- Justin Bieber -
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VACA MORTA
Ao saber da noticia o vaqueiro pensou ter sido uma cobra que havia picado o animal. Por isso mesmo não deu maior importância. E logo declarou que ao nascer do sol ele veria o animal. Boi morto era coisa corriqueira no sertão. E com o tempo ressequido pela falta de chuva, isso era muito comum no sertão do município de Panelas, nem tão distante assim da capital do Estado, muito embora serpentes não tivesse nada a ver com as estradas que levavam a cidade. De qualquer modo o vaqueiro Jacó agradeceu e mandou vasculhar o caminho de manhã logo cedo para ver se outras reses tinham morrido também. E nesse ponto, Jacó pegou o caminho dos seus aposentos onde havia de dormir. E ainda reclamou:
--- Essas serpentes são um caso serio. Não vejo a hora de se matar todo. – reclamou Jacó.
A casa de Jacó era bem feita, toda de tijolo, cobertas com telhas, como eram as casas dos vaqueiros da Fazenda Mombaça do senhor de terras Orlando Martins, fazendeiro rico e dono de amplos cercados, herdeiro do seu tataravô. O restante das propriedades estava dividido com os outros irmãos e a família de Orlando, inclusive o seu pai, Gaudêncio Martins, mais conhecido como o “Velho”. Nessa noite de estio, Orlando Martins não soube da morte do boi, coisa bem comum no sertão brabo das caatingas do velho interior. Ela apenas resmungava de uma picada sentida no braço direito próximo ao ombro. Mesmo assim, Orlando tomou banho e comeu um pouco de coalhada com queijo sem muito conversar com as criadas da cozinha. Apenas a menina Amanda apareceu junto à mesa com seu chambre, o consolo e o pano amarrado no consolo descendo para o chão. O homem colocou a menina no colo e continuou a fazer a sua refeição. Laura, a sua esposa, foi que apareceu na porta a buscar a menina. A criança estava a dormir naquela hora e acordou com a zoada do carro, talvez. E ficou por alí fazendo suas estripulias até o pai chegar à mesa. A empregada ainda brincou com a garota antes da mesma se sentar ao colo do patrão. Laura não viu, porque estava no quarto ajeitando a cama para Orlando. Isso se deu instantes antes do homem sair do banheiro.
Após esse jantar ligeiro Orlando se levantou da mesa com a menina no colo com a sua mulher a tagarelar inevitavelmente querendo tomar a garota e o homem sem querer soltar a pequena dizendo:
--- Deixa que eu mesmo faça! – comentou sem raiva o senhor Orlando Martins.
E assim ele levou a garota até o seu leito onde a pôs para dormir acalentando a criança. A tagarelice da mulher não cessava e o homem fugiu do quarto para assistir um pouco a tevê enquanto o sono chegava.
Pela manhã, logo cedo, o vaqueiro Jacó chegou a varanda do casarão e nem precisou bater palmas para acordar Orlando, pois o mesmo já estava de pé, na porta, a admirar o horizonte. O vaqueiro tomou apenas a iniciativa de informar do gado morto que ele mesmo encontrou:
--- Um touro e cinco vacas. Uma delas estava amojada. Ainda tem dois bezerros. Foi o que encontrei na beira do rio, se senhor. - relatou acabrunhado o vaqueiro tendo ao lado mais dois trabalhadores da fazenda.
--- Mas será possível? Não tinha marca nenhuma? – indagou Orlando com ar de preocupado.
--- Não senhor. Eu sou na noite passada de um touro morto. Mas pensei que fosse mordida de cobra. Deixei para ver de manhã cedinho. E os outros vaqueiros acharam o gado morto bem separado um do outro. E até podia ser da água do rio. Mas outros animais beberam da mesma água. E nada aconteceu. – explicou o vaqueiro Jacó cuspindo ao lado a gosma de fumo.
--- Eu vou falar com o veterinário João Mota. Ninguém mexa no gado. Deixa como está. Vou à cidade falar com o veterinário. – alertou o homem com a cara preocupada.
--- Tá certo. Se o senhor quiser eu também vou com o senhor no carro. – retorquiu Jacó.
--- Tá bem. Vamos lá agora. – fez ver Orlando com o rosto bem angustiado.
--- Tenho a impressão que puseram negocio na água dos bichos. São apenas sete cabeças. Mas esse negócio pode ferver bem muito. – relatou Orlando ao caminhar ao seu carro.
--- Tem muita gente ruim por esse mundo a fora. Muita gente mesmo. – alertou José Jacó.
--- Se eu pego um corno desse eu ferro ele. – respondeu com raiva Orlando Martins.
Após o veterinário João Mota examinar todas as cabeça e recolher uma porção de material para exames laboratoriais disse apenas o seguinte:
--- Não vejo nada de mais. Eles morreram não por intoxicação da água ou alimento. Mas é bom esperar o resultado dos exames de laboratório. Deve demorar um pouco. – relatou um tanto preocupado o veterinário, pois o gado morreu simplesmente.
--- Patrão! Patrão! Eu encontrei mais três cabeças mortas na pedra do Mangará! Eles estavam todos encolhidos! Foram três. Patrão! – relatou esfogueado outro trabalhador que acabara de chegar montado a cavalo.
--- Pronto! Mais três! – relatou com fúria Orlando.
--- É. Vamos lá para ver. No grotão do Mangará? Vamos ver! – relatou com pressa o veterinário
E os homens saíram por mais uma légua até chegar ao grotão do Mangará, onde só se ouvia o chocalhar de cascavel em uma vereda intrincada de se passar por conta do mato brabo onde nem nambu tinha coragem de ir fazer seus ninhos. O carro de Orlando comeu fogo para chegar até o mateiro, perto de outro grotão existente da região. Em lá chegando, o veterinário João Mota e o fazendeiro Orlando Martins, já ao cair da tarde, encontraram as três cabeças de gado mortas por completo.
--- E aqui nem água tem para os bichos beber. – relatou João Mota.
--- É danado mesmo! – vez ver Orlando todo rasgado de ramas de mato.
--- É o mesmo sinal. Eles nem andaram para morrer. Morreram mesmo no canto onde estavam sem precisar correr. – argumentou Orlando Martins a coçar a cabeça.
Com poucos minutos após, quando o carro de Orlando Martins já estava para sair com os seus ocupantes eis que chega ao local um homem bem conhecido do povo da região e que o chamavam de “Trapo” pelo trajar maltrapilho e por não dizer coisa com coisa. O pessoal o observa e logo dizia para gargalhar depois:
--- Isso é negócio de “Trapo”. – relatava que o ouvisse ou não falar.
Naquela hora, vindo do mato intrincado no sopé da serra, aparece o homem confuso e desnorteados a gritar entre seus trapos ter ele observado o sinal dos tempos.
--- Eu vi seu Doutor! Eu vi! Ontem à noite! Um sinal do céu! Era um gigante! Enorme! Ele veio do alto e falou algo que eu não entendi! Eu vi! Eu vi! – declarou muito rápido o valho chamado “Trapo” com a sua voz rouca como de um louco pregador das montanhas.
O doutor Orlando Martins pouca importância deu ao velho “Trapo”. E o mesmo fez o doutor João Mota, veterinário das fazendas do interior. Mas José Jacó, o vaqueiro e o quarto homem que encontrou às vacas mortas se prendeu para não sorrir ao tempo no qual dizia o velho que ainda haveria de sentir o sertão a força e o testemunho de Deus.
--- Ela não era Deus! Mas era o seu mensageiro! Eu vi o anjo do céu! – relatava com toda bravura o destemido velho “Trapo”.
--- Vamos embora antes que ele diga ser também enviado de Deus! – comentou o veterinário falando baixo.
Mas o homem gritava sem apelo com a sua voz rouca e desesperada.
--- Quem quiser ver o que eu digo que espere pelo tempo do juízo final. Vai ter fogo! Muito fogo! E o gado será levado para o céu! E os homens maus serão levados para o castigo eterno! Ouçam o que eu digo! Homens de pouca fé! O anjo veio me dizer o que eu estou agora a dizer! – comentava o velho “Trapo” enquanto o carro comia o mato a procura da estrada de barro da fazenda “Mombaça” de onde os homens haviam partido.
--- Tem louco nesse mundo! – recitou o doutor João Mota esfogueado.
--- Ele é assim mesmo. E vai terminar rezado para as vacas. – relatou com pressa de forma baixa Orlando Martins procurando parte de um melhor caminho.
Ao chegarem à fazenda “Mombaça” eles se despediram, pois o veterinário João Mota ainda queria examinar um pouco do material colhido do gado morto. Por isso mesmo dispensou o homem até o convite para entrar e tomar um pouco de café. Do seu canto, Orlando, após dispensar os vaqueiros entrou na sala e viu a sua menina a brincar com as suas bonecas. Ele não mediu tempo e foi para dentro da casa onde tomou um banho refrescante para tirar as murrinhas que ainda trazia no corpo. E nesse instante, um negócio estremeceu a saboneteira a qual estava fincada na parede do banheiro da casa. Ele ainda estava com os olhos tapados pela espuma do sabonete o qual esfregara no rosto molhado. O leve barulho fez o homem se voltar depressa. Porém nada viu. E ele pensou até na esposa e chamou:
--- Laura? Estais aí? – perguntou o cidadão alarmado.
Silencio foi dado como resposta. Nada ou ninguém falou de fora do banheiro.
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