- Julie Delpy -
- 03 -
Molambo era um mendigo. Dizia-se que em algum dia ele fora homem de posses. Em outras palavras: um homem rico. Porém, isso ninguém tinha prova. O homem tinha a pele alva, se alguém chagasse perto e olhasse. Contudo, maltrapilho como estava, era até difícil de dizer. Podia-se ver um apenas homem sujo. Ele morava em um barraco feito de papelão em um terreno que fazia esquina com outra rua sem nome e também com a Rua São Jose. Para final de conversa, ele morava em frente à casa de Vera. Apenas um terreno amplo que outrora foi uma vacaria. O dono da terra morreu e ficou devoluta. Naquele tempo só havia matagal com pés de jurubeba, carrapateira e outro matagal. No fim de todo aquele terreno ficava a tapera do velho Molambo. O velho aparecia de manhã logo cedo, resmungando da vida e levando seu saco de esmolas cheio de molambo. Quando Vera acordava logo cedo, podia ver muito bem o velho Molambo a sair através do matagal para ganhar a rua.
Em certa tarde, Vera combinou com o seu amigo Silas para ver de perto o que havia dentro da tapera de Molambo. Eram três horas da tarde quando os dois amantes surtiram efeito do combinado. A choupana era feita de papelão, era a pura verdade. Os dois amantes chegaram próximos e temeram em entrar, pois o Molambo podia chegar a qualquer instante. Entre medos e empurrões eles agüentaram um pouco mais olhando através o matagal de jurubeba, carrapateiras e até manjericão em meio a o mato rasteiro para saber se o velho eremita não vinha naquela hora. O certo é que depois de um breve instante, a garota resolveu entrar na tapera de Molambo, o ermitão. No interior do cubículo havia de tudo em termos de lixo. E um catre que de veras servia para o velho esticar os ossos, por assim dizer. Era tão escabroso o pequeno interior do aposento que dava para atravessar em dois passos. Panelas velhas feitas com cobertura de ágata disputavam lugar com caçarolas, bacias grandes e pequenas além um mundão de copos retorcidos e amassados todos eles postos ao desarrume total por entre os outros molambos que agüentavam as paredes de papelão do barraco.
Os garotos bisbilhotavam tudo o que viam, alarmados e boquiabertos com tamanha sujeira onde o velho e corroído Molambo passava as suas noites quase a céu aberto, pois a cobertura carecia de um melhor amparo. Entre os trapos corroídos estava um velho vestido de noiva, guardado em um caixote todo arrebentado que se podia ver o que dentro dele existia. Aquilo, de fato, assustou a garota. Ela fez um sobressalto, pulando para trás e deixando escapar um leve gritinho.
--- Noiva? Ele? – clamou a garota Vera a perceber o tal vestido todo amarrotado.
---Quem é noivo? – indagou Silas que ainda não notara o tal vestido.
--- Ele! Molambo! – replicava baixinho e temeroso com o tal vestido que ela acabara de ver.
Os olhos esbugalhados da garota e a sua mão na boca era um sinal que nada saíra bem. A menina tentou correr do local, porém foi de imediata sustentada pelo garoto Silas o qual não queria ficar sozinho naquela espelunca. Se um fugira o outro também queria fugir. E foi o que deu. Uma gritaria solene alarmava a quem pudesse ouvir.
--- Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiii!!!!!! – foi tudo isso que fizeram na correria desenfreada.
Com um coração batendo pela boca os dois amantes fugiram de vez e por força solenemente do local onde estavam.
Em certa ocasião, os amantes resolveram migrar até ao pé do morro que ficava não muito longe de suas residências, porém levaria uns bons tropeços para se chegar. Havia matagal por todo o caminho. Arbustos pequenos e médios para não se falar nos grandes cuja existência era no morro mesmo. Urtiga tinha até demais. Isso levava o garoto a advertir a sua companheira para não encostar-se aos pés das famigeradas urtigas. Ora essa! As urtigas eram uma planta baixinha e não fazia mal a ninguém. A não ser que alguém as pisasse. Então era uma coceira dos infernos. Daí, a viagem do moleque acabava de vez, pois só em casa é que ele untava álcool para ver se podia passar a comichão. A par disso, os amantes trafegaram direto para o morro onde tinha os pés de pitomba saborosa. E antes das deliciosas pitombas, eles passaram por pés de umbu, de onde tiraram frutas azedas e muito verdes.
--- Não presta, mas é bom. – dizia Silas a sorrir.
Adiante tinhas os pés de mangas saborosas, muito embora estivessem verdes. Eles olharam para cima e não viram mangas maduras. Com isso seguiram em busca das pitombas que era o “fraco” dos amantes. Partiram depois que provaram azeitonas tiradas do pé e então notaram uns cajueiros repletos de cajus. O garoto olhou para a adolescente e logo foi dizendo:
---É melhor a gente ficar aqui. As pitombas que esperem. – sorriu Silas bastante animado.
--- E têm caju as pampas. – respondeu Vera a sorrir.
--- Aqui é dos amarelos. São bons. Eu prefiro caju amarelo. – destacou Silas se preparando para subir no cajueiro.
--- Tu sobes e eu fico em baixo para aparar. – respondeu a adolescente Vera.
--- Tais de calcinha? – indagou Silas a sua amante com cara cínica.
--- Vá prá merda seu bosta. Eu estou. Não vês? – rebateu zangada a garota.
--- É. Porque você sabe. Lá em cima têm moscas, mosquitos, formigas. ... – respondeu Silas a amante com a cara mais cínica do mundo.
--- É melhor você ir pra merda. Avia. Sobe logo! Tira aquele grande pra mim! – gritou muito brava a garota Vera com a cara trancada.
--- Olha ela? Inda manda? Vai tu! – respondeu Silas já subindo no cajueiro e se livrando das formigas pretas que picavam demais.
A garota olhou para Silas a subir no cajueiro e não teve outra. Soltou uma bela gargalhada dessas que ninguém está prestes a ouvir. O soar da gargalhada de Vera enveredou mata afora para quem tivesse por perto ou por longe suspeitasse o que estaria a se passar em certo ponto do vasto morro.
--- kkkkkkkkkk. – gargalhou a sensual jovem.
Por certo temeroso com as imediatas e imprudentes risadas de Vera, o garoto se assustou enquanto largava a mão nas pernas e nos braços, pescoço e em outros locais para se livrar das formigas pretas. Com certo tempo de pancada e desvio ele por fim perguntou a Vera o que havia acontecido para se achar tanta graça daquela forma.
--- Teu calção. – gargalhou a garota a sorrir demais.
--- Que tem o meu calção? – indagou Silas amedrontado com as formigas para não se falar nas abelhas que já estavam a zoar.
--- Eu vejo os teus “troços”. – gargalhou Vera sem ter como parar.
--- Vá prá merda. Vem tu subir, vem!!!! – apoquentou-se o garoto.
--- Eu não. Se eu tenho quem suba! – sorriu Vera de forma desregrada.
Cheio de raiva das formigas, abelhas e então da sua amante, o garoto subiu mais que depressa para apanhar um caju amarelo cujo sabor era travo. Mesmo assim, ninguém podia dizer que aquele caju era indiferente para Silas. A mocinha, que estava em baixo do cajueiro, apontou outra fruta mais sedenta que a de Silas. O garoto fez finca-pé no galho e a fruta balançou para um lado e para o outro terminando por cair quando Silas gritou;
--- Lá vai! – gritou o garoto ainda atormentado com as formigas pretas.
Vera se portou no pé do cajueiro a pegar todas as frutas caídas ao esforço do garoto em balançar galhos e mais galhos onde havia caju verdes, de vez, e maduros ou quase maduros. Em baixo, no chão, havia mais frutas e o garoto orientava a Vera tirar as mais novas e puxar as castanhas das mais antigas. A garota fazia de tudo o que o seu amante mandava. Com a saia, juntou uma porção de cajus e de castanhas para guardar em um ponto toda aquela safra de saborosas frutas enquanto consumias as que podia aproveitar ainda ao cair do pé. De repente, a menina correu para longe sacudindo os cabelos. Eram as abelhas que zoavam atrás para ferrar a mocinha a qualquer preço. E a menina gritava por socorro para que o seu amante descesse e espantasse as abelhas. Mesmo assim, o menino trepado no cajueiro, sorria e dizia;
--- Pega ela abelhas!!! – sorria o garoto ao ver Vera apoquentada sacudindo os cabelos para um lado e para outro.
Após breves instantes de aperreio a garota pode ver que não tinha abelha nenhuma em seus cabelos. Enfim, Vera se desassombrou pode discutir com seu amante, uma vez de descer do cajueiro para acudir a menina ficava apenas a sorrir com o seu modo descarado de ver de longe a desgraça alheia. Ao descer do cajueiro Silas procurou juntar o que estava montado em diversos locais e ele perguntou a Vera onde ela havia postos todos os cajus que caíram de pé.
--- Sei não, seu bruto! Estúpido! Sem vergonha! Miserável! – respondeu com supremo nojo a jovem Vera ainda a se limpar na saia e blusa.
O menino olhou Vera e sorriu desavergonhado como todo o susto por que a garota havia passado naqueles momentos de desespero, angustia e ódio. No fim de tudo, vendo a amante completamente com seus cabelos assanhados Silas se urinou no calção.
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