- TÔNIA CARRERO -
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ANDANÇAS
Já era quase fim de tarde
quando o casal chegou a um baixio onde não havia água. Era somente areia e nada
mais. Otto apeou de sua montaria e foi pegar um pouco da areia para ter certeza
ser aquele o rio Seco como ele ficou sabendo. E esfregou na mão um pouco da
areia olhando para a sua noiva. A moça, na água foi quem respondeu:
Vanesca:
--- Rio Seco. Nós estamos no cercado da fazenda do meu
pai. – comentou a moça sem graça.
O rapaz olhou bem para
as suas mãos e soltou aquele resto de areia e passou a limpar seus dedos nas
calças um tanto gastas. Ele olhou para a sua esquerda e nada observou. A moça
foi quem disse ter visto uma porção de gente como se fizesse procissão.
Vanesca:
--- Lá em cima vai um monte de gente. Até parece uma
procissão. – comentou a moça.
O rapaz olhou para a outra
direção e viu as pessoas todas em fileiras. Porém não viu nenhum padre. E por
isso indagou:
Otto:
--- Procissão? Por quê? – indagou o rapaz com o rosto
meio intranquilo.
Vanesca:
--- Não sei. Aqui se faz procissão sem motivo algum. –
refletiu a moça.
Otto;
--- Pode ser. Parece cobra se arrastando. – comentou Otto e
sorriu.
Vanesca se virou para o outro lado e comentou:
Vanesca:
--- Nessa terra, um homem “ofendeu” a uma menina. – disse
a moça a refletir.
Otto:
--- Onde? – indagou o rapaz se voltando para o seu lado
esquerdo.
Vanesca:
--- Não sei o local. Mas foi nessa terra. A menina tinha
seus trezes anos. Ele “ofendeu”. – ressaltou a moça.
Otto:
--- Treze anos? E ela consentiu? – indagou o rapaz com a
cara azeda.
Vanesca:
--- Nada. Ele agarrou na marra. Depois fez o que quis.
Bruto! E depois foi embora. – relatou a moça.
Otto:
--- E a menina? Ela contou que tinha sido desonrada?! –
perguntou admirado o rapaz.
Vanesca:
--- Quem contou foi minha avó. Ela criava a menina desde
quando nasceu. A mãe morreu ao tê-la. Pra não ficar sem mãe, a minha avó
adotou. E o desgraçado arruinou a menina. – fomentou a moça.
Otto:
--- E ninguém faz nada? – indagou o rapaz com a cara
azeda.
Vanesca;
--- Minha avó mandou castrar o animal. Disse que era para
não matar. Queria o homem vivo. Mas sem os testículos. E assim foi feito. – cuspiu
a moça para um lado.
Otto:
--- Nossa! E ele ainda é vivo? – indagou o rapaz com gesto
nervoso.
Vanesca:
--- Eu não o vi mais. Mas era um moleque gordo. Ficou sem
a sua macheza. – reportou a moça com rosto sério e sem mágoas.
Otto:
--- É um bruto! Canalha! E a menina? – indagou o rapaz.
Vanesca:
--- Ela cresceu. Mas não quis casar nunca mais. Foi a
minha ama. Ela cuidou de mim enquanto eu ainda era pequena. Até mocinha. Hoje,
ainda mora na casa do meu pai. Quer dizer: a casa é do meu avô. O meu pai é herdeiro.
– reportou a moça sempre tranquila, mas com muita mágoa a se notar.
Otto:
--- Ninguém toca no assunto em sua casa? – perguntou meio
confuso o rapaz.
Vanesca:
--- Não! Não tem pra quê! Eu contei agora a você. Não falo
do caso com mais ninguém! – fez ver a moça olhando séria para o noivo.
Otto:
--- Faz bem. É segredo de família. Ninguém precisa saber!
E ela como se chama? – indagou sem querer o homem.
Vanesca:
--- O povo quer só um toque para espalhar conversa! Seu
nome é Corina! – reportou a moça pouco enfadonha.
Otto:
--- E o seu pai foi mesmo para a reserva? – indagou sem
querer o rapaz.
Vanesca:
--- Ele é coronel. Foi pra
reserva por um desacerto com um General. Ele ainda é moço. Mas tinha tempo de
farda. Certa vez, ele deu uma ordem aos seus subordinados e o General deu
contra. Isso provocou uma briga entre os dois e meu pai pediu para sair para a
reserva. Se algum dia ele voltar a ser chamado, ele volta como General. Se não,
fica no mato. – refletiu a moça ao falar.
Otto quis sorrir, mas se conteve.
Nada fez para não mais contrariar a moça. Antes do anoitecer os dois caminhava
ladeira acima para chegar à casa grande. Tudo era escuro por onde percorriam. A
falta da luz da lua era mais traiçoeira do que uma cobra cascavel. Nada havia
de luz pelo caminho. Eles percorriam um campo onde toda a presença era notada.
Foi então que, de repente, uma voz ecoou nas trevas:
Voz:
--- Alto! Quem vem lá? –
perguntou com severidade a voz.
Otto:
--- É de paz! – respondeu
temeroso o rapaz.
Vanesca:
--- Deixa que eu indague. Você
que ai, tem nome? – perguntou a moça.
Não houve resposta. Apenas um
matraquear de uma arma de fogo se fez notar. Vanesca então decidiu falar com o
homem.
Vanesca:
--- Ernesto é você? – indagou a
moça àquela voz.
O silencio se fez por alguns instantes.
E a voz respondeu.
Voz.
--- Dona Vanesca é a senhora? –
indagou a voz dentro do mato.
Vanesca:
--- Claro que sou eu. Não está
me reconhecendo? Vamos brincar de esconde-esconde? – indagou a moça esboçado
sorriso.
Ernesto:
--- Ora! Mas é a senhora mesmo!
Se não falasse assim, a senhora teria sido morta. Tem capangas que de lugar.
Venha! Venha! Quem é o moço? – indagou Ernesto a sorrir.
Vanesca:
--- Otto! Não reconhece? –
respondeu a moça com sorriso largo na face.
Ernesto:
--- Mas eu estou ceguinho.
Venha. Agora, com esse lampião à vista eu posso enxergar. Ora mais! Venha! O
que a senhora está fazendo pelo meio do mato? E essa égua prenha? – falou
Ernesto para os dois perdidos na capoeira.
Otto:
--- Essa égua foi quem nos trouxe!
Prenha? Como o senhor sabe? – indagou perplexo o rapaz.
Ernesto:
--- Ela só pode está prenha.
Olhe as tetas dela? Vamos cambada. Se acerquem da patroa. – recitou o vaqueiro
para o resto da turma
E com muito vagar, conversando
causos ocorridos, Ernesto caminhou até chegar a sede da fazenda onde a ama
Corina foi a primeira a avistar a jovem Vanesca. De inicio Corina não a
reconheceu. Porem, com estava em companhia de Ernesto, a mulher logo falou:
Corina:
--- Vanesca? É você minha
filha? Mas é Vanesca sim! – disse a mulher muito agradável por ver a moça em
casa àquela hora da noite.
E nesse ponto não teve tristeza
ou alegria que desse jeito. Vanesca correu para cima de sua antiga ama, senhora
Corina e se abraçou fortemente a chorar.
Vanesca:
--- Sou sim, Corina! Sou eu! –
respondia a moça a chorar.
E Corina gritou para dentro da
casa:
Corina:
--- Gente! Venha ver quem
chegou! – gritava a mulher com certeza a soluçar.
Então vieram o pai, a mãe, e
todos os que estavam por dentro do casarão. Aquele era uma alegria total.
Vanesca se abraçou com seu pai e sua mãe e não parou de chorar. O velho coronel
igualmente vertia lágrimas junto com a mãe de Vanesca, sua mulher Matilde.
Gritos e abraços foram à tônica da ocasião. Otto foi apresentado por Vanesca,
não por ser bem conhecido. Porque era a vez de se fazer as modéstias amizades
como já não cabia mais de chorar. O velho Coronel mandou buscar um porco e
falou ser para festejar o noivado da filha, coisa que ele por muito tempo
sabia. E todos acolheram os dois com bastante festa e alegria.