armando procurou falar com o Secretário de Imprensa e esse não estava no seu Gabinete. Ao perguntar a um repórter que batia noticias, ele teve como resposta:
--- Não sei! Ele não está no escritório dele, não? – respondeu sorrindo o repórter.
--- Vamos saber se o Governador já seguiu viajem! Vou ao Gabinete do Adjunto. – resolveu Armando ao se voltar para o fotografo.
--- Já foi. Logo cedinho da manhã. Não estou dizendo? Agora se você não acredita, então, pois! – respondeu Canindé com a sacola no ombro.
--- Posso perguntar, posso? Ora! – respondeu malcriado Armando Viana e então subiu para o Gabinete do Adjunto.
--- Pode. Pode o que você quiser. Eu não digo mais nada. – respondeu Canindé de cara feio, um tanto aborrecido.
O fotógrafo perambulou pela sala da entrada do Palácio, suando bastante e enxugando a testa com o dedo indicador da mão direita. De vez por outra ajeitava do seu jeito o saco com o material fotográfico e argumentava algo só para ele.  Na rua, o transeunte passava. E os funcionários do Palácio começavam a chegar um a um, como se tudo o que estava em seus birôs pudessem esperar. Um Guarda que estava de sentinela na porta principal continuava ali de formas a não conversar com ninguém. O sol batia de frente em seu rosto e o guarda militar suava por todos os poros. E mesmo assim continuava firme em sua posição solitária. Canindé ia e voltava pelo interior do salão, olhando as salas quase vazias e os poucos funcionários que já estavam em seus lugares. Ele pensou até em buscar sua máquina de filmar em sua casa, pois seria melhor ter um documentário em dezesseis milímetros para um caso qualquer no futuro. Nesse momento Armando retornou do primeiro andar do Palácio dizendo não ter noticia alguma nem mesmo do Secretário Adjunto. No local só encontrou o rapaz da limpeza.
--- Nessa merda ninguém trabalha! – resmungou Armando com muita ira.
--- É verdade. Está se vendo! Pudera! Com esse vencimento! – respondeu Canindé querendo dizer que nem Armando trabalhava.
--- É comigo isso, é? – indagou com raiva Armando ao fotógrafo.
--- Não! Você trabalha! Não está vendo? – preconizou Canindé para Armando e sorriu ainda.
--- Vai pra bosta. Onde está Garcia? – perguntou irado o repórter.
--- Sei não. Deve estar ouvindo o rádio. – respondeu Canindé em desprezo.
--- Eu vou lá. – argumentou Armando seguindo para o pátio de trás do Palácio.
Canindé procurou uma cadeira para se sentar enquanto Armando corria para o setor de rádio.
Enquanto esperava Armando, o fotógrafo teve uma conversa com um rapaz do Palácio. O jovem entrou naquele tempo e foi logo dizendo que o Governador tinha saído às cinco horas da manhã para a região sertaneja na cidade de Sertânia, pois o rapaz teve que chegar bem cedo para por combustível no veículo do Governo. Ele disse ainda:
--- O governador e dois secretários. Tá uma confusão da peste. É gente armada para todo canto. Até falaram em tiroteios. Sei não. Tá russa a situação. – argumentou o rapaz.
--- Garcia me falou dessa confusão. E o Governador foi fazer o que? – perguntou Canindé.
--- Foi pra lá tranqüilizar a turma. Ou se não ele decreta intervenção. – explicou o moço  
--- Como é teu nome? – indagou Canindé.
--- Jurandir. Não me conhece? – reclamou Jurandir.,
--- Conheço. Até demais. Porém a cabeça é que me falha. – sorriu Canindé ao responder.
--- Tão moço e já está assim? – indagou Jurandir a sorrir.
E Canindé também sorriu acabrunhado. Na verdade ele não sabia o nome do moço. E tinha visto algumas vezes a fazer limpeza do carro do Governador. Então, Canindé baixou a cabeça e sacudiu o pé direito para frente e para trás a espera do repórter. Armando estava a demorar no gabinete de rádio onde trabalhava o Sargento Garcia. Somente após um bom pedaço é que Armando chegou. Ali, ele se encontrou com o moço Jurandir e deu apenas um bom dia. De repente Armando chamou Canindé para seguir viagem no carro de Giba, pois seria o meio mais fácil de chegar a Sertânia, na região quase árida do Estado, muito embora se dissesse que era sertão.
--- É longe pra burro. – reclamou Armando.
--- E eu tenho que passar em casa para pegar minha máquina de filmagem. – respondeu Canindé a contra gosto.
--- E você não tem aí na bolsa? – quis saber Armando de um modo de repente.
--- Tenho não.  Só tenho as máquinas e filmes. É  bom levar a máquina de filmagem. – relatou o fotógrafo limpando o suor da testa.
--- Vamos embora. O Governador já está na fazenda. – relatou o repórter.
--- E é fazenda? Virgem! – reclamou Canindé.
--- Mais na frente à gente se informa. – relatou Armando acertando seu relógio de pulso.
Armando Viana era um homem de boa estatura, mãos firmes, punhos fortes, braços grossos, físico atlético, pele clara, olhos verdes, cabelos crespos, mais parecendo um francês ou mesmo alemão. Na verdade, Armando nasceu no interior do Estado e, com o passar do tempo, veio morar na capital. E na cidade se formou em jornalismo, ofício que lhe rendia um bom dinheiro. Por seu tino profissional, Armando trabalhava para o jornal “A Imprensa”, da capital, tinha apoio do Governo do Estado e ainda era correspondente de jornal do sul do país. E na cidade ele vivia só, morando em um kitnet. Para lavar suas roupas, ele contratou os serviços de uma mulher. Tal mulher passava duas vezes por semana em seu kitnet. Ela pegava a roupa suja e deixava logo a roupa limpa. Seu nome era Dona Macrina. Não raro a senhora chegava ao kitnet de Armando acompanhada por uma filha de nome Alice. A mocinha sempre estava a conduzir as trochas de roupas na cabeça. As de Armando e as de outras pessoas. A chave da porta do kitnet, ela apanhava e deixava em baixo do tapete posto na frente da porta de entrada. Armando não temia ladrões por que esse tipo de pessoa era muito raro ficar nas casas de gente que eles chamavam da “alta” sociedade. No entanto, Armando não era nem da alta e nem da baixa sociedade. Era ele tão somente um trabalhador de imprensa.
Naquela hora de pegar o carro de Giba, ele nada falou. Apenas entrou no carro e perguntou ao fotógrafo onde era que Canindé morava. E esse respondeu:
--- Você não sabe! – respondeu em troco um tanto abusado o fotógrafo.
Por tanto, o rapaz pediu a Giba, o motorista, que passasse na casa de José Canindé e depois seguisse pelo canto mais rápido ao município de Sertânia onde deveria estar havendo reunião do Governador do Estado com seus principais líderes da região. O homem obedeceu embora tenha dito na oportunidade:
--- Longe! – relatou Giba calculando o tempo e o colocar de combustível no veículo.
--- É longe mesmo. Mas o escritório é quem paga. Eu tiro dinheiro para tal. – relatou Armando.
--- Eu acho que vou encher o tanque na saída. – fez ver Giba, ele preocupado com o percurso da capital a Sertânia.
E assim, fez. E bem antes da casa de Canindé o motorista procurou mandar encher o tanque de combustível, examinar o óleo, calibrar os pneus, por água no radiador e algo mais que fosse necessário. Nesse momento, Armando desceu do carro e procurou uma bodega para tomar um pouco de água. E não tendo água, guaraná quebrava o galho. O rapaz ainda estava de barriga cheia do café e da tapioca que comera no mercado da Cidade. Ele olhou para o tempo. Com certo receio Armando notou a presença de nuvens para a capital. Mesmo assim, não fez qualquer menção em voltar. Elas eram nuvens talvez de chuva rápida e logo passava. O homem Giba examinava tudo o que o rapaz do posto fazia e Canindé caminhou para a bodega e lá chegando não pediu coisa alguma. Apenas olhou para o céu  e relatou:
--- Vai chover. Meu pescoço está doendo! – confessou Canindé estremecido.
---  Que o pescoço tem com a chuva? – indagou Armando desconfiado.
--- Acho que nada. Mas sempre que chove meu pescoço dói. – respondeu Canindé inquieto com o seu pescoço.
--- Besteira mais besta do mundo. – falou Armando reprovando o que Canindé relatou.
--- É verdade. Então pronto. Acredite se quiser. – retrucou o fotógrafo.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

DESEJO - 01 -

- HELENA DE TROYA -
- 01 -
Armando Viana era jornalista e trabalhava no Palácio do Governo. O seu expediente, como o dos demais servidores, começava às sete horas da manhã. No entanto, Armando somente chegava a sua repartição lá pelas nove horas. Isso, quando ele conseguia ir para o oficio, pois no restante da semana sempre Armando estava ocupado com negócios de uma agencia de noticias para qual ele trabalhava.  Ele morava em um kitnet alugado no centro da cidade. Ou mais ou menos no centro. Portanto, de onde ele estava podia ver o Palácio do Governo entre outras repartições do Estado. Na rua onde Armando morava tinha um Cartório, um açougue, uma loja de livros velhos a qual tinha o nome de “Sebo” entre outras lojas e marcadinhos. A rua onde Armando residia era um beco. De um lado tinham algumas oficinas de fazer sapatos. Do outro, nada havia para se contar história. Apenas o homem da hora. Era ele seu Orlando o qual passava o dia a conversar com os ilustres homens aposentados enquanto consertava um relógio minúsculo que dava gosto de se ver. No meio do trabalho não faltavam às risadas por alguém contador de lorotas. E nesse meio tempo, enquanto estava em seu kitnet, com desprazer, Armando Viana olhava para os transeuntes que vinha e iam para os seus locais de trabalho ou residências.
--- Esses são uns bostas! – resmungava Armando e voltava para o interior do kitnet.
A Catedral ficava próxima ao kitnet de Armando. Na hora certa o relógio da matriz marcava as horas com suas badaladas. Não era possível de se ver a velha Matriz de onde Armando estava. Apenas o badalar do sino ele podia ouvir. O kitnet onde o jovem residia era em uma esquina do Beco Novo com a Rua da Palha. E por essas ruas e travessas, dormiam os notórios bêbados contumazes depois de um dia de cachaça em outro beco chamado “Beco da Lama” situado na outra esquina do kitnet de Armando. O café da manhã de Armando Viana, ele tomava em uma barraca onde havia outras, no Mercado da Cidade. No local havia muita gente a tomar café com ovos, cuscuz, mungunzá, tapioca em outras iguarias. O café era de graça. Não se pagava nada. Mas o cuscuz, mungunzá, tapioca, ovos e mesmo pão, o freguês pagava. E assim, Armando bebia o quanto podia enquanto conversava com outros habituais freqüentadores daquela conversa de muitos amigos e conhecidos. Jogo de bicho, carteado, mundanismo eram os assuntos preferidos da rodada dos colegas. Um fotógrafo de jornal sempre estava metido na conversa dos bons amigos. Seu nome era bastante conhecido. Porém todos o chamavam de Canindé.
--- Como é seu nome? – perguntava alguém da roda.
--- Canindé! – respondia o homem preguiçosamente a sorrir.
E por Canindé estava e por Canindé ficava. Na roda de amigo estava Armando Viana. O homem, nas horas vagas, às vezes aos sábados ou domingos, ele estava a namorar Leane, moça distinta, boas prendas e funcionária ao mesmo tempo da repartição do Estado. A jovem moça residia no bairro do Carrasco, lá para o fim da cidade onde a grande preocupação dos seus moradores era a chuva, pois alagava sempre as residências da parte mais baixa do arruado. Às vezes, Armando costumava ir ao cinema no longínquo bairro da Cidade, pois para voltar para casa, ele sempre destinava a alugar um carro de praça.  Ele e a sua namorada acompanhada da irmã mais nova ao lado como se fosse um guarda-costas. O Bonde, quando seguia após a sessão de cinema, sempre estava lotado e, por isso, Armando preferia sempre um carro de praça, pois voltava para a Cidade após deixar a moça em sua casa. Havia poucos motoristas e Armando tinha a sua preferência por um carro de um rapaz chamado Giba. E nem precisava dizer para onde ele rumava, pois o motorista já sabia de cor e salteado. Quando Armando estava a sair do seu kitnet, uma moça esbarrou com ele. A moça vinha olhando em outra direção e não prestou a atenção em Armando. Quando trombou de frente, ela soltou um leve gritinho de quem estava assustada.
--- Ui. Desculpe! – falou a moça com medo e sorrindo.
--- Não foi nada. – respondeu Armando a desculpar a moça.
--- Estava distraída. – sorriu a moça com muita pressa.
--- É normal. Eu tombo com pessoas na calçada. – falou Armando Viana.
E a moça saiu apressada. Mais a frente ajustou o calçado que se despregava e olhou para trás para ver se Armando estava olhando para ela. O rapaz vinha a caminho e logo se juntou a moça sem tecer comentário ao sapato. Apenas chegou mais próximo da moça. E ela falou de repente por causa do sapato.
--- Está apertando na frente. – reclamou a moça.
Armando olhou o sapato e não disse nada. Ela e ele seguiram o mesmo caminho. Em instante Armando indagou se ela trabalhava pela redondeza. E a moça disse que sim.
--- No Cartório. Logo ali. – sorriu a moça para Armando.
--- Bom. – relatou Armando enquanto acompanhava a moça.
--- Seu nome é?  - indagou a moça procurando saber mais alguma coisa de Armando.
--- Armando Viana. E o teu? – perguntou o rapaz.
--- Norma. – respondeu a moça sorrindo.
--- Belo nome. – respondeu Armando
--- (sorrisos da moça Norma) E em seguida indagou a Armando:
--- Mora ali na casa de aluguel? – indagou Norma.
--- É. Em um quartinho. É onde me escondo. – sorriu Armando a olhar as pessoas que iam e vinham do Mercado
A moça sorriu contente. E logo depois respondeu.
--- Eu moro mais abaixo, nessa mesma rua. Rua da Palha. – respondeu Norma já chegando ao Cartório onde a moça trabalhava.
--- Eu moro próximo ao seu Cartório, mas trabalho um pouco mais longe. Tem um escritório da Rua Visconde do Uruguai, no Bairro da Ribeira. É onde eu costumo trabalhar. Está aqui o meu endereço. Se você precisar é só ligar. Eu estando, atendo. – falou Armando Viana a Norma.
Norma se sentiu lisonjeada com a espontaneidade de Armando e muito agradeceu pelo que o rapaz prestou. Delicadamente Norma se despediu de Armando, pois já estava um pouco atrasada para o serviço e esse fez os seus agradecimentos normais. Em seguida, o rapaz tomou o rumo do Mercado para onde teria que ir tomar o seu café, papear com os conhecidos e depois rumar para o escritório da Rua Visconde do Uruguai, uma das principais do Bairro. Ao procurar entrar no Mercado, Armando teve que esperar a saída de um caminhão. Esse veículo tinha levado peixes, pois o seu odor era por demais fortes. Levou um tempo para o carro sair do mercado, uma vez ter fora umas bancas de verduras e frutas. Logo o caminhão saiu, Armando entrou no Mercado tapando o nariz com um lenço para evitar sentir o mal cheiro do peixe. O Mercado estava repleto de gente àquela hora da manhã. Os talhadores de carne verde faziam um alarido infernal oferecendo a carne à freguesia. Porém tal fato não aborreceu a Armando. Ele há poucos passos da entrada do Mercado, já estava na banca de Dona Gloria onde já estava no local o fotografo Canindé. Ambos logo se cumprimentaram e Armando de imediato foi sabendo das novidades da noite.
--- Você já soube da confusão? – indagou Canindé querendo sorrir.
--- Não. Que confusão? – perguntou Armando a Canindé um pouco distraído.
--- O “homem” já deve ter viajado para o interior. – arrematou o fotógrafo.
--- Homem? Quem homem? O Governador? – perguntou surpreso Armando.
--- Teu homem. Você não assim com ele? – sorriu Canindé para Armando
--- Frescura. Porra. Diz logo o que houve. – se enfezou Armando para o fotógrafo.
--- Sei não. Garcia foi quem me disse. – falou Canindé para o repórter.
--- Garcia do rádio? Confusão? – falou bastante alarmado o repórter.
--- É. É confusão de morte. Tem gente ferida. Sei não. Você vai? – perguntou Canindé.
--- Vai pra onde? E eu sei lá onde fica? Onde foi a confusão? – quis saber Armando.
--- Em Sertânia. Vamos?? – sorriu Canindé.
--- Que mentira. Sertão que nada. Se fosse briga todos já sabiam! – reclamou Armando.
--- Pois tá certo. Já não está mais aqui quem disse! – argumentou Canindé ajeitando o malote de filmes que trazia no ombro.
---  Verdade mesmo? – reclamou Armando.
--- Garcia é quem sabe! – disse mais uma vez Canindé.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

AMANTES - 70 -

- Natalie Portman -
- 70 -
Em uma sexta-feira, Vera B. Muniz teve que inaugura a Expo da Mostra de Pintura em Tela de vários de seus funcionários no Salão de Artes da Agencia Pomar Diversão, mais uma forma da Pomar mostrar o seu digno prazer em descobrir as artes plásticas de seus funcionários. Entre outros expositores estava a secretária particular de Silas Albuquerque, artista Ligia Duarte com três quadros, de modo especial a tela de Nossa Senha “Mãe” como estava intitulada. O salão ficava no mesmo edifício da Agencia onde ainda funcionavam igualmente uma loja de roupas, um armarinho, um restaurante e um Banco inclusive 24 horas. A cidade em peso estava a visitar a Expo. Jornais, revistas, rádios e todo o empresariado da capital estavam presentes. Para não faltar, também estava o senhor Silas Albuquerque, a jovem Racilva Pontes, a própria Ligia Duarte sem contar com a mentora da exposição, Vera B Muniz, esposa do vice-presidente da organização, Silas Albuquerque. Marchante era a pessoa cuja presença era imprescindível. Os olhos atentos e cobiçosos dos consumidores de arte faziam vez com os garçons a servir licores, champanhes, vinhos e enorme quantidade se salgados. Entre a grandiosa variedade da mostra a que mais se apresentava era “Nossa Senhora “Mãe” para alegria de sua autora, Ligia Duarte. Os repórteres de TV e revistas especializadas procuram destacar em entrevistas a jovem artista a desabrochar.
Silas Albuquerque teve uma vez que chamou em seu escritório o velho Diomedes e lhe passou o Luger, uma digna arma de fogo do tempo da II Guerra que ele se esquecera de guardar em sua própria casa. O homem não gostava muito bem de andar armado. E o velho Diomedes não fez questão em pô-la na cintura onde estaria bem guardada. Depois desse ato os dois amigos desceram para o salão da Expo. A festa começou às quatro horas da tarde e já estava chegando às nove horas da noite com muita graça e harmonia. Ligia tinha como convidada a sua prima Lia. Essa toda azougada ficara tomando conta dos pratinhos, salgadinhos e bebidas ao lado dos garçons. Vera não parava de falar com a sua amiga Racilva.
--- Conta-me! Conta-me! Como foi o que te deu? – perguntou Vera Muniz bem apressada.
E a jovem moça a sorrir iniciou a conversa.
--- Olha! Eu não sei bem o que é que me dá. Os médicos dizem ser catalepsia. É uma forma de desmaio, porém eu vejo e ouço tudo o que se diz. No dia, eu entrei em estado cataléptico. Talvez por causa do sepultamento do menino. Talvez por outras coisas. Eu sei que, quando fui levada ao pronto socorro, o médico de plantão diagnosticou com eu estando morta. Então eu me inquietei. Ouvia-o dizer: “levem para o necrotério”. E eu dizia: “Eu estou viva”. Mas, fui para o necrotério. Então, depois de algumas horas, não sei bem, eu me levantei da pedra e sai. Fui embora. Meio zonza. Intranqüila. Coragem não tinha para voltar aqui. Passei o dia todo daquela forma. Na segunda-feira estive no cemitério. Coloquei flores no túmulo do garoto. E voltei outras vezes ao local. Porém não tinha coragem de voltar para o meu lugar, aqui. – sorriu Racilva para Vera que estava compenetrada na história.
--- Mas. E sua família? – indagou em seguida a mulher Vera Muniz.
--- Bem. Isso foi o que mais me sacrificou. No inicio eu não dispunha de dinheiro. Depois, fui até ao Banco e retirei certa quantia. E para minha mãe eu fiz as compras. Detalhe: a imprensa estava a me procurar. E até você mesma. Eu deixei o tempo passar, e voltei para a minha casa. Dizia a minha mãe que não informasse coisa alguma ao meu respeito. Eu estava quase que como enlouquecida. O tempo passou, apareceu a gravidez. ...- e ela foi interrompida nesse instante.
--- E o pai do seu menino o que disse? – indagou Vera Muniz.
--- Espere; O pai do meu filho eu nem sei quem foi – (Racilva sorrio) – Mas, eu tive o neném. Criei, eduquei e agora estou contando a historia. – relatou Racilva a sorrir.
--- Mas: e dinheiro para tudo isso? Perguntou nervosa a senhora Vera Muniz.
--- Ah. Isso eu tenho ainda, um pouco. Eu não me aperto. Trabalhei. Vendi artigos de miudeza, coloquei inclusive uma banca de café. Dinheiro não vale muita coisa. – relatou Racilva.
--- É o que você diz. Não vale nada. – sorriu Vera Muniz pensativa.
No fim do salão de banquete estava Lia. Ela fazia uma coisa e outra com toda presa. A sua prima, Ligia Duarte continuava a conceder entrevistas aos repórteres de revistas especializadas e a mostra seu quadros dando o que cada um significava para ela. Nessa ocasião, entrou no salão de banquetes um homem estranho. Lia viu de longe. E gritou.
---  Pedro! Olha eu aqui! – e sorriu para o moço Pedro.
Mas Pedro não a menor importância. Ele estava a procura de Ligia, menina da lagoa com que ele brincara. Depois do empurrão, ela não mais falou com Pedro. Ele estava ali para a vingança. Se Ligia não queria nada com Pedro, então a moça não serviria para ninguém. E avançou no meio de tanta gente. E com o revolver na mão, avistou Ligia entre os homens a sorrir com plena atração e entusiasmo. Pedro mirou em Ligia e fez um disparo que lhe atingiu o peito. Nessa ocasião, houve um verdadeiro tumulto na sala de recepção com as pessoas a se esconder por todos os lados que havia. A moça Ligia estava caída ensangüentada no chão. Repórteres fotográficos batiam fotos do facínora à queima roupa. Pedro não se continha e atirava nos fotógrafos. De repente, o homem da festa, Silas Albuquerque, vendo a moça caída no chão, partiu para cima de Pedro. Esse não se conteve e fez disparo contra Silas atingindo no ombro. Com o impacto do tiro o homem caiu. E vendo Silas a cair ensangüentado, o velho Diomedes sacou da arma que trazia, um Luger, bela arma de patrão, partiu contra Pedro e fez o primeiro disparo. O homem foi atingido no estômago e desandou para trás quase a cair. Sua arma disparou para o alto e para baixo. E Pedro se contorcendo de dor. Diomedes fez o segundo disparo contra Pedro e esse só observou o cano do revolve, a sua boca a cuspir bala e fogo. O alvo foi o peito de Pedro. Ele ainda desandou procurando se agarrar do vazio sem nada encontrar. A arma se largara de sua mão e ainda deu um tiro para cima. Pedro caia lentamente quando Diomedes fez outro disparo. Pedro ainda pode perceber a boca do cano do parabelo. Aquela boca apavorante e silenciosa a projetar fogo contra Pedro. A bala desfechada foi se alojar na testa do assassino. Desta vez, o homem não viu mais coisa alguma. Caiu sentado por entre as mesas e cadeiras a terminar sua fúria homicida.
A mulher de Silas acorreu para cima do marido enfermo. Ele estava inconsciente com o ombro ensangüentado. Racilva foi amparar a jovem moça. Ligia estava ferida no peito. A bala que a atingiu perfurou toda a carne e foi se alojar na tela de ”Nossa Senha Mãe”. O quadro veio abaixo de onde estava montado. Lia correu para o local onde estava o seu irmão Pedro, já o encontrando morto. O povo saiu do salão apavorado com tanto tiro disparado, amedrontado com o que poderia ocorrer, pois ninguém saberia dizer o que estava a acontecer. Um fotógrafo perdeu a sua maquina por causa do tiro do invasor. Outros fotógrafos aproveitaram a ocasião para fazer fotos do morto. Outros fizeram fotos do homem que desfechou os tiros mortais contra o celerado. Alguns documentaram Silas ainda no chão e a moça Ligia também caída. Do seu canto, Lia levantava a cabeça do irmão no colo, completamente toldada de sangue. O redemoinho do pessoal a correr não tecia o menor temor a insensata moça. Do outro lado do salão, alguns disseram ser preferíveis chamar a ambulância para socorrer os feridos. Ligia ainda respirava apesar de desmaiada. O homem Silas era outro que também estava sem sentidos. O velho Molambo procurou socorrer seu chefe levando nos braços até o local onde deixara seu belo carro. A mulher de Silas também socorria o marido, a chorar em constante desalento. Racilva permaneceu quieta, sentada junto a Ligia aguardando providencias. Em momentos a sala de recepção se esvaziou havendo ali apenas os garçons, os homens do bar, e Lia a agüentar o seu irmão por entre os braços. Ela chorava copiosamente e dizia:
--- Por que, meu mano. Por quê? – era o que articulava Lia ao seu irmão de modo baixinho acalentando para um lado e para o outro
A ambulância chegou para levar Ligia Duarte, embora em estado inconsciente ainda tendo a companhia de Racilva Pontes. A ambulância ligou a sirene e partiu em vertiginosa disparada. Enquanto isso, na Catedral logo próxima, um coro ensaiava o cântico de “Halelluia” de Handel.
- Fim –

AMANTES - 69 -

- Daniela Carvalho -
- 69 -

Diomedes Nogueira conduzia o carro do seu chefe, Silas Albuquerque, conversando sobre novidades de uma produção recente. Silas estava a conduzir essa nova empreitada de um filme sobre a vida de Carlos Louzada, Governador do Estado, morto em acidente de aviação em tempos recentes. E os dois amigos, Silas de Diomedes apenas conversavam o deslocamento de equipes para o interior, vez que a produção conferia as aventuras de Louzada desde o tempo em que foi aviador de caça da FAB. Era manhã logo cedo. O comercio já estava em polvorosa nessa hora. Diomedes seguia para a Agência Pomar com o seu patrão. Um sinal de trânsito fechou e obrigou a Diomedes brecar o seu auto também. Era um mundo de gente a atravessar a rua de um lado para outro e vice versa. Com a pressa de atravessar o cruzamento, pouco se podia ver ou ouvir o que as pessoas conversavam. Era tudo feito em um minuto apenas. Mulher conduzindo seu filho, homem com uma carga da cabeça, outras figuras com suas bolsas. Enfim era uma enchente de gente. De momento, de forma sem esperar, Diomedes olhou entre os que passavam uma figura por demais conhecida. Por certo tempo, ele ficou apenas a perceber se era a mesma pessoa. O cuidado de Diomedes era ter que falar sobre um caso estranho onde a pessoa estava desaparecida de há muito. Levava-se a precaução de que essa pessoa tivesse até morrido. As sessões espíritas a que Diomedes freqüentou de nada adiantaram. A não ser um sonho que ele tinha tido há algumas semanas mostrando a criatura em um cemitério. Mas um sonho era um sonho. E nada mais. Porém, ali estava á frente com a pessoa. Ele jurava ser a mesma. Estando com o carro parado no sinal e pronto para sair a qualquer instante, o homem não tinha como fazer. Apenas disse ao seu chefe o que acabara de ver atravessando a rua:
--- Racilva! Racilva patrão! Racilva! Olhe lá! É ela! – declarou o homem ao desespero.
Silas estava lendo umas folhas de papel com os roteiros do filme de Carlos Louzada. Quase não teve tempo de olhar para o lado onde a moça se metera. Por um instante, o homem se juntou perplexo e disse a Diomedes amedrontado.
--- Pare o carro! Pare o carro! Pare o carro! – disse Silas para descer e seguir para a rua onde estava a moça.
O motorista encostou o carro em fila dupla e Silas saltou pelo lado onde tinha mais automóveis e seguiu apressado dobrando a esquina de uma loja e procurou vislumbrar a criatura que o motorista disse ser Racilva. Na rua era um pandemônio de gente. Uns que vinhas. Outros que iam. Todos ao mesmo tempo. Silas correu com pressa, olhando para o interior das lojas a procurar se na verdade a moça era Racilva e nada de encontrar. Viajou até a esquina do outro trecho onde tinha menos pessoas, e nada percebeu. Apenas notou a Catedral. E ele pensou afinal.
--- A Catedral! A Catedral! É lá que Racilva deve estar. - e seguiu rumo ao templo religioso, muito apressado, com olhos esbugalhados, batendo em um e atravessando por entre carros.
Ele estava então na Catedral Metropolitana. Foi naquele templo que Silas viu pela ultima vez a jovem Racilva. E, com certeza, ela estava por lá fazendo suas orações. O templo estava com pouca gente àquela hora da manhã, pois já não havia missa. Apenas os devotos ficavam a rezar aos seus santos de maior devoção. E Silas entrou na nave procurando entre as poucas pessoas uma que pudesse ser a moça Racilva. Porém, nenhuma das que estavam dentro do templo parecia ser Racilva. Ele insistiu em procurar por outras dependências da Catedral e nada achou de real. O tempo demorava, os minutos se passavam e apenas as devotas a rezar. Uma noviça saiu de trás do altar mor, como fizera a ex-noviça Ligia e ele então resolveu perguntar se a noviça tinha noticia de uma moça que entrara na Catedral naqueles instantes. A noviça respondeu:
--- Quem é o senhor? – perguntou a noviça estranhando a pessoa.
--- Sou muito amigo da moça. – relutou dizer o nome de Racilva.
--- Não. Não vi ninguém. – respondeu a noviça passando a caminhar.
--- Espere! Espere! É Racilva o seu nome! – relatou Silas a noviça.
--- Não a conheço! – disse a noviça enfim caminhando para a grande porta de entrada.
--- “Bosta! Bosta! Ela só pode estar aqui!” – pensou Silas consigo mesmo.
O relógio da Catedral deu as nove pancadas marcando a hora certa. Porém Silas nem percebeu essa hora. O temia era Racilva ter desaparecido como fumaça ao vento. Enfim, o homem caminhou para a grande porta da Catedral. Ali sentiria o vento a soprar ao seu peito e deixaria largar o seu suspiro de perdedor, pelo menos aquela vez. E assim fez. Esteve Silas a olhar os carros a transitar e o seu pensamento a vagar. Por fim, ele notou a presença do motorista Diomedes a caminhar feliz com uma jovem ao seu lado. Era ela Racilva Pontes. A moça olhou para o homem e esse, desnorteado, ficou ao encontrar tão bela prenda há tempos perdida. A chorar como uma criança, soluçando qual um menino. Silas Albuquerque apenas disse:
--- Racilva! Racilva! Por quê? – e sentiu tonturas e desmaio.
Ao recobrar a consciência, Silas Albuquerque estava deitado no banco da Catedral, com Racilva ao seu lado, abanando com um lenço a sua face e a noviça lhe medindo a pressão. O homem Diomedes estava segurando o corpo de Silas enquanto uma ambulância chegava para levá-lo ao pronto-socorro. Racilva ficou ao seu lado por todo o longo tempo, abraçando o homem ao recobrar a consciência. Silas só olhava o roto da moça e plenamente chorava. Os maqueiros o conduziram até a ambulância onde o home foi posto em companhia de Racilva Pontes. Silas continuava a chorar de alegria ou de saudades ao ver a moça ao seu lado. De fora, Diomedes falou apenas seguir a ambulância e agradecer a noviça pelos cuidados devidos.
--- Seu nome, por favor? – indagou o motorista Diomedes.
--- Leane. Irmã Leane. – respondeu a noviça a sorrir levemente.
--- Ah. Leane. Não vou esquecer. – respondeu Diomedes a sorrir levemente.
--- Agradeço. – respondeu a Irmã Leane.
No pronto-socorro o médico, as enfermeiras e as atendentes postadas no local de urgência para os casos mais graves cuidaram por completo do senhor Silas Albuquerque. Com o seu motorista, ele teve a oportunidade de apresentar a sua carteira de saúdes comprovando não ser indigente. Silas estava alegre disse que aquilo não fora nada demais, pois há algum tempo já passara por aquele setor hospitalar apenas por conta de um desmaio. Mesmo assim, o corpo médico mandou fazer um novo checape para tomar todos os cuidados possíveis. O velho Diomedes teve que ir ao Escritório da Agencia avisar a dona Vera B. Muniz sobre o estado de saúde de seu marido e encontrar com Racilva Pontes. A mulher tomou um susto terrível a Diomedes falar no nome de Racilva.
--- Agora quem desmaiar é eu! – relatou Vera ao se recobrar do choque.
--- Nada. Nada não. Ela está no Hospital esperando a senhora. – sorriu Diomedes ao dizer tal fato à dona Vera B Muniz.
--- Que está esperando? Vamos para o Hospital! – reclamou Vera com pressa.
Então, Vera Muniz seguiu com Diomedes e, no Hospital se deparou com a sua amiga Racilva. Foi aquele abraço bem apertado. Vera chorava. Racilva procurava acalmá-la. Diomedes sorria enquanto Silas era submetido a tratamento no laboratório hospitalar. As duas mulheres então conversaram sobre todo o tempo perdido. E Vera Muniz quis saber por que Racilva não tinha mais voltado ao seu trabalho. A moça desconversou e disse que naquele estado de saúde era melhor ela manter resguardo de toda a gente. E Vera quis saber da família. Ela então respondeu que o sustento era dado por recursos tidos por Racilva em um Banco particular e sua mãe nem sabia de onde vinha tal numerário.
--- Mas você não voltou a sua casa! – repreendeu Vera Muniz.
--- É. Eu retornei depois de um mês quando fiz as compras para manter a minha mãe. – relatou Racilva sorrindo.
--- Só depois que eu estive com sua mãe.! – disse Vera Muniz.
--- Por aqueles dias. Eu pedi a todos que não falasse que me virão. – sorriu Racilva.
--- Mas por que tudo isso? – perguntou Vera alarmada.
--- Questão de saúde. Você sabe como é. – disse Racilva sorrindo
--- Mas você está mais forte! – respondeu Vera olhando o corpo de Racilva
--- É. Estou. Tive um bebê. Por isso estou um pouco mais forte. – sorriu Racilva.
--- Ah, Você casou? – indagou alarmada Vera Muniz.
--- Não. Não casei. E o pai caiu no mundo. – gargalhou Racilva a relatar o parto.
--- É danado. Você teve um filho e eu perdi um. – falou tristonha Vera querendo chorar de desgosto.
--- Aquiete-se. Por isso eu não voltei mais para o trabalho. – sorriu Racilva aquietando Vera.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

AMANTES - 68 -

Jessica Alba
- 68 -

Naquela manhã de domingo, desde as três horas da madrugada, Ligia estava empenhada em uma tela a óleo criando uma imagem de mulher e seu filho. A mulher acalentava a criança em um beco escuro e, talvez, mal cheiroso. Era um beco de uma cidade qualquer. A cena, Ligia tinha visto quando voltava para a capital. Ao cruzar uma pobre cidade, estava a mulher com seu filho. A mãe sempre a acariciar o pobre filho. Aquela cena foi tão emocional para Ligia que ela jamais esquecera. Mulher magra, raquítica, roupas velhas, sentada ao chão de pedra, em cima de uma ribanceira se guardado do sol das três ou quatro horas da tarde. Foi aquela cena impressionante onde Ligia pôs todo o seu empenho a elaborar em tintas o quadro da mãe e seu filho. Ela já estava a alguns dias fazendo a pintura a óleo e naquele dia, terminaria tudo por completo. Ligia já havia composto grande número de quadros, pinturas em tela e estava a guardar todas as representações em uma estante em um ponto do seu quarto, local que não deixava penetrar nem mesmo a sua prima Lia. O cuidado com a limpeza do quarto ficava sempre por responsabilidade da própria Ligia. Quando ela saía para o trabalho fechava a porta e guardava a chave em um pote em cima de um armário. Sempre alertava a prima:
--- Cuidado. Não bula nessa chave! – alertava Ligia a Lia com severidade.
--- Não sei por que tanto segredo! – respondia malcriada a prima Lia.
--- É segredo mesmo. Só eu cuido! – respondia com desaforo a pintora.  
--- Vai levar isso pro céu? – perguntava Lia com atrevimento.
--- Vou. Vou levar. Por isso não vá pegar em nada! – respondia Ligia desaforada.
E a mocinha Lia saiu da sala com um ar arrebitado como que conversa com as nuvens. Porém, naquele domingo, Ligia não teria conversa com Lia. Apenas ela acabara de pintar o quadro em tela e, ao final, pôs o seu próprio nome. Eram dez horas da manhã quando tudo estava concluído. O nome da tela teve mesmo a denominação de “Mulher com seu Filho”. Ligia deixou a secar a tinta e mais tarde, para o inicio da noite ela veria como guardá-lo na estante. Na sala de estar estava Lia a esfregar o chão. Porta aberta e ela apenas de camisola. E nem reparava mais o homem da luneta. Com certeza ela pensava de tal modo:
--- Deixa pra lá. É um velho. Nem ligo! – pensava Lia com os seus botões.
Foi nessa ocasião que o telefone tocou. Lia correu para atender pensando ser do interior. Após alguns segundos, a voz de um homem:
--- Não desligue, por favor. Eu só quero ver você trabalhar. – dizia a voz do homem.
--- Quem é o senhor? – perguntou Lia ao homem.
--- Ninguém. Venha para fora do kitnet, venha! - rogou o homem a suplicar.
--- Mas quem é o senhor, seu bosta? – reclamou Lia ao telefone.
--- Isso. Isso. Chame mais. Eu só quero ver você. - implorou aquela voz em desencanto.
--- Homem vá pra merda. Não tô nem aí. – respondeu Lia malcriada e desligou o telefone.
O aparelho voltou a tocar. Ela puxou de vez o fio da parede. E o telefone ficou mudo. Nesse momento, Ligia, alertada pelo barulho feito por sua prima, largou os pinceis no atelier de pintura e veio saber qual era o motivo de tudo aquilo. A mocinha já deixara da sala e aos berros descompunha o homem. Ligia sorriu e religou o fio do telefone na tomada adiantado não ser daquele modo se resolver a questão. Ao religar, o telefone tocou de novo. Ia de dentro da cozinha apenas disse a Ligia:
--- Atenda pra ver se não é o corno! – altercou Lia para a sua prima.
Ligia sorriu e atendeu ao telefone supondo ser, na verdade, o homem de instantes atrás. Porém, ao falar, a voz respondeu como de uma pessoa amada e querida. Era Silas, o seu chefe. Ele apresentou cumprimento e logo indagou se a moça estava a pintar quadros. Ligia sorriu e voltou a pergunta de como o seu chefe sabia das pinturas nem tão pouco divulgadas.
--- Eu tenho umas pinturas. Qual e o caso da pergunta? – sorriu Ligia a pergunta de Silas.
--- Não é nada. É que a empresa Pomar está pensando em expor pinturas de seus próprios funcionários. E se você puder, estamos gratos por isso. – sorriu Silas ao responde a Ligia.
--- Na verdade, eu tenho umas telas. Poucas. Mas eu faço quando estou em casa. Quando eu estou a viajar, então eu não faço. Tem mostras que eu gosto por demais de ver. Por exemplo, em Cannes, da França. – explicou Ligia a Silas. 
--- Ótimo. Ótimo. Mas você tem quadros em casa? – relutou em saber Silas.
--- Tenho bem poucos. Eu levo um tempo para fazer uma tela. – sorriu Ligia.
--- Ótimo. Ótimo. É bastante umas duas ou três. Você tem esse número? – voltou a querer saber Silas.
--- Tenho. Tenho. Mas, eu duvido que essas telas sirvam. São de um péssimo mau gosto. – falou Ligia ao ser perguntado.  
--- Não é preciso ser uma obra de arte esmerada. Basta você ter algo para mostrar. Eu pretendo discutir o assunto amanhã. A idéia foi de Vera. Vera Muniz, minha mulher. E se for possível eu posso ir até a sua casa junto com Vera para ver seus quadros. – respondeu Silas.
--- Pode vir. Não tenha cerimônias. A casa é simples. Eu morro em um kitnet. Mas cabe mais um ou dois. – sorriu Ligia já tremendo de nervosismo.
--- A que horas nós podemos ir ver suas pinturas? – perguntou Silas a Ligia.
--- A qualquer hora. O senhor é quem sabe. – sorriu acanhada a moça.
--- Hoje mesmo? – indagou Silas.
--- É. Pode ser. Eu ainda estou toda suja de tintas. Eu terminei uma tela e agora está secando. – relatou Ligia.
--- Ótimo. Ótimo. Então nós vamos à tarde. Após o almoço. Certo? – indagou Silas sorrindo.
Com isso ficou acertada a visita de Silas e Vera à tarde daquele dia para ver a coleção de quadros de Ligia Duarte, jovem de pouco mais de vinte anos. Ela deixou o Convento há poucos meses e passou a trabalhar a convite de Silas Albuquerque, na Empresa Pomar. Com isso fez viagens ao exterior em companhia do casal ou apenas com Silas Albuquerque. Com a notícia da chegada de Silas e Vera, logo a moça tratou de ajeitar o kitnet, repreendendo Lia de não mais querer ouvir lamúria sobre o homem ao lado da sua casa. E se ele telefonasse, era advertido para não chamar novamente, pois daquela vez seria chamada a policia. E Ligia abriu a porta e a cortina do kitnet para o homem poder ver quem estava ditando a ordem. Por momentos, o telefone não mais tocou. Parece até que o homem havia entendido a repreensão sofrida por Lia apesar de sua residência ficar em apartamento distante uns quinze metros da moça Ligia Duarte.
Quando chegou as três horas da tarde o carro de Vera buzinou em frente ao kitnet de Ligia. E assim, começou a visita do casal. De começo, nada de quadro. Apenas conversa. Lia chegou com uns copos de vinhos. Porém Silas, educadamente não quis beber tal vinho. E, por sinal, Vera também seguiu a mesma linha. Local aconchegante, dizia Silas a Ligia ao se referir ao kitnet onde ela habitava juntamente com a sua prima Lia.
--- É. Contudo é bem pequeno. Mesmo para nós. Somos duas. – falou Ligia a sorrir.
--- Isso, nós podemos ver. Se você paga um tanto por esse kitnet então veremos o quanto mais vai poder você desembolsar por um apartamento melhor. – sorriu Silas acompanhado por sua esposa.
--- Onde estão as telas? – perguntou Vera Muniz.
--- Ah as telas. São poucas. Estão aqui nesse quarto apertado. – sorriu Ligia.
E nesse ponto, Ligia foi com Vera e Silas até o quarto apertado cheio de estantes de telas em branco, telas iniciadas, tela posta de lado. Eram diversas varias pinturas não acabadas. Em um cavalete, tinha uma tela a secar. Ela era a mais recente produção da moça. “A Mulher com seu Filho”. Mesmo assim, a moça inda tinha guardado um imenso volume de telas nunca acabadas. Ela a seguir mostrou a tela que havia acabado naquele dia. E outra como Nossa Senhora “Mãe”. Uma eximia tela representando à santa. Ou simplesmente “Mãe”. Um magnífico quadro apresentado à santa com seu manto branco e mãos postas a rezar. Os olhos da Virgem era algo de singular. O seu rosto parecia querer-se tocar pela precisão com que fora oleado. Um encanto divino aquela obra de arte. É tanto que Vera Muniz sentiu um calafrio e em um momento apenas suspirou.
--- Magnífico esse quadro. Dá vontade até de a gente falar com a imagem da Santa. – sorriu Silas compadecido com a sacra imagem de Maria Mãe.
--- Estou toda arrepiada com essa tela. – falou Vera Muniz com temor de olhar ainda mais.
--- É a minha diversão. -  sorriu Ligia ao contemplar a Virgem Maria.