- Ísis Valverde -
- 11 -
ESCURO
O dia estava
escuro mesmo. Com a chuvarada veio à ventania espalhando galhos das árvores por
todos os recantos da capital. O trânsito de veículos ficou prejudicado por
conta do rompimento da ponte do Canal do Baldo. Aquele era um trajeto feito
para ligar os bairros do Alecrim à Cidade Alta e a outros bairros da cidade. Os
bondes não transitavam pelo local por causa do rompimento dos seus trilhos. Os
veículos não tinham como seguir de um lado para o outro. Pessoas não se
aventuravam a cruzar o caminho. O aguaceiro era bem forte com a precipitação
caída em toda a cidade. No Baldo havia um riacho vindo da Lagoa “Manoel Felipe”
no bairro do Tirol e ainda havia o riacho da Lagoa Seca. Esse despejava seu
volume de água no riacho do Tirol.
Apesar de um prefeito da cidade ter dito certa vez:
Prefeito;
--- Eu hei de
construir essa ponte nem que seja com tronco de bananeiras! – falou bastante eufórico o homem.
Mas a questão
daquele momento não tinha tronco de bananeira a por nos eixos. Uma tromba
d’água se abatia sobre a cidade e o povo dos escritórios temia pela ventania a
derrubar os pés de árvores. O temporal aumentou o volume de água no riacho do
Baldo. Era constante se ouvir gritos do pessoal.
Gritos;
--- Cuidado
com o fio! – gritava alguém para outro alguém.
Era a triste
sina de se temer morrer de choque elétrico. Em determinado instante a luz
faltou em toda a cidade. Os Bondes que já não trafegavam por causa da
tempestade. Nesse instante paravam de vez por falta de energia elétrica. O
avanço das águas era constante. A descida do Alecrim foi tomada por avanço do
lamaçal a destruir as mais robustas árvores. A lama descia pelas ruas Olinto
Meira e a Coronel José Bernardo com suas
adjacências e do bairro da Cidade Alta era maior ainda a pegar a Avenida
Deodoro, Princesa Isabel, Rio Branco, Santo Antônio e outras existentes. Em
todos os recantos havia a enxurrada constante. No Baldo, o volume de água era impressionante.
Os Bondes a se deslocar para a Cidade Alta ou o Alecrim, ficaram parados pela
falta da energia elétrica. Os mesmo aconteceram na Ribeira, Petrópolis e Tirol.
Os veículos também não trafegavam por canto algum. A tromba d’água era terrível
e o pessoal morador da Rua Santo Antônio na parava de rezar e fazer promessas
tardias. No Baldo alguém gritou desesperado.
Alguém:
--- Um corpo!
Um corpo! – era o grito desesperado do homem apontando para o leito do riacho a
borbotar a lama suja.
O Corpo de
Bombeiros deslocou homens e viaturas para auxiliar no esforço feito por cada um
dos ajudantes enquanto a chuvarada continuava a instigar. Engenheiros se
deslocavam com sua roupa suja e molhada envolvidos entre os operários. Ninguém
da Prefeitura chegou nesse primeiro instante. Fotógrafos de jornais estavam a
postos nos locais fora de perigo a registrar os efeitos do temporal. Mudanças
se viam a fazer de pessoas moradoras no baixio do local. Um touro mugia em qualquer
parte. Uma mulher ao desmaio era socorrida por outros parentes a arrastar seu
pesado corpo por um terreno no baixio onde havia cerca de arame para não
permitir se entrar. A água continuava a subir e, pelo lado de quem desce da
Cidade, via-se moradores abandonarem suas casas nobres. Era o desespero geral.
As pobres mulheres e moças que lavavam roupa no riacho dessa vez não tiveram meios
para tal. Cada qual reclamasse o pior. Algumas olhavam o tempo e se ressentiam
de ter deixado o seu casebre, pois, talvez, o casebre caíra com a borrasca. O
cuscuzeiro passou em sua debandada carreira não se importando com a tempestade
e procurando um abrigo melhor e mais tranquilo em outro local. Diante do quadro
calamitoso ninguém podia fazer coisa alguma. E os trabalhos prosseguiram por
todo o dia. A “Companhia Força-Luz” apenas retomou a funcionar às quatro horas
da tarde restabelecendo aos poucos em vários bairros a energia elétrica. Na
casa de Nara tudo corria com vexame com dona Ceci a lamentar o caos abatido
pela tormenta. Chovia menos na cidade e as residências estavam entulhadas de
lixo vindo mesmo dos quintais. A moça tinha cuidado redobrado para não deixar o
bebê Neto desprovido de assistência. A porta da frente da casa permanecia
trancada. Às seis horas da noite o pai de Nara chegou ainda molhado pela grossa
chuva caída na capital. Ele retirou os sapatos e comentou;
Sisenando:
--- Esse não
presta mais. Só outro! – empurrou os sapatos para bem longe.
A sua mulher
olhou e nada comentou. A filha Nara saiu depressa para o seu quarto levando
consigo o bebê, amparado como se fosse coisa de outro mundo. De imediato um
rato todo molhado fez menção em correr e Nara então gritou:
Nara:
--- Ai!!! Um
rato! Socorro! – e se agarrou em seu filho procurando subir na cama.
O homem ouviu
e correu depressa para o quarto da filha aclamando de longe:
Sisenando:
--- Onde está
o danado? – clamou o homem pegando um dos sapatos rotos.
A moça já
estava suspensa na cama a segurar o seu filho. E o que pode dizer:
Nara;
--- Ali! Ali!
Mata o bicho! – reclamou a moça acolhendo o bebê.
Sisenando
correu para olhar mais de perto e, com um chute, empurrou o camundongo para
longe. O rato, meio já sem vida rolou no chão e foi cair ao lado do corredor.
Sisenando olhou a filha e então sorriu relatando:
Sisenando;
--- Tá morto o
rato! – e sorriu a valer pelo tamanho minúsculo do camundongo.
Dona Ceci veio
tanger o bicho já inteiramente morto para uma parte do quintal. Nesse ponto, um relâmpago rompeu o céu. Com
mais alguns minutos veio o trovão. E a chuva começou de novo. Sisenando
comentou ter mais uma noitada de temporal. Às pressas, dona Ceci entrou para
então fechar a porta da cozinha.
Ceci:
--- Não é
possível? Chuva novamente? – reclamou a mulher um tanto nervosa.
E a chuva
chegou. Menos no início. Forte na continuação. Relâmpagos e trovões
assustadores atormentavam os viventes. De imediato, a chuva caiu insistente
aumentando o volume das águas a correr ladeira abaixo na Rua Santo Antônio e
ruas próximas. A rua mais sacrificada
era a Avenida Rio Branco onde a maior parte era moradia, algumas de gente rica.
Essa avenida não tinha sido tomada ainda pelo comércio, salvo em alguns pontos.
O certo era a existência de Padarias e armazéns ou de armarinhos. Algumas casas
abrigavam setores de associações ou mesmo um cinema. O movimento intenso de
gente era mesmo a Ribeira. Mesmo assim, existia da Cidade Alta o Mercado
Público onde se tinha maior volume de comércio. Para um lado, na Avenida Rio
Branco, havia ainda uma leiteria, casa de vender leite natural vindo do campo.
E nessa avenida corria o maior volume das águas, todas despejado no Baldo. Para
a metade da rua, do trecho do Mercado, as águas lamacentas corriam para a
Ribeira em grande enxurrada onde se depositavam como sempre a chover. Estrondo
se ouviu na Rua Santo Antônio. E um clamor de gente ao desespero. Eram os
moradores da Rua da Salgadeira, pouco mais abaixo descendo a ladeira a levar
até a linha do trem. As moradias da rua encharcadas pelas águas, não resistiram
mais e findaram a soçobrar. Era um
clamor insistente do pessoal.
Uma:
--- Ai meu
Deus! A minha casa! – gritava uma mulher.
Duas:
--- Dona Mumbé
está debaixo da casa! – reclamava ao desespero outra mulher.
Três;
--- Vamos
ajuntar esforço para retirar as vítimas! – gritavam inseguros os homens.
E as moradias
continuavam a ruir como um jogo de baralho. As pessoas, às pressas levavam os
filhos menores para algum lugar ou mesmo ajudavam seus maridos ou pais. Era um
verdadeiro alvoroço tudo a se ver e ouvir. Gente vinha da parte mais baixa onde
passava o trem em auxilio das sacrificadas pessoas. A bodega de seu Armindo era
o ponto de amparo a toda aquela gente. Alguém buscou ajuda no Quartel de
Polícia na parte próxima da rua e encontrou um tenente. Esse ordenou a seus soldados
a acolher toda a gente da assombrosa catástrofe. O pessoal socorrido tremia de frio e medo. Os
menores choravam. Alguns aos berros. As mães, irmãs ou mesmo parentes próximo
acalentava mesmo estando ao desespero em busca de outro parente, mãe, pai ou
avó. Essas pessoas não tinham mais sido vistas. A calamidade se apossou do
espírito de cada qual.
Um;
--- Onde está
minha mãe? – clamava desesperada uma mulher.
Dois:
--- Quaro
saber do meu pai! – era outro chamado aos berros.
Três:
---
Mariazinha! Onde está Mariazinha? – clama pelo amor de Deus alguém perdido na
multidão
O Policia,
como pode, caiu em campo para trabalhar na remoção de todas as quinquilharias
dos seus moradores. A chuva atormentava a Polícia. Porém os soldados cumpriam
ordens. Outros até habitavam os casebres derribados.
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