- Letícia Spiller -
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FOGO
O fogo
irrompeu solene tomando conta dos antigos prédios do bairro da Ribeira onde
havia o maior movimento de importação de artigos para firmas locais. Bebidas,
comidas, vestuário, perfumaria, livros e tantos mais eram destruídos pelo fogo.
A cidade não tinha Corpo de Bombeiros e foi preciso solicitar à Base Aérea de
Parnamirim e à Marinha. Esses grupos tinham seus equipamentos contra incêndio,
inclusive a Marinha podia ceder às fragatas cujo domínio para o fogo era bem
maior do que os caminhões tanques da Base Aérea e não era preciso o seu
reabastecimento, pois o tremor de terra deu lugar a um maior volume de água
vindo do largo Oceano a se encontrar em pleno rio Potengí. A calamidade tomou conta da cidade com pessoas
a se dividir entre as suas casas e as firmas estabelecidas naquele bairro. Não
se podia sequer adivinhar como poder resolver alguma causa existente. Ainda
mais era o fogo a irromper contra tudo e todos. Fogo. Monstruoso fogo.
Inominável fogo. Tudo isso era o formidável caos. Quem morasse no alto de
Petrópolis poderia ver a catástrofe cruel do romper das chamas. Porém, nem
esses moradores poderiam atentar para o crucial fenômeno. Isso porque a terra
tremia a todo o momento. E esse povo corria em desordem a buscar ajuda de
alguém. Alguém que não havia então. E todo isso era a desordem eterna. Águas e
chamas ardentes por demais cantos da cidade.
Criança:
--- MÃE! – gritava de horror uma criança.
Mãe:
--- Meu filho! Meu filho! – era o pedido de
socorro de uma mãe.
E tudo
acontecia a um só tempo. Fogo e água. Terra a tremer revoltosa. Só havia a
tempestade da morte iminente. Os médicos desapareceram da cidade de um jeito
horrendo, salvo um deles: o doutor Eurípedes. A sua noiva, Nara, era uma
enfermeira de improviso a cuidar de centenas de doentes na Igreja de Santo
Antônio. E por outros lados, nos bairros mais afastados era o povo a procura de
abrigo em qualquer local existente.
Indigente:
--- Socorro! É a morte! – era o grito a se
ouvir de um desesperado.
A correria era
tamanha a qual ninguém mais se entendia. Enquanto o morro estrondava o povo
corria ao desespero. Muita gente. Toda a gente. Não havia alarme a poder soar.
A luz faltou naquele instante. E ninguém sabia a razão. A manhã de terror era
impressionante. A plena tragédia do acaso. E isso era só o sabido em uma cidade
ainda pequena.
Alguém:
--- A luz! A luz! – gritavam as pessoas a
um só tempo.
E com tudo
isso não se podia ter nem a noção do acontecido. A formidável desordem a se
alastrar tão de repente era a tormenta inglória. Já não havia governo ou
desgoverno. Havia apenas o caos. Uns
pisando os outros ao cair ao solo. A morte inglória. Era tudo isso a razão do
sismo cruel. O terror do inferno. Tudo era o último instante da verdade eterna.
Nada restava para acalmar o sentido da razão inominável. Todas as cortinas
derribavam-se de uma derradeira tragédia. O caos. O iminente caos do dorido drama.
Os ratos do
amanhecer roubavam o encontrado nas prateleiras dos mercados. Tudo os ratos
queriam para si. Nada restava nos entulhos formados depois de se assaltar as
partes onde estavam as comidas. Tudo os ratos consumiam. Era uma inominável e
vertiginosa crueldade diante do acontecido. Vibrava o solo e por cima de tudo
os ratos cruéis devoravam o restante. Pandemônio total. Cruel desespero. Entre gente
mortalmente caída ao solo, os ratos corriam céleres vomitando risadas diante da
calamidade bárbara. Não havia policiamento capaz de empatar a ação dos
marginais ratos cruéis. O espanto audaz era a melhor ferramenta para os
truculentos ratos. Entre a mistura de cães e gatos estava então os ratos.
Cruéis e imbatíveis ratos de ocorrências terríveis. Rocas ou Quintas. Tirol ou
Cidade. Em qualquer parte do mundo de Natal era tomada pelos sauiás a correr
vertiginosos a busca toda sorte de alimentos ou de outras qualquer ocorrências.
Eles eram os cruéis torós de uma cidade devastada. E sem norte nem meios estava o povo a
mendigar ajuda. Era mesmo o povo de poder aquisitivo. Os magros indigentes,
desses nem se havia noticia. Eles eram os escanelados carentes.
Em um dado
instante apareceu à lei. Pelotões de soldados armados de fuzis e metralhadoras abriram
fogo a todo custo contra as ratazanas dos mercados de Natal. Era a tropa de
Choque da Aeronáutica de dos Quarteis do Exército. E em cada esquina onde
podiam estar os Pelotões de Choque a tropa abriu fogo contra os horríveis
guabirus sedentos por saquear alimentos. E quem estivesse contra as Tropas,
esse também era aniquilado sem dó nem piedade. A questão era:
Comando:
--- Acabem com os ratos. E quem for contra a
ação da Tropa, essa deve acabar também. Eles são um bando de cachorros. –
declarou enfurecido o comandante da Força Aérea.
Com o passar
das horas, o fogo que se alastrou no bairro da Ribeira foi sufocado com a ajuda
de uma corveta da Marinha levando a água do rio em tubos gigantes até os pontos
destinados. E a ajuda aconteceu com efetivos da Aeronáutica com apoio da
Polícia Militar sob o comando de um general do Exercito. A calma voltou a
reinar do Hospital Miguel Couto depois de cinco dias de terror. O doutor
Eurípedes estava exausto de tanto operar crianças e adultos com a ajuda de uma
enfermeira da cidade e mais a ação de Nara, a sua noiva. Os abalos cessaram por
completo e as águas do mar voltaram ao seu normal. Apenas se registava danos e
prejuízos provocados pelo terremoto do inicio da semana. À volta a casa de
Nara, o médico com a cabeça ainda em pânico pode verificar a extinção dos danos
provocados. Uma noticia com atraso: o toque de recolher foi decretado no
terceiro dia do Terremoto. O Comando Geral do Exército determinou estado de
emergência na Capital e os postos de saída de caminhões e carros passaram a ser
inspecionado por patrulhas do Exército. O Comando Geral designou a Polícia
Militar do Estado a verificar todas as pessoas com mais de 18 anos e menos de
60 anos de idade para conferir de onde vinham a para onde iam a qualquer hora
do dia ou da noite. De modo geral o estado de emergência era mais um “estado de
sítio” em Natal. Um veículo foi aprisionado quando os seus ocupantes dirigiam
de forma suspeita. Além desse, outros veículos tiveram a mesma sorte e seus
ocupantes foram mandados para um dos Quarteis da Capital onde ficaram detidos
até segunda ordem. As pessoas humildes pediam “licença” ao cruzar com um
militar de qualquer farda. Em um arruado da chamada Rua do Motor, em Petrópolis
havia um veículo descaracterizado a postar guarda para quem quisesse passar no
local. Houve falta de água e as torneiras ficaram apenas fazendo um barulho
comum em todas as residências
desabastecidas. A luz elétrica voltou a ter fornecimento três dias após o
terremoto da segunda-feira. Não houve explicação a respeito da falta de
energia. Os incêndios das casas de comércio do bairro da Ribeira, cinco dias
após o sismo ainda estavam sendo postos em rescaldos. O Forte dos Reis Magos
foi posto em ruínas. A praia da Redinha era apenas uma trágica memoria. Nessa
altura dos acontecimentos as praias de Areia Preta e Ponta Negra não sofreram
coisa nenhuma com cheia do mar revolto ficando apenas o sismo instigante.
Um mês depois
ainda se contava o prejuízo causado à cidade. Na residência de Nara, um
pedreiro e seus dois ajudantes procuravam refazer à frente da casa. O veículo
de Eurípedes continuava em uma oficina para o conserto das avarias. Outros
veículos também estavam em igual situação. As palafitas sobre o rio Potengi,
essas foram arrastada do local desde a primeira maré alta. O Teatro “Carlos
Gomes” entrou em processo de reforma geral. Não era prevista nenhuma data para
se entregar o serviço concluído. O maior Hotel de Natal, o Grande Hotel,
tornou-se o magnífico império do desprezo. Casas de tecidos, joalherias, sapatarias,
bebidas e maquinarias cuidavam de repor seus estoques em ordem um mês depois da
tragédia vinda do solo. Não houve loja de menos nem mais sacrificada. Todas as
firmas do bairro sofreram por igual, salvo as que foram destruídas por
incêndios. Essas perderam tudo e ficaram apenas os esqueletos das trágicas
lembranças de um passado.
O médico
Eurípedes Castro estava no seu trabalho todas as tardes. Na parte da manhã,
sempre se encontrava em casa de Nara, sua noiva. À noite, quando não tinha
serviço, o jovem estava com Nara a discutir os preparos para as suas núpcias ou
para trocar ideias sobre música. Às vezes se ouvia o rapaz teclar ao piano,
isso depois de ser consertada a parede frontal da residência. O professor
França já estava a lecionar aos dois enamorados depois parar por algum tempo. O
pai de Nara voltou às atividades normais quando foram feitos os reparos nas
maquinarias. À noite, quando não estava a dormir, o senhor Sisenando se punha a
conversar com o rapaz sobre os efeitos do abalo sísmico. Com o passar dos dias
se chegou aos informes ter sido o fenômeno de 7,8 graus sendo o mais forte por
atingir em uma região a menos de 180 quilômetros onde havia placas tectônicas.
Sisenando:
--- Nós
estamos em uma zona de perigo. – comentou o homem com bastante tensão.
Eurípedes:
--- Eu admito.
Pouco após o mar ter se arrastado, depois veio com enorme fúria devastando
grande parte da orla da capital. - arrematou por cima o médico.
Cecí:
--- Café? Está
quente! – ofereceu a mulher.
Nara:
--- Até que é
bom. Só assim se fala menos na tragédia – replicou a moça.
E por então a
questão silenciou de tudo. O rapaz retirou a manta que cobria as teclas o piano
e entoou uma leve melodia. Uma valsa por nome de “Cortina de Veludo”, magnífica desses tempos. O velho ouviu bem a
melodia para no fim confabular algo:
Sisenando:
--- Essa
melodia é muito forte. – comentou o homem.
Eurípedes;
--- Como
assim? – indagou o moço.
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