- Adriana Birolli -
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A FUGA
Na metade da noite Otto recobrou
os sentidos. A medicação tinha passado o efeito. Ele observou e viu Vanesca
sentada em uma poltrona a olhar para ele. E não disse coisa alguma a principio.
Viu também o tubo de soro suspenso ao lado da cama. E olhou para o seu braço.
Por alguns segundos ele observou a situação de quarto em que estava. Por fim
perguntou onde estava. Dito isso, Otto se levantou da cama, tirou a agulha do
seu braço. Fez fricção para ver se estava corretamente sadio. E Otto foi, a
saber, estar inconsciente por aquele tempo sendo submetido a exames inclusive
de tomografia. O médico acompanhante o confirmou não ter nada de mais. Por
isso, ao despertar Otto retirou do seu braço a agulha do soro. Por fim procurou
se levantar da cama e perguntar a Vanesca onde estava. Os demais assuntos enfim
Otto ficou sabendo. Ainda friccionando o braço, ele se levantou e caminhou até
a janela de seu apartamento. Ele olhou bem devagar e viu a multidão de gente.
Vanesca se aproximou e com Otto notou também a confusão formada no pátio
externo do Hospital. Crianças a chorar, adultos a mendigar um pouco de atenção,
mulheres a arrancar os cabelos da cabeça. Enfim: uma assombração a olho nu. As
horas foram passadas com Otto a olhar para fora do Hospital e vendo gente sendo
atendidos de forma precária, como os técnicos de saúde podiam. Enfermeiras: era
o mínimo. Enfim, o rapaz calculava em alguns milhares de doentes.
Vanesca:
--- Tem mais para trás do
Hospital! É um horror! E eu não tenho noticias da minha e a tua família! –
reclamou entristecida a moça.
Otto:
--- O negocio é cair fora! –
respondeu o rapaz com veemência.
Vanesca:
--- Mas como? Como? Como? –
indagou impaciente a moça.
Otto:
--- Veremos! Veremos! – relatou o
rapaz um pouco agoniado.
Após indagar a Vanesca de como
sair do Hospital, Otto observou seu relógio e enfatizou ser quase manhã e por
conta era possível sair pela cozinha onde havia menos gente. Ele foi até porta de entrada – e de saída – o notou pouca
gente, de modo especial, agentes de limpeza a correr indistintamente de um lado
para outro sem notar quem passava pelos agentes. Então Otto chamou a noiva e
escorregou de vez para o andar de baixo e dali para a cozinha no andar térreo.
Pouca gente havia na cozinha. Bem pouca mesmo. O rapaz se esgueirou segurando o
braço de Vanesca. Essa, de modo intempestivo, agarrou um copo de plástico e o
guardou em suas vestes. O caminho era estreito. Mesmo assim, os noivos
atravessaram de vez até chegar fora do velho prédio. Com certeza havia fora do
prédio quantidade enorme de pessoas. Algumas agonizando. Outras abanando os
enfermos; crianças a chorar; moça a pedir ajuda. Enfim, um caos. Com bastante
calma, Otto se esgueirou pela enorme quantidade de gente e procurou uma saída
pelo terminal do terreno onde muita gente estava encostada em esteiras ou
papelão de caixa. Após pedir licença a
cada qual ele enveredou por um muro já bastante derrubado por alguém a passar e
fugiu de súbito por um resto de prédio jamais concluído. Com ele, Vanesca
sempre junta. Uma parada para ajeitar as sandálias. Outra para ajeitar o seu
busto. Às vezes mancando. Às vezes caminhando. E por entre escombros de prédios
os dois noivos em companhia de uma porção de gente caminhavam como se tivesse
às escuras. O sol estava desaparecido por conta da nuvem de fumaça levantada
desde o inicio do cataclismo. Mulheres a proteger seus rebentos; crianças a
chorar; homens a transitar sem saber por onde. Toda nostalgia se fazia presente
para cada qual. Um cano d’água rompido era a esperança de todo o povo fugidio
da hecatombe imprevista daqueles derradeiros dias. A água formou uma poça e
toda gente se debatia para pegar um pouco de lama ou quase lama para beber ou
conduzir para depois. Vanesca, sem esperança alguma deixou a lama para trás e
caminhou ao lado do seu noivo, sem destino algum. Ela caminhava sem perguntar
para onde. E Otto também não relatava nada do seu feito. Ele queria era fugir
para algum lugar. As roupas de Otto eram um trapo qualquer dado a circunstância
do caminhar por entre pedras e entulhos. Pessoas caminhavam à frente. Outras
seguiam atrás dos noivos. Todos seguiam para algum lugar a não saber qual
seria. Explosões se ouviam. Eram tanques de combustíveis de algum posto
existente ao longe.
Vanesca:
--- Otto! Estou temerosa! Uma
explosão! Cuidado! – relatava a moça com assombro.
Otto:
--- Algum tanque de combustível.
– relatava o rapaz tomando a frente de alguém.
Vanesca:
--- Tanque? Isso é bomba! –
relatava angustiada a moça.
Otto:
--- Vamos seguir por outro
caminho. Eu prefiro pegar o morro. É mais seguro. – explicou o rapaz.
A moça aquiesceu e ambos seguiram
até o sopé da Serra dos Irmãos onde havia arvores frondosas e cheias de graça
capaz de esconder um homem por mais que ele fosse corpulento. A serra tina esse
nome e ninguém sabiam do caso real. Alguns diziam ser ali a serra onde dois
irmãos moravam há tempos atrás. Outros relatavam ser a serra a figura de duas
pessoas. E as silhuetas pareciam dois irmãos. Uns poucos comentavam ser aquela
serra mal assombrada, aterrorizante. E assim ficava o nome sem se saber ao
certo. Quase ninguém ou ninguém mesmo se aventurou naquela fuga seguir o
trajeto de Otto e Vanesca a abraçar o caminho da velha colina. Sabia-se da
existência de animais de porte maior e de pequeno porte. Serviam esses animais
para a caça de algum solitário caçador. Isso quando o cerro estava calmo, pois
havia época em que na colina costumava haver estrondos iguais a um bêbado a
arrotar a cachaça ingerida de manhã à noite, como fazem os bons dipsomaníacos,
ou como se diz: cachaceiros.
Por entre mata intricada, cipós
de brocha, urtigas brabas e de 2.200 mil espécies de pássaros, mamíferos,
répteis e anfíbios e em torno de 20 mil espécies de plantas nativas o casal
seguiu já exaustos, com um calor vindo não se sabe de onde bebendo água de mata
rasteira que em seu caule se encontrava líquido como água, Otto e Vanesca
caminho até o anoitecer daquele dia. Uma chuva ácida caiu sobre a serra. E o
casal se encolheu todo entre si como amparo para se proteger dos mosquitos,
ratos, raposas e outros animais. Com as roupas encharcadas, Otto e Vanesca não
conseguiram dormir de imediato. Eles procuraram um local pouco mais acolhedor
onde se puseram a deitar. Os roncos ainda constantes alarmavam a moça a cada
instante. Vanesca temia a terra de abrir de vez e engolir para sempre o casal.
A roupa de Vanesca já estava um trapo, pois por onde ela andava quase sempre se
engalhava em arbustos de pequeno porte quando perdia um pouco do seu jeans
entre clamor de horrores da moça. Quando tentava conciliar o sono, algo a fez
despertar na maior insegurança. Na mata havia ratos, cobras e animais de médio
porte. Vanesca se levantou assombrada enquanto o rapaz já pegara no sono:
Vanesca:
--- Otto! Acorda! Um bicho passou
por aqui! – disse alarmada a moça.
Otto então teve que se levantar e
com um isqueiro tentou rastrear o bicho, com certa um monstro a querer agarrar
a moça de qualquer modo. Então, Otto indagou:
Otto:
--- Você para onde ele caminhou?
– indagou o rapaz na esperança de encontrar o monstro.
Ela então respondeu assustada.
Vanesca:
--- Não! Quer dizer! Ele passou
nos meus pés! – tremeu de vez a moça.
Otto:
--- Aqui não vejo nada. A não ser
essa centopeia no teu cabelo! – respondeu o moço a procurar retirar a centopeia
de cima da moça.
Vanesca:
--- Centopeia?! Centopeia?! Ai
meu Deus! – gritou alarmada a moça sacudindo o cabelo como se tivesse sido
atacada por um bicho feroz.
Desse momento em diante Vanesca
não conseguiu mais dormir. Eram três horas da manhã. Sapos a coaxar, grilos a
atrair os machos, morcegos, víboras. Tudo enfim para fazer terrível medo a
Vanesca. Ela tremeu e se acolheu ao colo do seu amado sempre com os olhos
atentos a toda sorte de monstro. Quando o dia clareou por volta das quatro e
meia da manhã o rapaz resolveu seguir viagem a levar consigo a sua amada.
Vanesca, sempre encolhida nos ombros de Otto, a olhar para onde a vista
alcançava, seguiu compassada até o fim da mata virgem a dominar a serra. Já
estavam às seis horas da manhã. A sede apertava aos dois peregrinos do
terremoto quando o homem vislumbrou um casebre de palha ao longe de onde eles
se puseram a seguir viagem. Foi então uma agradável surpresa para Vanesca.
Vanesca:
--- Uma choupana! – disse com alegria
a moça.
Otto:
--- Vamos até lá. – respondeu o
rapaz com bastante entusiasmo.
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