- Zooey Deschanel -
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CHUVA
Após um mês
sem chuva o gado se alimentava com ração. Água, apenas as dos reservatórios.
Com os tremores de terra havidos na capital, o caminhão ficou sem poder
abastecer como o prometido. Nesse ponto a água estava acabando de vez. Em
certas ocasiões o motorista se dirigia ao reservatório de Acari, onde homens
estavam a trabalhar na construção de um açude o qual o povo chamava de
“Garganta” ou “Gargalheiras”. Salvador jamais procurou saber a razão dessa
história. Para o motorista apenas bastava conseguir a água colhida na vertente
do açude vindo desde a Paraíba. De outras oportunidades o motorista seguia para
mais distante onde um alguém falara haver água abundante. Se conseguisse ele chegar
àquele malvado interior encontrava apenas umas cacimbas e o rio seco, apenas
servindo para se tirar areia para a construção. O motorista coçava a cabeça,
pois nada havia a fazer. Então voltava com o seu caminhão a praguejar bastante.
Salvador:
--- Bosta!
Aquele sacana! – era o comentário feito.
Mulher,
mocinha, meninos. Uma corriola e tanto a seguir estrada afora. Bem mais para
frente seguia o tropeiro. Foice na mão, matulão no ombro, chapéu de vaqueiro à
cabeça. Roupa suja de fazer dó. Era a inclemente sina do sertanejo. E o
tropeiro seguia distante de sua mulher e de seus maltratados filhos. Para bem
dizer: “a filharada”, como profetizava o homem do campo, matuto de coração.
Sábio por natureza. De uma leva, oito ou dez. Talvez doze filhos. O matuto não
falava. E nem ao menos com o filho mais velho. O mais velho usava uma peixeira
a conduzir, disfarçada, embutida em sua cintura. Atrás do primeiro vinha o
segundo com um facheiro à mão. E depois desse vinha o restante: mulher e filhos do tropeiro. A mulher ainda
com um rebento ao colo a dar de mamar. Sina maldita a enfrentar o sol e a
serra. E Salvador apenas olhava como se nada tivesse a dar aos filhos da Terra.
Seu caminhão sem carga d’água era o demais importante. E o motorista seguia
célere amaldiçoando o bendito informante.
Vaqueiro:
--- “Lá na aba
da serra tem água de fartura” – era disso que lembrava Salvador.
Quando chegava
ao posto de combustível da cidade de Santa Cruz, Salvador abastecia o seu
veículo. Pagamento só depois de resolver certos problemas da carga. Meia hora:
e Salvador estava no destino: a fazenda “Boqueirão” do “doutor” Amaro Borba,
homem forte e experiente no labor de sempre. Nesse instante, o “doutor” não
estava na fazenda. Apenas os vaqueiros. E Salvador saltou do carro. Em seguida
procurou saber onde “andava” o vaqueiro Tomaz. Logo ficou sabendo:
Informante:
--- Ali –
dizia o vaqueiro esticando o beiço de baixo.
A virgem
Margarida estava à porta de trás da casa grande como sempre a sorrir ao
motorista. Esse, por sua vez fez um sinal de “olá” nada mais. E assim perambulou a procura de Tomaz. Esse vaqueiro
era o que entendia de tudo ou mais e estava a dar ordens aos outros aprendizes
de vaqueiro. Sol azedo e causticante. Uma semana antes, o tempo se preparou e
choveu grosso. Mesmo assim foi chuva de pouco tempo. Relâmpagos e trovões não
assustaram o gado restante. Carcaça de vaca se via a granel. Outro caminhão estava
pronto para se recolher todo entulho e conduzir para um local deveras não
sabido. Apenas o segundo motorista conhecia para onde caminhava.
Caminhoneiro:
--- Fazer
comida para o gado. – era o que informava.
O motorista
Salvador com o olhar descrente apenas comentou a situação da capital onde havia
a exigência de se mostrar documentos indo e voltando. Era a lei impiedosa a vigorar
depois do tremor. Com isso, o homem ficou certa vez no bloqueio da “Corrente”
um posto aduaneiro existente da região por quase uma semana. Ele entregou os
documentos de motorista e os Militares levaram e, com certeza, se esqueceram de
devolver. E eram muitos os motoristas de estrada a ficarem retidos na entrada
da “Corrente”. Os de fora faziam comida para todos. Salvador não tinha comida.
E também se satisfazia com o pouco de alimento a ser dado pelo caminheiro
viajante. Mercadorias a granel. As frutas se estragavam de muito. O tremor de
terra deixara os motoristas apavorados com tal situação. Alguns motoristas se
escondiam por baixo das suas carretas se podiam ser chamadas assim, por seu
tamanho bem acima do normal. O caminhão a óleo cru era o gigante da fila. O
carro trafegava devagar na sua saída e pegava velocidade na sua continuação. O
veículo era um “monstro” e levava em cima da carreta um trator também gigante.
Salvador procurou ver de perto o “colosso” da estrada para contar de fato aos
demais companheiros ausentes. De dia ou de noite eram jogadas conversas a toa.
Negócios da Cidade, principalmente. Uma parede de uma residência ruiu colhendo
três mocinhas, sendo uma ainda pequena. Isso, no tempo dos sismos. Foi deveras
o que mais o impressionou. Outros acidentes ocorridos também deixaram vitimas,
algumas com defeitos permanentes. Com o jogo das conversas Salvador foi se
inteirando do havido naqueles dias sombrios na Capital do Estado. Não foi sem
espanto aquilo tudo o dito por um motorista:
Motorista:
--- O rapaz
ficou apenas com metade do seu corpo. Pernas ficaram com defeitos permanentes.
É um caso horroroso. Ele anda com os quartos para cima. E só anda de quatro
pés. Se pode chamar aquilo de pé. – dizia o motorista cheio de agonia.
O rapaz ouvia
tudo o que se contava a respeito do fabuloso estrondo. Essa história durou mais
de quatro dias quando então Salvador pegou a rota de voltar para o seu destino
de saída. O comentário de aleijo do garoto foi impressionante para o motorista.
Não raro, a noite, quando dormia, ele acordava de repente parecendo ver o rapaz
a andar com suas pernas aleijadas. E nesse ponto Salvador não conseguia dormir
nem um pouco. E nesse estado de coisas o comentário mudou de aspecto quando ele
teve de perguntar ao vaqueiro.
Tomaz:
--- O patrão
esteve na fazenda durante dois dias. – comentou.
Salvador:
--- É pra
trazer água? – perguntou.
Tomaz:
--- Homem! Seu
menino! O caso é que não tem mais água no reservatório. – coçou a cabeça e a
cara se encheu de rugas.
Salvador:
--- Tenho de
apanhar em uma lagoa perto da cidade de Macaíba. Longe pra seiscentos diabos. –
reclamou de monta.
Tomaz:
--- Eu não
conheço nada para aquelas bandas! É longe assim? – indagou com cisma.
Salvador:
--- Mas. Ora
se. Nem estrada tem. Só caminho. Agora, tem água de monta. O negócio é puxar
para dentro do tanque. - lamentou.
Tomaz:
--- E tem quem
puxe? – indagou.
Salvador:
--- Tem uns
“bonecos” que enchem. – declarou.
Tomaz:
--- Então vá!
– respondeu.
Salvador:
--- E as
merrecas? – quis saber.
Tomaz:
--- Custa
muito? – perguntou.
Salvador:
--- Pouco
mais! – deu de fé.
Tomaz:
--- Muito
mesmo? – inquietou-se.
Salvador:
--- Pra quem
tem? – sorriu sem querer.
Após tanta
conversa Salvador pegou o rumo. Quando o homem ligava o motor do caminhão notou
a presença de modo acocorado da mocinha Margarida. Nesse ponto o rapaz se
recolheu e foi à pergunta bastante assombrado:
Salvador:
--- Que estás
fazendo aqui acocorada? – indagou com bastante temor.
Margarida:
--- Vou
também. – sorriu a menina moça encolhida em baixo da boleia.
Salvador:
--- Aqui? –
indagou espantado.
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