- Vivian Leigh -
- 03 -
O CORONEL
Aquele dia era um domingo. À noite, quando todo o pessoal chagava da Missa na Igreja local, tinha um encontro em família na casa do velho “Juca”, 80 anos, onde cada qual que argumentasse mais sobre os casos acontecidos na cidade ainda pequena. Casos de certa forma sem importância. As mocinhas eram as mais falantes. E prolatavam de tudo um pouco, principalmente os namoricos das filhas da “Caidinha”, coisa sem a menos importância. E todos sorriam ao falarem as endiabradas moças. Sem contar com a moça mais espertas, a qual namorava na varanda da casa. E foi assim que o velho “Juca” – seu nome era João Tenório de Alencastro, conhecido mais por Coronel Alencastro quando o homem era ainda novo de idade – falou sem sorrir, a dizer apenas que ninguém viu o sucedido da noite passada. O que ele falava ninguém dava a menor importância, não fora por acaso um bisneto do velho. Foi quando o velho falou em uma coisa enorme que passou no céu à noite do sábado.
--- Eu vi vô! – declarou alarmado o garoto.
--- Você viu? Pois é! Uma coisa enorme. Mais parecia um avião. Mas não era avião! Nem fazia barulho e era todo iluminado por baixo! Cheio de luzes! Eu estava cuidando do chiqueiro dos porcos quando avistei aquela coisa gigante. Os porcos se assustaram. Mas eu disse que aquilo, para mim era uma aeronave! Mesmo assim, a nave passou bem alta e numa velocidade incrível! O negócio seguiu em direção no sentido da fazenda “Mombaça” e depois, sumiu! – falou com altivez o velho Juca.
--- Ele parou na fazenda “Mombaça”!. Mas por algum tempo! Eu estava acordado quando aquela criatura passou! – relatou o menino querendo dar mais ênfase ao aparelho voador.
--- Que “criatura” seu bobo. Aquilo não era gente! Era um avião! – repreendeu uma de suas tias mais moças
--- Sei lá! Sei que eu vi! Você não viu! Então não se meta! – respondeu o menino um tanto zangado.
--- Venha para cá que eu lhe meto a chinela! – disse a moça com o intuito de jogar a chinela nas costas do garoto.
--- Deixa disso, Norma! – repreendeu a sua avó, esposa de seu Juca.
--- Obedeça a dona Rita menina! – falou com seriedade o pai de Norma.
Foi assim que Chiquito se meteu na conversa. Chiquito era Francisco de Assis. Mesmo assim todos o chamavam de Chiquito, dono de um armazém de vendas e cereais e algodão. Chiquito tinha fama de ser um homem rico por causa dos volumes de algodão em fardo. Ele vendia tudo isso para um exportador da capital. Naquela noite, antes de ir se deitar, Chiquito passou um tempo ouvindo o conversar das moças e dona Rita a repreender a sua neta, filha de Chiquito. Ele se intrometeu apenas para acalmar os ânimos da garota com o filho de Carmen, por sinal o seu neto. Norma era filha de outra irmã de Carmen.
Com essa repreensão, a moça, Norma, saiu da sala queimando fogo e entrou em seu quarto onde se meteu a chorar. E o velho Juca nem ligou para o fato. Apenas respondeu que na manhã daquele dia – um domingo – seu Orlando Martins esteve na cidade em busca do veterinário João Mota. Pelo que foi dito na calçada do mercado algumas vacas tinham aparecido mortas no interior da Fazenda ”Mombaça” e não se sabia a razão da mortandade. Foi o que soube dizer o Coronel Alencastro.
--- Isso deve ser morte por conta do gado de ter comido ervas venenosas! – falou Chiquito coçando o pé que estava em cima do pau da cadeira de balanço onde ele costumava a descansar da luta diária.
--- Mas o doutor Orlando Martins toma cuidado para o gado não comer as eras daninhas. – relatou o velho Juca olhando o tempo para fora da janela e ao mesmo tempo ver se não percebia alguma nave assustadora
Dona Rita, um tanto cansada pelas quebradas da vida resolveu sair e ir para o seu quarto onde rezaria o seu oficio em intenção aos mortos de sua família e aos defuntos bem conhecidos da mulher. Dona Rita tinha 75 anos de idade. Era uma mulher ainda jovem para o seu tempo de vida, uma vez que a sua avó morrera quando completara 105 anos de vida. A mulher ainda tinha mãe – dona Maria Soledade – que estava aos 95 anos de vida. A velhinha nessa hora, já estava a dormir em seu quarto onde quase ninguém resolvia ir até ao leito da anciã, a não ser a própria dona Rita. O pai de dona Rita já morrera há alguns anos por causa de uma flatulência recolhida, conforme diagnóstico médico. A passar perto do coronel, este lhe perguntou:
--- Já vai minha santa? – indagou o velho Juca sem desaforo.
--- Já é tempo. Vocês estão conversando muita bobagem. Eu vou ver como está passando a minha mãe e aproveito para rezar o oficio de Nossa Senhora. – comentou um pouco baixo a dona Rita.
--- Pois é. Eu fico mais algum tempo. Não vai chover hoje. O céu está limpo de nuvens! – relatou o velho Juca olhando para a mulher já um pouco cansada da lida.
Os vaqueiros da Fazenda “Mombaça” comentavam àquela hora da noite a mortandade do gado naquele tempo de estio. Pudera ser devido à ingestão de alguma erva daninha onde o gado se enveredava para comer qualquer coisa que houvesse. Mas tal opinião não tinha o apoio de todos os homens do mato. Pois, conforme diziam se fosse desse jeito havia gado morto há mais tempo, uma vez não ter chovido há mais de um mês.
--- Tem vaca que morreu no sopé da serra. Lá em cima. – relatou José Jacó cheio de cisma nas cercanias de sua casa.
--- Tem muito nascendo pelo sertão. – informou outro vaqueiro meio descrente.
--- Nem vá com uma conversa dessa para cima do doutor! – repreendeu Jacó querendo dizer na dúvida do vaqueiro para os ouvidos de Orlando Martins.
--- É esperar pelo que vai dizer o veterinário. – retrucou outro vaqueiro querendo apaziguar os ânimos.
Naquele instante, já enveredando pela noite, apareceu em frente da casa dos vaqueiros o doutor Orlando para matar a hora de ir se deitar de vez. Ele reclamava da dor sentida próximo ao ombro desde a noite passada quando estava a dormir ao volante do seu próprio carro. E fazia um esfregado para cima e para baixo com o braço afetado e quis puxar conversa com os vaqueiros.
--- Alguém de vocês foi ao mercado hoje? – indagou Orlando aos vaqueiros.
--- Eu fui ouvir as conversas dos homens. – relatou sem pressa um dos vaqueiros.
--- Ah bom. Eu estou cansado da luta. Hoje, o dia foi de comer brasa. – comentou Orlando a reclamar do braço.
--- Eu ainda estou lembrado daquele sujeito! – declarou Jacó ao se referir ao velho “Trapo”.
--- Que sujeito? O velho “Trapo”?. Aquele nem merece fé. – disse de vez Orlando Martins.
--- Amanhã tem feira. E ele já está abancado nas lonas das barracas. – relatou o Vaqueiro Dimas
--- Toda a semana é a mesma reza! – sorriu Jacó ao cuspir de lado uma gosma de fumo.
--- Ele diz que viu Jesus. Toda vida diz isso! –gargalhou Dimas vaqueiro.
--- Toda vida é a mesma conversa. E o povo gosta! – gargalhou o doutor Orlando.
E a conversa continuou por mais um bom tempo até a hora dos vaqueiros se recolherem, igual com a decisão de seu Orlando. Esse, por algum tempo, ficou a olhar o céu e suas estrelas e comentar não haver possibilidade de chover nos próximos dias. E de imediato, algo lhe fez recordar.
--- Agora me lembro! Tive a impressão de ter estado em uma estrela daquelas! – comentou o homem.