- PAULA PEREIRA -
- 01 -
O FATO
Eram mais de três horas da tarde
quando dona Cecilia Lopes de Almeida fechou a porta de sua casa e saiu passando
por um beco estreito de não caber um carro. Dona Ceci, como todos a chamavam
aproveitava a sombra da tarde pelo seu caminho, pois o beco sem nome fazia
ligação entre a Rua Santo Antônio e a Rua Padre Pinto. Embora fosse cedo da
tarde a mulher teria que voltar antes das seis horas, pois o marido – Antônio
Sisenando de Almeida – naquela noite teria de estar pronto às sete horas para
sair à Maçonaria. Era dia de Reunião. E por isso Sisenando não poderia faltar.
Dona Ceci já estava acostumada e não ligava muito para o caso. Em sua casa Ceci
havia deixado recomendações com sua filha Nara, caso a mulher se atrasasse um
pouco. Na sua mão, a mulher conduzia uma bolsa onde cabia de tudo. O terço de
oração Ceci levava preso entre os dedos. Vestido de sair à rua de cor estampada
de azul e lilás fazia da mulher uma senhora nobre. Pessoas voltavam pelo mesmo
beco. Se for um homem, esse tirava o chapéu ao cumprimentar a Dona Ceci pela
caçada espremida do lado posto. Se for outra igual senhora apenas cumprimentava
dona Ceci. Alguém dizia ser a Missa às dezoito horas. E a todos Ceci agradecia.
O seu caminhar era ligeiro igual a todas as mulheres de média idade. Na saída
do beco a mulher Ceci pode observar uma anciã corcunda até demais se amparando
em um cajado a evitar a anciã não levar tombo. Traje surrado, saia comprida
beirando o chão, era como se vestia a anciã. A sua cabeça estava a proteger uma
echarpe grosseira pela o qual se podia notar. A anciã caminhava lenta com uma
bolsa surrada segura ao braço. O seu olhar era miúdo. Coisa de gente idosa.
Chiquita era o seu nome. A sua idade avançada não se podia acreditar em quantos
anos. Para olhar a mulher Ceci, a anciã teve de parar e torcer o pescoço com
muito sacrifício. Logo em seguida fez um aceno com sua bengala. Ceci agradeceu à
anciã e lhe deu umas moedas. A anciã agradeceu e se postou a caminhar.
Dona Ceci caminhou com seus
passos miúdos e a sua gordura em um porte baixo até chegar à Igreja de Santo
Antônio, quase no início da rua. A frente da Igreja, a mulher persignou e se
benzeu a fazer breve oração. Beijou o crucifixo a levar por entre os dedos da
mão direita e seguiu caminho até a Matriz onde pessoas faziam preces
fervorosas. Ceci podia ter acesso por uma porta lateral. Porem preferiu entrar
pela porta de frente. Tão logo entrou procurou ficar em um dos bancos de
madeira do lado direito. Havia algumas pessoas na Catedral, todas rezando suas penitencias, salvo uns meninos a
buscar uns belos “anjos” todos feitos de gesso. Os “anjos” pequeninos serviam
para se colocar as ofertas. Quando se fazia o depósito, os “anjos” “agradeciam”
com o balançar de suas cabeças. Era uma invenção bem sugestiva. A cabeça do
“anjo” tinha uma touca por sinal ligada a uma bateria. Quem ousasse pegar no
anjinho levaria um choque com certeza. Porém, era um choque leve a dar apenas
um susto nos arteiros meninos.
No outro extremo dos bancos, o
que estava ao lado esquerdo de dona Ceci, naquele local se encontrava uma jovem
moça toda vestida de branco, mangas compridas até a metade do seu braço, saia
rodada, porém longa a bater quase no solo, meias de seda de cor branca. A moça
vestia uma roupa de cetim e trazia consigo um livro de orações e um crucifixo
todo feito de madrepérolas, com exceção da cruz de Cristo pendurada no inicio do
terço. A moça estava contrita em seus pensamentos, com a cabeça abaixada e a
testa apoiada nas mãos fechadas com o terço pendido para o chão. Em sua cabeça,
um véu de seda também de cor branca. O véu quase não deixa ver o seu rosto por
inteiro. Ajoelhada no banco, ela parecia chorar de emoção ou compunção como as
moças costumavam fazer ao sentir perder um doce afeto. Com isso, por muito
tempo a senhorita demorou um largo período. Em seu banco, dona Ceci não olhava
para a moça. Mas sentia ter o cuidado de não falar para não tumultuar o
ambiente ainda mais. Naquele local, apenas as penitentes senhoras podiam ter
acesso ao sentimento íntimo do coração magoado.
À frente de todos estavam às
imagens de Nossa Senhora e do Senhor Morto. Esse deitado como se fosse a uma
tumba: os braços juntos e a cabeça ligeiramente pendida para um lado. Ceci
olhou com vagar a imagem de Nossa Senhora e pediu em oração misericórdia para
os enfermos. Logo a seguir voltou o olhar para a imagem do Senhor Morto. Com
uma expressão compassiva ela parece falar com amor.
Ceci:
--- “Rogo ao Senhor, meu Mestre,
pelos necessitados”. – confessou de forma lenta a mulher.
E sem voltar a vista Ceci
demonstrou piedade à moça. A tarde era de estio e nada a perturbar aqueles da
Matriz ou mesmo da rua. As pessoas, pela rua, caminhavam por conta dos seus
afazeres diários. Uma mulher dos seus 40 anos quando voltava da rua por um motivo
qualquer dava um muchicão em seu filho menor por causa de desobediência do
pequeno. O menino gritava e passava a outra mão no braço. Com isso, ele
chorava. A mulher tecia descompostura ao
menor. Quem vinha e que ia olhava a cena e nada comentava para a mulher ouvir.
Mesmo assim, havia quem dissesse.
Transeunte:
--- Que cobra! – falava alguém
para ninguém.
Tudo isso acontecia ao largo da
Igreja, na Rua Santo Antônio, logo a seguir, no seu inicio. Na esquina dessa
rua fazendo cruz com a Praça Padre João Maria, funcionava um Jornal onde se
ouvia o gritar dos operários a chamar a atenção de outros. Os linotipistas
sorriam enquanto outros, já cheio de suor gritavam alto e bom som.
Operário:
--- O Jorna vai atrasar! Falta o
Editorial! – gritava um dos responsáveis pelo jornal.
Os vendedores de jornal esperavam
tranquilos sentados na Praça e discutir quem matou quem ou o resultado do jogo
dos times de mais tarde. Um senhor
passava na calçada do Jornal, de cabeça abaixava a segurar o seu chapéu por
conta da ventania a fazer na rua onde o homem transitava. Um moço passava às
pressas oferecendo algo de comer.
Vendedor:
--- Tem côco. Tá quente! –
gritava o vendedor a levar suas duas latas de milho de mungunzá ao ombro.
Com um pouco mais de tempo, na
Matriz, o coroinha veio de dentro da sacristia com velas nas mãos e olhou bem
para o auto. Ele chegou e voltou como se alguma coisa desse errado. Com um
pouco de tempo o coroinha retornou a trazer uma escada. Ele colocou do lado
direito do altar e fez finca-pé para ver se estava a escada bem apoiada. Logo a
seguir, saiu depressa para o interior da sacristia. Ceci observava o coroinha
enquanto rezava o seu terço. O vento morno soprava de trás da Matriz com uma
zoada uivante. Outras pessoas entraram
na Matriz e logo de se persignarem procuraram um recanto onde pudesse ficar
mais confortáveis. O padre Mario chegou
apressado do interior da sacristia e se dirigiu para o confessionário. Naquele
local o sacerdote se paramentou e logo entrou na cabine. Uma mulher o estava à
espera e tão logo pode a senhora foi se ajoelhar e contar suas faltas. Cecilia
olhou bem para o sacerdote e logo em seguida continuou a rezar o seu oficio.
O coroinha voltara da sacristia
com um pacote enorme de velas. A mulher observou o rapaz e esse procurou
verificar se a escada posta no lugar continuava firme. Após d´s uns chutes viu
a firmeza da escada e começou a subir para alcançar o derradeiro degrau onde
estava guardada a imagem de Nossa Senhora. O coroinha procurou o castiçal para
colocar a nova vela quando, de repente, a escada pendeu para um lado e o
coroinha se pendeu e foi com escada tudo ao solo. Houve um grito:
Pessoas:
--- Ave Maria! – gritou uma mulher
ao ver a queda.
Outra:
--- Meu Jesus Cristo! – gritou
outra alarmada com a mão na boca.
Ceci:
--- Meu Jesus! Corra aqui seu
Padre! O rapaz foi ao solo! – chamou Ceci ao vigário.
O tombo foi tamanho provocando
uma zoada infernal. O homem – seu Jorge - que estava a ensaiar com as moças no Coro da
Matriz depressa se apressou para sair e correu para atender o coroinha. O
rapaz, sem sentidos, continuava exposto ao solo. Imagem de Nossa Senhora da
Apresentação nada sofreu tendo ficado segura em seu local. Porém, alguns
castiçais caíram de cima do altar mor. O padre Mário deixou o Confessionário e
alarmado procurou saber o entendido. Quando o sacerdote saia do seu local onde
estava cruzou com o homem a correr em polvorosa por cima de pau e pedra. No
Salão houve grande tumulto. Em poucos instantes o povo todo estava a acudir o
coroinha ainda sem sentidos. A moça de branco que rezava para alguém se alarmou,
porém não saiu do seu lugar. Ali a moça estava e ali ficou. Dona Cecilia quem
chegou primeiro para acudir o coroinha. Logo após chegaram outras beatas, seu
Jorge e o padre Mario. E todos fizeram esforço para retirar a escada e seu
Jorge pegou o rapaz e o levou para a sacristia. As mulheres e beatas acompanhou
o socorro feito a primeira hora.
Beata;
--- Mas como ele caiu? –
perguntou assustada uma das beatas.
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