- Tais Araujo -
- 09 -
ACORDO
As duas
amigas continuaram a conversar enquanto Gonzaga pedia licença para se ausentar,
pois teria de ir a um ponto de comércio existente naquele pequeno bairro a
procura de mais alguma coisa para sustentar a pequena mesa da sala da modesta
casa. Coisas como verduras; coentro, hortelã, cebola, pimentão, vinagre.
Artigos há muito tempo não comprados por Gonzaga, desde o tempo em que ficou
viúvo. Na verdade, foi uma pequena feira. E as amigas divagaram nas conversas,
com Otilia a dizer não ter para onde ir ao tempo de sua reabilitação do aborto
provocado. E Isabel contestava:
Isabel:
--- E
você não pode falar com seu Gonzaga de ficar morando aqui? – inquiriu a moça.
Otilia:
--- Mas:
e o dinheiro para fazer compras? Eu pensei, depois de chegar aqui, ter que
arranjar um emprego de doméstica em uma casa qualquer. Pode ser mesmo de
lavadeira, cozinheira, pessoa de limpeza ou outra coisa qualquer. – respondeu
Otilia ainda sentindo dores.
Isabel:
--- Bem
pensado. Eu, depois de você ir para o hospital, fiquei a pensar também no meu
destino para assegurar o futuro. Hoje, não tenho onde cair morta. Mas, não se
vive apenas um dia. E eu penso igual a você; ser empregada. – falou a moça com
pensamento distante.
Otilia:
--- Eu
nunca mais faço um ato como esse. Nunca! – contemplou Otilia amargurada por
estar enferma.
Isabel:
--- Eu
penso do mesmo jeito. Homens? Eu não quero! Eu já tive um. Ele morreu. Tive um
filho. Também morreu. Agora estou aqui, longe de minha terra. Se eu tiver um
homem, no futuro, será só ele e nada mais. Esse negócio de andar com um e com
outro, quando nem se pensa, dá nisso! – fez ver Isabel apontando a barriga de
Otilia.
Otilia,
de cabeça abaixada, começou a chorar de mágoas pela dor sofrida em perder um
filho. Certamente seria um garoto a servir nos seus dias do amanhã.
Em alguns
instantes, Gonzaga abriu a porta e entrou a mostrar tudo comprado, entre
verduras, carne seca, pão, biscoitos entre varias coisas. A moça olhou o pacote
e sorriu. Em instantes declarou o desastre por ela feito.
Gonzaga:
--- Você
vai precisar de tudo. - declarou Gonzaga a caminhar para a mesa da cozinha.
Isabel se
espantou com imensa gentileza feita pelo homem e deu a entender a moça Otilia
encontrada uma boa bisca. E sorriu logo
ao se referir para o homem:
Isabel:
--- Mas
somente agora o senhor comprou tudo isso? – perguntou alarmada.
Gonzaga:
--- Ela
vai precisar. – respondeu o homem com seu andar distante.
Otilia se
contorceu na cadeira de palha e sorriu com não querendo.
Após
deixar as compras na mesa da cozinha, Gonzaga retornou a sala onde estavam as
duas amigas e, por certo, sem muito pensar, ele falou a seu ver de Isabel vir
morar em casa dele com a morena Otilia. E falou mais ser Otilia boa companheira
e, certamente elas estariam bem confortadas, pôs afinal para se não ganhar
coisa alguma era preferível ficar sossegada em uma casa confortável. Isabel
ficou a meditar e sorriu ao final.
Isabel:
--- Mas o
senhor está brincando?! – fez ver Isabel com a decisão tomada por Gonzaga.
Gonzaga:
---
Verdade. Eu passo o dia fora. Mas, se vocês quiserem, eu arranjo um boteco e
vocês tomam conta dele. Eu estou falando à verdade. Tem um boteco perto de
vocês. O homem quer se desfazer dele. Até agora não havia pensado nesse caso.
Porém, vejo vocês e acredito serem responsáveis para tirar de letra e se eu
fizer negócio vocês tomam conta. – decidiu o homem.
Isabel ficou
pensativa no negócio. Ela estaria à frente do boteco. Ela e Otilia, certamente.
Fazer comidas, vender bebidas, caranguejos, tatu, carneiro e muitos negócios
param se provar em um quiosque mesmo sendo pequeno. Gonzaga foi o pensador no
assunto. Otilia ainda estava em repouso,
porém Isabel tomaria à frente do empreendimento. E os dois seguiram direto para
o boteco de Arnaldo. Foi coisa de meia hora. O boteco era de Isabel e Otilia.
Já nesse dia a mulher não mais trabalhou na pensão de dona Marina. No dia
seguinte, sem Otilia, posta em repouse, estava Isabel lavado o chão do boteco.
Gonzaga deu ajuda, mas foi Isabel a mentora de tudo. Deixavam-se as compras por
conta de Gonzaga e o servir a cargo de Isabel e Otilia. Um dia o barraco não
operava para funcionar somente no final daquela semana. Tudo enfeitado e
asseado; mesas postas do lado de dentro do barraco; geladeira, fogão, caixas de
bebidas. Goiamuns a valer. Quem quisesse teria picado, O primeiro prato era por
conta da casa pois seria o meio de prender ainda mais o consumidor. Café pela
manha, bebida ao meio dia e à noite. Isabel estava feliz da vida. Otilia nada
podia fazer por conta do resguardo dado pelo médico. Começaria Otilia, na
semana seguinte. No dia da inauguração do bar, Otilia estava presente apenas
para oficializar a associação com Isabel. Logo cedo do dia Isabel estava a servir a
freguesia no dia da abertura do bar. O Bar de Isabel. Esse era o nome. A
corriola veio em peso naquele dia de festa. Uma cerveja para José, um vermute
pra João. E cana muita para todos os adeptos da cachaça. Uma radiola fora posta
a serviço dos fregueses tocando os sucessos do momento. Um frequentador levou
até mesmo os fogos de artifícios. Gonzaga trazia as compras e Isabel fazia a
festa.
Isabel:
--- Solta
os fogos mais para um lado! – relatava a mulher cheia de risos.
Esse foi
o inicio de Isabel no vender de suas bebidas. Ela e Otilia. O homem do barracão
era sempre Gonzaga. Esse estava mais fora por causa de suas ocupações diárias.
O homem viúvo tornou-se engenheiro de negócio para dividir sua pequena riqueza
com as duas mulheres: Isabel e Otilia.
Otilia:
--- Pelo
visto, está sendo um negócio da China! – sorriu Otilia depois de uma semana a
recolher o saldo das vendas.
O Bar de
Isabel, como se costumou chamar, tornou-se um chamariz durante todo o dia e,
nos finais de semana, até às onze horas da noite. Isso, menos aos domingos,
quando o movimento era razoável até ao meio-dia ou pouco mais. Havia
atendimento até mesmo a barões como se chamava a pessoa de nível muito mais que
a classe média. Gonzaga era um homem só sorrisos com o progresso tido com o
bar. Ele, apenas não dizia algo de mais. Do Teatro vinham atores, atrizes e
demais membros da Corte. Mais animados estavam Isabel e Otilia onde viram ter a
necessidade de colocar mais duas serviçais. Nos dias de sábado era o maior
movimento. Os ébrios chegavam quanto sóbrios. Mas ao sair já eram ébrios
contumazes. Se alguém perguntasse pelo antigo trabalho de Otilia, ela nada
referia, muito embora ficasse vizinho ao bar.
Otilia:
--- Só
gosto de quem gosta de mim. – era o muito que falava.
Isabel:
--- Ás
vezes dona Marina passa e olha. Mas não encosta. Gonzaga já faz refeição na
casa da mulher. Aliás, ele já não fazia tanta refeição assim quando era um
homem só. – respondia Isabel a que tivesse o cuidado de não falar demais.
Em certas
ocasiões um historiador de respeito chegava ao bar de Isabel, por volta das 10
horas da manhã e somente se retirava quase ébrio, por volta das três horas da
tarde. Gonzaga o conhecia muito bem. Porém o historiador não fazia o igual
efeito. De uma forma ou de outra, o importante eram as divisas do velho
burgomestre. Essa era uma forma de se tratar o homem de letras da Capital.
Notadamente, o bar não fazia distinção a pobre ou a rico. Nos finais de semana
havia uma enchente de gente rica para beber e até mesmo brincar com as suas
parceiras de salão. As damas chegavam pelo bar, devagarzinho, logo cedo da
manhã de um sábado qualquer e se ofereciam a ajudar a Isabel e Otilia. E diante
da precária situação das damas, essas eram aceitas com amantes de aluguel, pois
sempre havia casos de amores clandestinos. E assim, corria a vida naquele bar.
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