- Bianca Bin -
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CINZA
O dia prosseguiu enevoado com
de cinza como se o Manto Sagrado tivesse caído sobre aquele pobre remoto lugar.
Os pássaros não trinavam mais e o vento, esse nem mais soprava. Tudo estava
quieto. Até o cão não ladrava mesmo tendo a presença de estranhos. Não havia
peixes no rio para se fisgar e a carne do boi morto secava nas bancas do
mercado. Alguém levava para a sua casa um pouco de frutas, coisa não tão rara
no local. Havia silencio entre todos. Os pedreiros do cemitério faziam os
últimos retoques no tumulo do ex-prefeito sob um derradeiro lamentoso silencio.
A iluminação das casas continuava a faltar. Apesar de tudo, as pessoas vagavam
como se fossem mortos vivos a passar de um lado para outro. Os homens tiravam o
chapéu para cumprimentar alguém e as mulheres prendiam o véu em suas bocas como
modo de guardar silêncio. Uma menina brincava com um garoto da mesma idade
apenas a sorrir como se nada houvesse para se lamentar. Um homem montado a
cavalo seguia para algum lugar sem falar com alguém. Era um cavalo manco, por
sinal. O novo Prefeito decretou luto oficial por três dias e fechou a porta de
seu gabinete saindo logo em seguida com destino a sua fazenda sem nada a falar.
Em uma casa ouvia-se um som. Era um rádio a pilha. Um noticiário fora de hora.
O locutor informava haver trinta mil corpos postos no Instituto Médico da
cidade destroçada pelas ondas do mar e pelo temeroso sismo, segundo as últimas
informações recebidas. Era de fato de uma estação de outro Estado. Na sequencia
o locutor informava ter havido desastres em outras regiões, conformes informes
recebidos àquela hora. Uma ponte entre um Estado e outro veio totalmente ao
chão interrompendo o transito de veículos e pessoas por completo. Porém essas
eram noticias vagas e passadas por muito tempo atrás apesar do noticiário ser
da ocasião. O vaqueiro Ernesto ficou a escutar para depois informar ao Coronel
Araújo.
Em seguida, um cavaleiro
chegava de munícipios mais distanciados com a informação de haver sido
destroçado grande parte das moradias da região, algumas com mais de três
andares. E mais o homem dizia haver falta de força elétrica nas casas, lojas e
indústrias. O povo estava temeroso com a real situação dos seus pertences.
Havia falta de gêneros alimentícios por toda a região do oeste e alto oeste e
regiões litorâneas. Apenas os moradores em sítios tinham garantidos a sua
nutrição por colher os frutos plantados em seus próprios terrenos. Com relação
ao tempo, pelo dito do cavaleiro, o sol estava bem e as noites eram frias, como
era costume. Rodovias permitiam o tráfego de veículo em certos pontos da
estrada. Nas rodovias vicinais havia estragos das estradas em diversos pontos.
Em outro caminhão vindo do
extremo sul do Estado, as notícias não eram tão boas. Um motorista chegou a
levar três dias de viagem para alcançar o município por conta das estradas
totalmente danificadas por causa dos recentes tremores de terra dos últimos
dias. Completamente sujo de poeira, o profissional desceu do veículo,
espreguiçou-se por completo para ajeita a sua coluna e procurou o bar do posto
de combustíveis onde outros profissionais do volante estavam a conversar das
estradas por onde trafegaram nos recentes dias. Entrando na conversa, com um copo
de cerveja na mão, apesar da bebida não estar gelada, o homem deu a entender
ser aquele bar a ter cerveja mesmo quente, o que não era fato comum. E de onde
estava a vir, a situação era de perigo.
Motorista:
--- Eu ouvi falar das vacas
espantadas. Foi na fazenda de um criador. Os animais correram em debandada
quando a Terra tremeu. E o pior: o prédio da Prefeitura rachou ao meio. Foi um
caso muito sério. Outros acidentes ocorreram em diversos prédios da
Municipalidade. Em outras regiões a situação é igual ou parecida. É isso. –
declarou o motorista um tanto alarmado.
OUTRO:
--- Eu ouvi dizer que para o
norte já não tem mais ninguém! – relatou outro motorista
MOTORISTA 2
--- E pra onde foi esse povo? –
quis saber o motorista dois.
OUTRO:
--- Quem sabe? Enfurnou-se mata
adentro. Quando as casas começaram a rachar, o povo tremeu. É o fim – vez ver o
outro.
Bêbado:
--- Isso tudo é castigo do céu!
O Homem já afirmava: “Não escapa ninguém da morte. Os bons virão comigo. E os
maus serão enterrados vivos!”. – fez ver o bêbado com sua voz imponente e a
afirmar com os braços levantados para o alto em suas roupas rotas.
E essa preleção acabou com a
conversa. Os motoristas rumaram para a cabine dos seus veículos ou para outros
locais. Um deles conseguiu encontrar uma meretriz e saiu para o cubículo da
mulher onde havia outras meretrizes, algumas cansadas do oficio de qualquer
hora. No cubículo, quando se entrava, o motorista olhou bem e viu uma rachadura
na parede da casa pobre. O homem ficou inquieto com aquele rasgo na parede.
Porem nada ele disse e foi seguir para o quarto dos amores. Mesmo assim no
quarto apertado, o rapaz notou vários rachões nas paredes. Alarmado, ele
perguntou:
Motorista.
--- Há quanto tempo tem
rachaduras nessas paredes? – indagou alarmado o homem.
Meretriz:
--- Não sei. Pouco venho nesse
bereu. Talvez esteja rajado desde o primeiro estrondo. – disse a mundana a
retirar suas poucas roupas do corpo franzino.
Motorista:
--- Eu nunca vi coisa igual a
essa! Rachões! – reclamou o homem.
Meretriz:
--- Onde eu moro foi bem pior.
Tudo ficou rachado. É por isso que eu venho para a cidade. – reclamou a
mundana.
Motorista:
--- Você tem marido? –
perguntou o motorista.
Meretriz:
--- Um velho acamado. Ele não
pode mais trabalhar. Eu sustento a ele e aos meus filhos. – respondeu a
mundana.
Motorista:
--- Dessa forma? – indagou
inquieto o homem.
Meretriz:
--- E tem outra? – respondeu
abusada a mulher.
O motorista se entristeceu e
tirou do bolso uma nota e deu para a mulher, pois já não tinha vontade de fazer
coisa alguma. A mulher olhou o homem tanto desconsolado e disse para o
motorista ser aquele jeito de se ganhar a vida.
Meretriz:
--- Moço! Eu não faço isso por
querer. É meu meio de vida. Enquanto sou jovem, tem mais. – falou a mulher um
tanto ressentida.
O motorista se vestiu como pode
e saiu do quarto balançado a cabeça para um lado e outro como a pensar em tanta
tristeza acudida aquele trapo de mulher. Em seguida, vinha atrás a mulher
acochado o cinto da saia com vontade de saber se o homem desistira por qual
motivo. O motorista pediu uma dose de vermute e nada mais contou a mulher. Após
beber seguiu para o seu caminhão encostado próximo ao posto de serviço. Por lá
ele entrou e procurou repousar por alguns momentos. Com poucos minutos o homem,
quase a dormir, levantou do volante assustado por demais. Um estrondo rasgou o
chão de norte a sul e abriu uma fenda colossal por toda a pista. Dentro da
fenda, um rio caudaloso tragava para o interior os corpos das vítimas. O povo
em volta correu alarmado por onde podia correr. Havia gritos de toda a sorte e
o estrondo prosseguia com o gigante e brumoso arroio. O motorista ligou o motor
do seu caminhão, porém ficou alarmado com a fenda a se dirigir para o seu lado.
E nesse momento o homem gritou de dentro do caminhão:
Motorista:
--- Socorro! O mundo está se
rompendo! – gritou o motorista em um clamou arrebatado.
E o homem notou o povo ao
desespero a correr como se o assustador tremor estivesse a tragar toda a gente.
O carrilhão da Igreja veio ao solo provocando um tremendo estrondo a ecoar por
longa distância. A enorme fenda cheia de lama se abriu passando ao lado do
caminhão a faltar alguns metros para soterrar o veículo. Outros caminhos
parados junto ao posto de combustível foram tragados irremediavelmente pela
enorme fenda. Mulheres alarmadas gritavam ao desespero igual aos assustados homens
a correr para todo lado de forma irremediável. E o romper do quente chão enlameado
prosseguia em direção sul parecendo um animal feroz a abocanhar a sua presa
indefesa. Gritos de terror eram o que se prestava atenção. Em determinado
instante a Igreja teve parte de seu andar a rachar terrivelmente. O muro de um
campo de futebol veio ao chão parecendo um pano velho descartável. Casas de mais de um andar se romperam como se
fosse um traste. No mercado público, o pânico gerou tormento. As bancas de
pedras onde se guardava a carne de gado foram ao chão. As bodegas sofreram
terríveis danos como as lojas de tecido e de roupa. Tudo enfim foi sacudido
pelo ribombar do abalo sem piedade. Muito além, no casarão do coronel Araújo, o
pessoal foi pego de surpresa. Ouvia-se clamor e piedade por parte das senhoras.
O coronel tentava por ordem no desespero das mulheres e Otto, ao desespero,
segurava a noiva para evitar maior calamidade.
Otto:
--- Tenha calma! Tenha calma!
Esse terremoto passa! Não entre em desespero! – gritava o jovem a sua noiva.
Eleanor se agrava com custo a mesa grande para
não cair. Sua mãe, Luiza, corria como uma tonta para segurar o velho marido
Homero em sua cama. A dona da casa, Matilde clamava pela proteção divina. Todo
era por demais assustador. E o pessoal nem sequer observou a lacuna aberta no
chão da cidade. Esse prosseguia em direção à casa do homem Chagas, marido de
Nina e pai dos seus três filhos. Quando o chão se abriu frente à casa de Chagas
esse foi tragado para seu interior. A sua mulher, alarmada, gritava por socorro
assim como seus filhos.
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