- Paulette Goddard -
- 25 -
FRANCISCA
Gonzaga ficou
pensativo com o presente da sua mãe. Talvez ela não quisesse que ninguém
soubesse ser ela a verdadeira mãe do cavalheiro. As lágrimas encheram seus
olhos pela ação da anciã e nem deu por fé quando dona Lourdes trouxe um pacote
todo enrolado e depositou em suas pernas. Gonzaga estava a sentar na cama de
dormir da anciã. Ela apenas observou o pacote e nada fez. A mulher foi quem
despertou a sua atenção:
Lourdes:
--- Esse
era o presente do senhor. Tome. Agora é seu mesmo. – falou sem tristeza a
mulher.
Gonzaga
nem teve ação de abrir o embrulho. E foi dona Lourdes que citou:
Lourdes:
--- Tem
uma roupa completa e um par de sapatos. – cruzando as mãos às costas e saiu de
perto do homem.
A
tristeza era tamanha para Gonzaga. Ele sentia-se em lágrimas como uma criança
recém-nascida onde tudo é claridade para um ser vivido apenas na ignorância do
seu infeliz passado onde nada se lhe importava. Choro longo de um pobre
funcionário de um Teatro. E no seu desalento ele não encontrava explicação para
tudo o quanto fez a sua mãe querida. Longe de saber o feito da anciã por sua
causa. Tudo era silêncio no peito do homem,
pois, na verdade, ele queria apenas afogar as suas mágoas. Após um tempo
infinito ele olhou de volta para a dona Lourdes e essa, sem querer maltratar mais
ainda o homem respondeu a pergunta não feita ainda:
Lourdes:
--- Foi
meu filho quem comprou essa roupa. E o sapato. Eu creio que vai dar certo no
senhor. O meu filho, certa vez, foi ao Teatro e viu o senhor. Era para tomar as
medidas da roupa. E o tamanho do sapato. Ele fez tudo isso a mando de dona Francisca.
Ela não podia mais andar. – falou com calma e displicente dona Lourdes.
O homem
continuava a chorar as lágrimas tardias e convulsas a lembrar de tempos remotos
quando a humilde senhora passeava dia a dia pela calçada do Teatro. Nada pedia.
E nada lhe era dada. Enfim ninguém ligava para aquela velha senhora. Ela
caminhava lenta, alquebrada como se estivesse apenas a pensar nas agruras da
vida de uma tão doente anciã. Ela não olhava para ninguém e mal pedia o favor
de alguém atravessar a rua a puxar a sua mão. E quando fazia continuava a
caminhar vagarosa mais olhando o chão que o espaço à frente. Indo ou vindo era
a mesma mulher mergulhada em seus remorsos de não ter alguém para deixar a sua
provável fortuna. E tudo isso Gonzaga pensou por um lapso de tempo quando nem
mesmo as borboletas pousavam para depositar a sua célula feminina em uma flor
de lírio.
Gonzaga:
---
O seu filho está em casa? – indagou
Gonzaga corando e amargurado por seu destino.
Lourdes:
--- Ele
saiu logo cedo. Serviços extras. Ele trabalha como alfaiate. – respondeu a
mulher sem maiores causas.
Gonzaga
passou a vista na parede da sala onde pode ver um velho retrato de uma jovem
esbelta e cheia de encanto como uma borboleta. E percebeu também a fotografia
de um menino pousado com uma corneta a meia luz. Então ele indagou de dona
Lourdes:
Gonzaga:
--- Ela?
– indagou o homem.
Lourdes:
--- Sim.
Quando moça. Ao seu lado um menino. Se reparar bem esse quadro é o senhor
quando menino. – falou a mulher.
Gonzaga:
--- Eu
mesmo? – indagou admirado com a fotografia.
Lourdes:
--- Sim.
E tem mais. Fotos de amigos. Essa aqui sou eu. – reparou a mulher.
Gonzaga:
--- Como
ela fazia tudo isso? – indagou ao leu o homem.
Lourdes:
--- Ela
pagava todos os meses para o pessoal o criar. As fotos ela mesma foi com o
senhor. – relatou a mulher.
Gonzaga:
---
Comigo? Não me lembro. Quando foi tirada a foto? – perguntou o homem,
Lourdes:
--- Tem a
data ai embaixo da foto. – falou a mulher.
Nesse
ponto Gonzaga procurou ver melhor e, na verdade, estava a data gravada à mão
feita pela própria Francisca. E isso fez ainda mais chorar o homem. Era um
tempo que nem ele mesmo se lembrava. E revolveu a memoria sobre o pagamento
tendo por fim indagado.
Gonzaga:
--- Minha
mãe pagava para o pessoal me criar? – indagou surpreso o homem.
Lourdes:
--- Foi
assim que ela me falou. – respondeu a mulher sem mais nada falar.
O homem
se sentiu mais solitário ainda não conversando com o seu amigo Toré e passou a
observar com o maior cuidado as fotos expostas na parede da casa node dona
Francisca viveu por uma eternidade. E de relance se lembrou do sitio deixado
como herança por ela e das casas existentes bem próximas a casa onde a mulher
residia. Ele nada sabia sobre a herança de mais alguma coisa. Talvez a sua mãe
tivesse deixado algo para dona Lourdes. Pensamentos vãos a lhe cobrir a memoria
em certo pedaço de tempo. E então indagou Gonzaga.
Gonzaga:
--- Faz
tempo que a senhora morar nessa vila? – indagou.
Lourdes:
--- Um
punhado. Nem sei quantos. – falou a mulher.
Gonzaga
percebia ser a mulher uma inquilina ou, talvez morasse de graça para cuidar da
velha senhora. Mas ele não teve a coragem de saber na ocasião. E olhava nas
molduras os retratos antigos expostos ao longo dos anos. Então o homem sentiu
coragem em saber da vida da mulher com relação à moradia.
Gonzaga:
--- A
senhora morar nessa casa de aluguel? – quis saber.
Lourdes:
--- Faz
tempo que dona Chica me deu a casa para morar. Mas isso foi de boca. Eu fiquei
aqui para cuida da velha. – falou.
Gonzaga
atentou para a situação e resolveu mais nada falar. Apenas se apressou em dizer
ter de ir para o seu ponto de comércio e voltaria na vila algum tempo.
Lourdes:
--- Se o
senhor quiser eu tenho o pagamento uns alugueis. Da vila. Das casas ainda não
recebi. – falou Lourdes.
Gonzaga:
--- Eu
vejo isso depois. No momento vou ter de pegar alguns documentos meus. A senhora
fique com os alugueis. – falou o homem.
A mulher
nada falou. Apenas se conservava de braços cruzados próximo ao busto e com o rosto bastante
sério. Não falou em marido nem Gonzaga perguntou algo a respeito. Ele apenas
olhou os seus dedos e nada viu de marca por uma aliança. Certamente era uma
mulher só. Tinha ela a companhia de um filho. Talvez. O caso foi encerrado com
o homem a chamar Toré para seguir caminho. No portão da vila ele observou a
presença de José Luiz e demais pessoas residentes naquelas pobres casas.
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