sábado, 6 de abril de 2013

"NARA" - 33 -

- Letícia Spiller -
- 33 -
FOGO
O fogo irrompeu solene tomando conta dos antigos prédios do bairro da Ribeira onde havia o maior movimento de importação de artigos para firmas locais. Bebidas, comidas, vestuário, perfumaria, livros e tantos mais eram destruídos pelo fogo. A cidade não tinha Corpo de Bombeiros e foi preciso solicitar à Base Aérea de Parnamirim e à Marinha. Esses grupos tinham seus equipamentos contra incêndio, inclusive a Marinha podia ceder às fragatas cujo domínio para o fogo era bem maior do que os caminhões tanques da Base Aérea e não era preciso o seu reabastecimento, pois o tremor de terra deu lugar a um maior volume de água vindo do largo Oceano a se encontrar em pleno rio Potengí. A  calamidade tomou conta da cidade com pessoas a se dividir entre as suas casas e as firmas estabelecidas naquele bairro. Não se podia sequer adivinhar como poder resolver alguma causa existente. Ainda mais era o fogo a irromper contra tudo e todos. Fogo. Monstruoso fogo. Inominável fogo. Tudo isso era o formidável caos. Quem morasse no alto de Petrópolis poderia ver a catástrofe cruel do romper das chamas. Porém, nem esses moradores poderiam atentar para o crucial fenômeno. Isso porque a terra tremia a todo o momento. E esse povo corria em desordem a buscar ajuda de alguém. Alguém que não havia então. E todo isso era a desordem eterna. Águas e chamas ardentes por demais cantos da cidade.
Criança:
--- MÃE! – gritava de horror uma criança.
Mãe:
--- Meu filho! Meu filho! – era o pedido de socorro de uma mãe.
E tudo acontecia a um só tempo. Fogo e água. Terra a tremer revoltosa. Só havia a tempestade da morte iminente. Os médicos desapareceram da cidade de um jeito horrendo, salvo um deles: o doutor Eurípedes. A sua noiva, Nara, era uma enfermeira de improviso a cuidar de centenas de doentes na Igreja de Santo Antônio. E por outros lados, nos bairros mais afastados era o povo a procura de abrigo em qualquer local existente.
Indigente:
--- Socorro! É a morte! – era o grito a se ouvir de um desesperado.
A correria era tamanha a qual ninguém mais se entendia. Enquanto o morro estrondava o povo corria ao desespero. Muita gente. Toda a gente. Não havia alarme a poder soar. A luz faltou naquele instante. E ninguém sabia a razão. A manhã de terror era impressionante. A plena tragédia do acaso. E isso era só o sabido em uma cidade ainda pequena.
Alguém:
--- A luz! A luz! – gritavam as pessoas a um só tempo.
E com tudo isso não se podia ter nem a noção do acontecido. A formidável desordem a se alastrar tão de repente era a tormenta inglória. Já não havia governo ou desgoverno. Havia apenas o caos.  Uns pisando os outros ao cair ao solo. A morte inglória. Era tudo isso a razão do sismo cruel. O terror do inferno. Tudo era o último instante da verdade eterna. Nada restava para acalmar o sentido da razão inominável. Todas as cortinas derribavam-se de uma derradeira tragédia. O caos. O iminente caos do dorido drama.  
Os ratos do amanhecer roubavam o encontrado nas prateleiras dos mercados. Tudo os ratos queriam para si. Nada restava nos entulhos formados depois de se assaltar as partes onde estavam as comidas. Tudo os ratos consumiam. Era uma inominável e vertiginosa crueldade diante do acontecido. Vibrava o solo e por cima de tudo os ratos cruéis devoravam o restante. Pandemônio total. Cruel desespero. Entre gente mortalmente caída ao solo, os ratos corriam céleres vomitando risadas diante da calamidade bárbara. Não havia policiamento capaz de empatar a ação dos marginais ratos cruéis. O espanto audaz era a melhor ferramenta para os truculentos ratos. Entre a mistura de cães e gatos estava então os ratos. Cruéis e imbatíveis ratos de ocorrências terríveis. Rocas ou Quintas. Tirol ou Cidade. Em qualquer parte do mundo de Natal era tomada pelos sauiás a correr vertiginosos a busca toda sorte de alimentos ou de outras qualquer ocorrências. Eles eram os cruéis torós de uma cidade devastada.  E sem norte nem meios estava o povo a mendigar ajuda. Era mesmo o povo de poder aquisitivo. Os magros indigentes, desses nem se havia noticia. Eles eram os escanelados carentes.
Em um dado instante apareceu à lei. Pelotões de soldados armados de fuzis e metralhadoras abriram fogo a todo custo contra as ratazanas dos mercados de Natal. Era a tropa de Choque da Aeronáutica de dos Quarteis do Exército. E em cada esquina onde podiam estar os Pelotões de Choque a tropa abriu fogo contra os horríveis guabirus sedentos por saquear alimentos. E quem estivesse contra as Tropas, esse também era aniquilado sem dó nem piedade. A questão era:
Comando:
--- Acabem com os ratos. E quem for contra a ação da Tropa, essa deve acabar também. Eles são um bando de cachorros. – declarou enfurecido o comandante da Força Aérea.
Com o passar das horas, o fogo que se alastrou no bairro da Ribeira foi sufocado com a ajuda de uma corveta da Marinha levando a água do rio em tubos gigantes até os pontos destinados. E a ajuda aconteceu com efetivos da Aeronáutica com apoio da Polícia Militar sob o comando de um general do Exercito. A calma voltou a reinar do Hospital Miguel Couto depois de cinco dias de terror. O doutor Eurípedes estava exausto de tanto operar crianças e adultos com a ajuda de uma enfermeira da cidade e mais a ação de Nara, a sua noiva. Os abalos cessaram por completo e as águas do mar voltaram ao seu normal. Apenas se registava danos e prejuízos provocados pelo terremoto do inicio da semana. À volta a casa de Nara, o médico com a cabeça ainda em pânico pode verificar a extinção dos danos provocados. Uma noticia com atraso: o toque de recolher foi decretado no terceiro dia do Terremoto. O Comando Geral do Exército determinou estado de emergência na Capital e os postos de saída de caminhões e carros passaram a ser inspecionado por patrulhas do Exército. O Comando Geral designou a Polícia Militar do Estado a verificar todas as pessoas com mais de 18 anos e menos de 60 anos de idade para conferir de onde vinham a para onde iam a qualquer hora do dia ou da noite. De modo geral o estado de emergência era mais um “estado de sítio” em Natal. Um veículo foi aprisionado quando os seus ocupantes dirigiam de forma suspeita. Além desse, outros veículos tiveram a mesma sorte e seus ocupantes foram mandados para um dos Quarteis da Capital onde ficaram detidos até segunda ordem. As pessoas humildes pediam “licença” ao cruzar com um militar de qualquer farda. Em um arruado da chamada Rua do Motor, em Petrópolis havia um veículo descaracterizado a postar guarda para quem quisesse passar no local. Houve falta de água e as torneiras ficaram apenas fazendo um barulho comum  em todas as residências desabastecidas. A luz elétrica voltou a ter fornecimento três dias após o terremoto da segunda-feira. Não houve explicação a respeito da falta de energia. Os incêndios das casas de comércio do bairro da Ribeira, cinco dias após o sismo ainda estavam sendo postos em rescaldos. O Forte dos Reis Magos foi posto em ruínas. A praia da Redinha era apenas uma trágica memoria. Nessa altura dos acontecimentos as praias de Areia Preta e Ponta Negra não sofreram coisa nenhuma com cheia do mar revolto ficando apenas o sismo instigante.
Um mês depois ainda se contava o prejuízo causado à cidade. Na residência de Nara, um pedreiro e seus dois ajudantes procuravam refazer à frente da casa. O veículo de Eurípedes continuava em uma oficina para o conserto das avarias. Outros veículos também estavam em igual situação. As palafitas sobre o rio Potengi, essas foram arrastada do local desde a primeira maré alta. O Teatro “Carlos Gomes” entrou em processo de reforma geral. Não era prevista nenhuma data para se entregar o serviço concluído. O maior Hotel de Natal, o Grande Hotel, tornou-se o magnífico império do desprezo. Casas de tecidos, joalherias, sapatarias, bebidas e maquinarias cuidavam de repor seus estoques em ordem um mês depois da tragédia vinda do solo. Não houve loja de menos nem mais sacrificada. Todas as firmas do bairro sofreram por igual, salvo as que foram destruídas por incêndios. Essas perderam tudo e ficaram apenas os esqueletos das trágicas lembranças de um passado.
O médico Eurípedes Castro estava no seu trabalho todas as tardes. Na parte da manhã, sempre se encontrava em casa de Nara, sua noiva. À noite, quando não tinha serviço, o jovem estava com Nara a discutir os preparos para as suas núpcias ou para trocar ideias sobre música. Às vezes se ouvia o rapaz teclar ao piano, isso depois de ser consertada a parede frontal da residência. O professor França já estava a lecionar aos dois enamorados depois parar por algum tempo. O pai de Nara voltou às atividades normais quando foram feitos os reparos nas maquinarias. À noite, quando não estava a dormir, o senhor Sisenando se punha a conversar com o rapaz sobre os efeitos do abalo sísmico. Com o passar dos dias se chegou aos informes ter sido o fenômeno de 7,8 graus sendo o mais forte por atingir em uma região a menos de 180 quilômetros onde havia placas tectônicas.
Sisenando:
--- Nós estamos em uma zona de perigo. – comentou o homem com bastante tensão.
Eurípedes:
--- Eu admito. Pouco após o mar ter se arrastado, depois veio com enorme fúria devastando grande parte da orla da capital. - arrematou por cima o médico.
Cecí:
--- Café? Está quente! – ofereceu a mulher.
Nara:
--- Até que é bom. Só assim se fala menos na tragédia – replicou a moça.
E por então a questão silenciou de tudo. O rapaz retirou a manta que cobria as teclas o piano e entoou uma leve melodia. Uma valsa por nome de “Cortina de Veludo”, magnífica desses tempos. O velho ouviu bem a melodia para no fim confabular algo:
Sisenando:
--- Essa melodia é muito forte. – comentou o homem.
Eurípedes;
--- Como assim? – indagou o moço.
 

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