quarta-feira, 3 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 19 -

- Carla Diaz -
- 19 -
Antes de Racilva sair do Gabinete onde ela estava o seu virtual namorado disse algo não bem compreendido direito por parte da moça. Ela ficou na duvida do assunto explorado e ainda perguntou para ter certeza.
--- Como? – indagou Racilva um pouco desatenta.
--- Eu pergunto se seu eu posso ir à noite a tua casa e se você vai estar ou não? – quis saber Glauco de modo sério para não chamar a atenção dos funcionários.
No quadro de pessoal havia três moças – donzelas -. Essas moças eram irmãs e andavam as três sempre juntas, de braços dados. Por esse motivo os “espiões” ficaram a dizer serem elas as irmãs cento e onze por estarem sempre vistas – todas as três – caminhando de casa para a repartição a passos largos, compenetradas, sem conversar entre si. Elas eram magras, altas e sempre belas. E por complemento, todas as três vestiam os mesmos indumentos, apenas de cores diversas. Essas três moças ficaram a conversar baixinho quando no Gabinete do Diretor se encontrava apenas Racilva.  E a moça não prestou muito bem atenção a essas três moças, as cento e onze, por serem três como um em três.  E respondeu ao Chefe da Repartição.
--- Pode ir. Eu não vou sair esta noite. É uma honra para eu ter você em casa. –sorriu Racilva
--- É bom saber para não levar viagem em balde. – respondeu Glauco temeroso com as três moças cuja profissão era escriturária.
--- E você vai almoçar no restaurante? – quis saber Racilva.
--- Sim. Queres ir? – perguntou Glauco.
Racilva ficou a sorrir dando a entender ter aceitado o convite de almoçar no Grande Hotel.
--- Pois estamos justos e contratados. Ao meio dia. – respondeu Glauco sério e falando baixo.
Após algumas horas, com Racilva a passear pelo bairro da Ribeira, a ver o movimento intenso do cais da Avenida Tavares de Lyra, ela olhou para seu relógio de pulso e fez a volta para o Hotel e alí ficou certo tempo até o diretor de a Recebedoria chegar apressado temendo ele um desencontro a principio. A moça sorriu e contou o que fez dizendo ser bela a vista da praia da Redinha. Ela estava com vontade de estar naquela praia a qualquer dia, pois para Racilva era um momento singular. Glauco entendeu o dito a moça e também discorreu não ter ido a Redinha por vários anos.
--- Talvez eu tenha ido uma ou duas vezes àquela praia. É sempre bela. Casas de taipa e de palha entre algumas outras mais robustas do povo ordeiro cujo destino é passar o verão. – argumentou Glauco e sorriu. 
--- Você foi com a sua ex-esposa? – quis sabe saber Racilva ao indagar o assunto.
--- Com Adélia fui uma vez. Outra vez fui com amigos. Parece: foram essas vezes que estive eu na Redinha. – relatou Glauco Rodrigues.
O salão do restaurante já estava repleto de gente a almoçar, conversar, recitar ou até mesmo a não fazer coisa alguma, a não ser beber cerveja ou vinho. Racilva bem alinhada olhou a todos e cumprimentou a alguns para a satisfação de Glauco. Ele estava confiante, de braços dados com Racilva e nem olhava muito bem as demais figuras do restaurante. O garçom surgiu apressado e perguntou:
--- O de sempre? – indagou o garçom baixando o corpo como se estivesse a perguntar coisas importantes.
--- Queres peixe? – indagou Glauco a Racilva com um olhar reticente.
Racilva sorriu e completou a sua mensagem:
--- Hoje eu quero fígado. – sorriu Racilva se agarrando ao braço de Glauco.
--- Vinho? – perguntou o garçom.
Ela observou o homem em sua companhia e esse disse:
--- Do melhor! – sorriu Glauco e se voltou a Racilva.
E observou a Racilva.
--- Um pouco de vinho, apenas uma taça ao dia é seguro para o fígado reduzindo a ocorrência hepática gordurosa. – fez ver o homem falando baixinho a sua namorada.
A moça respondeu a sorrir.
--- Você conhece de tudo o que é bebida! Nem sequer demonstra ser um leigo! – sorriu Racilva naquela ocasião.
--- Às vezes eu tomo um cálice de vinho no almoço. – sorriu Glauco à sua amada.
Quando eram sete horas daquela noite de segunda feira, Glauco Rodrigues chegou à casa do funcionário da Recebedoria de Rendas, de nome Venceslau, conhecido certamente à boca pequena por Piu-piu e buzinou insistentemente para chamar o homem ao combinado. Quem primeiro aparecer à porta foi uma moça. Glauco pouco se importou. E em seguida apareceu solene o homenzarrão Venceslau de peito nu e reclamando ser ainda muito cedo. E ele estava se preparando para tomar café. Glauco em seguida foi logo dizendo:
--- Toma lá! Toma lá! Toma lá! Vamos! Está na hora! – reclamou por demais Glauco ao despreparo impertinente de Venceslau.
--- Tá bom! Vou vestir o paletó! – respondeu vagaroso e com a sua voz grossa por demais o homem Venceslau.
--- E a camisa! – gritou Glauco para Venceslau já um tanto angustiado. O presente de Racilva estava ao seu lado e ele olhou para ver se estava alí mesmo ou se esquecera.
Com um pouco, Venceslau voltou ao Cadillac todo enfatiotado e abriu a portada frente ao lado de Glauco e se arrumou todo no interior do automóvel, talvez como um príncipe. Ele entrou e não mais disse coisa alguma. O carro raspou no calçamento, a toda velocidade e com um pouco mais já estava em outro ponto da Cidade, na casa onde morava Walquiria. Quase o homem não precisou chamar, pois a moça já estava na frente de sua bem acabada casa e gritou alegre quando viu o automóvel se aproximar. 
--- Chegou ele! – respondeu a moça a sorrir cheia de graça e desenvoltura.
--- Vamos. Vamos! – respondeu alegre o seu tio Glauco. Na porta da casa não havia viva alma.
O carro desembandeirou de rua a fora, correndo como nenhum outro e Glauco nesse momento pegou o presente e deu para a sobrinha segurar não lhe dizendo do que se tratava.
--- O que é isso? – perguntou nervosa a sobrinha de Glauco.
--- Um negócio! – respondeu o homem olhando em frente para evitar acidentes.
--- Que negocio? Eu precioso saber! – sorriu Walquiria balançado a caixa ao seu ouvido.
--- Negócio. Negocio. – respondeu o homem sem dar mais explicações.
A moça balançou o pacote e não viu a possibilidade de saber o seu conteúdo. Após algum tempo o carro freou em frente a casa de Racilva. Nesse momento, Glauco mandou descer o homem Venceslau e a moça Walquiria. Venceslau ainda indagou se não era preciso de revólver ao que Glauco respondeu.
--- Nada disso. Se tiver, pode deixar em baixo do banco! - reprovou Glauco ao seu funcionário.
Venceslau se aquietou e pôs a arma em baixo do banco. Afinal não seria tão necessária a sua utilização. Glauco não teve tempo nem mesmo de bater palmas, pois na hora em que chegou Racilva já estava contentíssima na varanda da casa amarela apenas como quem esperasse ver o namorado. Nesse instante, Walquiria foi quem acorreu primeiro e abraçou Racilva bem forte de quem como não a avistasse há muito tempo, apesar de fazer um dia apenas. O embrulho, Walquiria o escondeu para trás de si de modo a não mostrar o presente a Racilva. Em seguida, foi a vez de Glauco a abraçar a moça. Venceslau ficou apenas a observar a turma. Quase ao mesmo instante surgiu a porta, desconfiada, tal como era, a mãe de Racilva, a dona Lindalva. Na rua, os vizinhos procuram ver o sucedido. Um deles comentou:
--- Putaria! – reprovou o homem morador da casa ao lado.
--- Que é isso homem? – respondeu a sua mulher.
---Quem? —perguntou a anciã da casa quase sem querer saber, um pouco sonolenta e com o rosário na mão a rezar constantemente como sempre fazia todas as noites de estio ou de chuva.
O pessoal entrou e tudo na rua ficou tenso. Alguém procurava saber o sucedido na casa em frente. Outros curiosos apenas olhavam sem ter pressa. Alguém assistia A VOZ DO BRASIL, no rádio vendo as recomendações do Governo Federal. O homem, entregador do pão, já voltava com o balaio vazio. Ele olhou de lado e não disse nada.

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