- Keira Knightley -
- 06 -
CARNAVAL
Nesse sábado, ainda, dava-se o
inicio do carnaval na cidade com bailes e folguedos por todos os recintos de
fama. Baile no Natal Clube; Aero Clube; Brasil Clube; Ycaro e outros locais de
grande importância e os de menores como o Francesinha ou bares da Rua 15 de
Novembro e mesmo os do bairro de Lagoa Seca, Rocas ou na Cidade Alta o de “Maria
Boa”, um local de frequência bem restrita aos “grandes” expoentes de negócio e
até mesmo estrangeira em passagem por Natal. O Carnaval era uma parada
obrigatória nos negócios da cidade. Havia desfile de blocos e de esmerados
carros alegóricos pelas ruas do centro. Em época bem mais distante o desfile
havia no bairro da Ribeira. Os tradicionais “corsos” era o ponto chique de um
carnaval onde as “colombinas” se apresentavam nos seus automóveis conduzidos
sempre por um augusto homem, o dono do veículo e pai de algumas das coquetes. O
tráfego dos autos era por consequência a Rua do Comercio, Esplanada Silva
Jardim, Rua Duque de Caxias e entrado outra vez pela Rua Tavares de Lyra. Nessa
rua havia o grosso do desfile onde não existia Carros Alegóricos, mas os maus
vestidos a desfilar de um lado para o outro. Assim era o Carnaval dos anos
vinte na cidade do Natal.
Enquanto Sisenando Neto era
batizado um punhado de foliões passava ao lado da Catedral com destino à Praça
André de Albuquerque onde garotas em grupos de três desfilavam a pé no vai e
vem, indo por um lado e voltando por outro e se misturavam aos primeiros
alegres jovens da tarde. E nessa festa irreverente “viajavam” Pierrôs,
Colombinas e Arlequins sem saber que alí estavam presentes as três marcas do
estilo teatral conhecido como Commedia dell’arte. Os batuques em tamborins, cuícas, reco-reco,
tambores e outros tais levavam os foliões ao delírio iniciando assim o Carnaval
de rua da cidade logo cedo da tarde. Trombones e clarins não faltavam, pois era
o quente da moçada a cantar de forma estridente as marchas da época marcando a
folia carnavalesca. O bando desvairado era composto de jovens da alta sociedade
e esses se fantasiavam de “madames” arrasadas, pois suas vestes de pompa era
uma tragédia secular. A rapaziada fazia de tudo para não ser descoberta:
maisena pelo corpo misturada com batons extravagantes a cobrir-lhes a face;
toucas velhas e improvisadas; totó no cabelo. Era junta irreverência do
eufemismo vulgar.
Quando Nara saía da Catedral
topou com a turba de “arruaceiros” em debandada para a direção da praça. O
certo é que a moça sorriu e sentiu compunção por não estar no meio da “cambada”
àquela hora da tarde. E se viu arrodeada por um grupo de “artistas” singulares,
cada qual a tecer marmota para a nova mãe e o seu filho. Com casos de tiques os “bacharéis” rendiam cerimonias ao
belo garoto há pouco tempo batizado. E nada eles perguntavam, pois a intenção
era se divertir a vontade. Vendo-se envolvida pela turma da algazarra Nara nada
pode fazer a não ser sorrir, pois conhecia muito bem os “celerados” da folia.
Alguns deles com Nara estudavam violão e a moça sabia muito bem. Quando a turma
se afastou o pai de Nara veio à moça e indagou:
Sisenando:
--- Turma interessante – (sorriu)
e espirituosa. O que estava perto de Neto não seria médico? – indagou o homem
meio acanhado.
Nara:
--- Sim. Ele é formado em
medicina. Doutor Eurípedes. A turma o chama de “Baiacu”. – sorriu a moça mãe.
Sisenando:
--- Ora pílulas! Que nome?
Eurípedes! Nome “forte”. – respondeu o homem meio constrangido
Nara:
--- O pai escolheu o nome. É
grego. “Vento de Sopra”! – sorriu delirante a filha de Sisenando.
Foi assim o acontecido. Após a
turma de foliões se ausentarem do meio da bela moça, ela continuou a volta para
a sua casa.
O homem ficou a meditar sobre
significado dos nomes. O nome Nara foi escolhido pelo padrinho na hora do
batizado da ainda menina. E o padrinho sempre dizia ser anglo-saxão. “Aquela
que sempre está próxima”. Um caso não esquecido por Sisenando. Por seu turno,
Nara sabia muito bem ser aquele dia o início da maior festa popular brasileira,
com bailes em clubes sociais da cidade. Contudo, Nara já não podia mais
frequentar esses bailes, pois tinha de cuidar do seu filho amado. Ela temia se
apegar demais ao bebê por todo esse tempo, caso a mudar o seu desempenho de
moça livre, sem compromisso a apenas a bater um violão e nada mais. Tal pensar dominou
Nara até a sua não longe moradia e mais para frente. Daquele instante em diante
alguém, se batesse a porta, Nara tremia de susto a supor ser alguém da turma a
lhe procurar para uma “arruaça” ou “assalto” a alguma moradia de uma pessoa
amiga. Nesse tempo, os “assaltos” tinham caráter todo especial, pois os folgados
e irreverentes brincalhões abrangiam melhor oportunidade de comer e beber a
vontade sem dar ou ter deveras compromissos. Namorar a filha do dono da
“mansão” era bem comum para qualquer um. Era então um delírio eterno para a
moçada. Serpentinas, confetes, talco, lança-perfume e muita cachaça nas
embutidas garrafas de rum. Nara era uma das quais não faltava a uma festa de
assalto no período do carnaval. E todos sempre defendiam o nome da moça se
fosse feita uma organização festiva de modo ficava sempre na ideia. Quando
passava o período de festa o negócio amornava e com o tempo, esfriava de vez
para voltar no ano seguinte. É tanto que todos os foliões a chamavam de
“Presidente” de um organismo não existente. Não raro, Nara batia pandeiro,
tocada cuíca ou fazia mesmo um tamborim soar. Alguém, certa vez, solicitou de
Nara uns acordes em um piano para por em uma composição e a moça tocou com
exímio a partitura por ela criada. O rapaz se admirou e até indagou se ela era
pianista:
Nara:
--- Não. Não sou. Às vezes tocou
uns acordes. Puro diletantismo. Piano agente passa dozes anos para aprender. E
mais tempo ainda para não se esquecer. – sorriu a moça ligeiramente acanhada.
Era assim aquela moça jovem.
Acanhada, voz terna sem ter agudos, simples até demais, pequena em seu porte,
franzina até demais, meiga em suas sentidas aparências e saber tocar apenas
violão para si e amigos sem se importar em fazer show ou coisa assim. Quando
alguém lhe buscava para uma “seresta”, Nara estava pronta para sair contente.
Assim era a simples jovem naquelas andanças da cidade onde residia. Porém, então,
era Carnaval e Nara não podia mais assumir algum compromisso, pois tinha a
cuidar seu novo filho.
No domingo, logo cedo da manhã, a
família foi assistir a Santa Missa, na primeira hora da manhã, pois a Missa
principal seria às nove horas. Por isso, logo cedo Nara despertou e fez asseio
em Neto. Após esse drama, ela vestiu o menino em suas roupas nobres e, com o
seu pai e mãe seguiu caminho para a Catedral antes de o sol aquecer. Muita
gente e poucos amigos. Nara não deu a mínima importância. Com seu filho ao
colo, ninando para a criança não se aborrecer e apenas a mostrar as imagens do
calvário onde Jesus foi crucificado, Nara fez vasta peregrinação ao redor da
Igreja indo se ajoelhar na capela onde estava o Santíssimo. E ali, rezou perene
em ato de contrição se ligar para os demais fieis. Mesmo assim, na sua solidão
inconstante no amparo de uma criança, dez vez se aproximou uma mulher a fazer
perguntas triviais:
Mulher:
--- Filho? – sorriu a mulher com
afagos e carinhos a Neto.
Nara:
--- Sim. – afirmou Nara acolhendo
a criança ainda mais em seu colo.
Mulher:
--- Lindo. A senhora é moça e já
tem seu filho. – sorriu a mulher e fez cara séria.
Nara:
--- Presente de Deus. – afirmou a
moça sem contar maiores momentos.
Mulher:
--- A senhora deve cuidar muito
bem da criança. Eu tive uma filha. Ela engravidou. Mas o destino quis ter ela
morrido quando seu filho nasceu. – chorou a mulher ao mesmo tempo em que saiu
de perto de Nara.
Nara estremeceu com aquela
notícia de malquerer da mulher. Sempre ou quase sempre Nara ouvira contar
história de tal tipo por uma mãe afogava em sentimento a perder sua filha de
forma inesperada quando nascia seu filho. Nesse instante, Nara abraçou mais
forte a criança em seu colo e lhe beijou a cabeça coberta por uma touca.
Um garotou passou por fora da
Catedral oferecendo o jornal matutino para quem quisesse comprar. Entre várias
manchetes estava a que mais atraía os consumidores de jornais, algo como o caso
da morte de uma adolescente cujo corpo foi encontrado em um matagal ao longe da
capital.
Gazeteiro:
--- Jornal! Jornal! O caso da
moça encontrada morta no matagal! – gritava o gazeteiro.
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