- Natalie Portman -
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À noite,
Eurípedes estava na residência de Nara a gargalhar sem tréguas pelas vibrantes
matérias divulgadas na manhã-tarde daquele dia nos jornais da Cidade. Os
jornais passavam de uma mãe e outra do médico e do seu Sisenando enquanto Nara
ficou a balançar a criança em seu berço e a olhar bem para os dois homens sem
querer dizer coisa alguma. Eurípedes nem se importava com o piano. Afinal, o
instrumento era propriedade de Nara. Logo o médico lembrou um caso ocorrido em
seu expediente daquele dia. Caso muito delicado e não se podia adiantar por
nada. E o médico relatou:
Eurípedes:
--- Se a
Imprensa soubesse de um caso delicado que está havendo no hospital?! – falou
por alto o médico.
Sisenando:
--- Qual?
Qual? Qual? – indagou inquieto o outro homem.
Eurípedes:
--- Eu vou te
contar. Mas fica aqui. Não quero nem saber. Pois bem. Hoje, nós operamos um
homem com três anus. Três! Ouviu bem? Três! – declarou o médico.
Sisenando:
--- Mas três
cus? Como é pode? Três? – indagou perplexo sem saber o que dizer.
Eurípedes:
--- Três. Nós
lacramos dois. Ele evacuava pelos três. – comentou o médico a olhar Nara que se
manteve calada.
Nara:
--- Vocês já
estão conversando besteira!. Vou embora!. Fiquem! – respondeu com voz altiva.
O pai da
virgem ficou surpreso com a atitude de Nara e olhou para o vulto a sair da sala
a toda pressa e pegar o corredor até o seu quarto de dormir. E falou um tanto
preocupado:
Sisenando;
--- Mais tá!
Nós estamos conversando sobre ciência e ela sai com disparate! Ora! Pois vá! –
discutiu o seu pai um tanto aborrecido.
E os dois
homens ficaram a conversar sobre desastres, acidentes, recuperação de defeitos
e negócios ainda nem tanto conversados. Um exemplo foi dado pelo médico de um
rapaz. Esse rapaz de mais ou menos vinte anos caiu de uma serra do interior do
Estado ficando todo quebrado, apenas se salvando o crâneo. Ele foi levado para
o Hospital e submetido às várias cirurgias. A demora foi por conta do tratamento
prolongado. Pernas, braços, tórax, joelho e tudo que se pudesse imaginar.
Apenas o crânio ficou intacto. Também o acidente com a queda vertiginosa de
mais de cinta metros não afetou a visão,
fala e musculatura dos ouvidos.
Eurípedes:
--- Foram
cinco meses de cirurgias e observação até quando tudo estava perfeito. O rapaz
ainda assim puxa por uma perna. Mas está vivo. – sorriu contente o médico.
Deram-se as
horas e o doutor Eurípedes observou já está tarde e era preferível partir, pois
no dia seguinte, talvez não pudesse vir, uma vez haver aula para os novos
estudantes e ele fôra escalado para ministrar palestra. E de imediato, o jovem retornou
ao quarto de Nara, e esse estava fechado à chave. Eurípedes tocou duas vezes à
porta e Nara não respondeu. Ele logo entendeu e disse apenas estar a sair. Tentou
ouvir resposta e Nara não respondeu. De vagar, ele foi embora passando outra
vez pelo seu futuro sogro e esse fez algo ter o rapaz entendido. A moça estava
menstruada – naqueles dias – o velho apontou a barriga para ver se o rapaz
entendera. Eurípedes sorriu e dialogou algo sem muita importância. Logo saiu.
Ao chegar a
sua residência Eurípedes ouviu algo deveras singular. Rócia, sua irmã, estava a
tocar acorde violino. Ele sorriu e bateu palmas para a donzela. Em seguida
começou ao piano a acompanhar Rócia até o momento de executar um choro
intitulado “Apanhei-te Cavaquinho”,
composição feita para piano por Ernesto Nazaréth, em 1930. A jovem moça
acompanhava ao violino e ele executava ao piano. Foi um verdadeiro êxito aquela
apresentação. Logo após, ambos aplaudiram a si mesmos. Ou um ao outro por sua
vez. E o desafio continuou por horas a fio com cada qual fazendo a sua vez.
Eles jogaram músicas ao vento, pois o sol não tardaria a despontar. Na verdade,
os sabiás cantavam nos pés de laranja e as andorinhas faziam a caça das suas
sementes aos primeiros eventos do dia seguinte. A moça sorria. O rapaz chorava.
Era o desafio patente entre os dois mestres da música. Os galhos da mangueira
pareciam sentir todo aquele refugio de prazer. As cortinas de veludo da sala
abriam de par a par para os derradeiros afetos dos belos músicos. Na rua, o
padeiro passou:
Padeiro:
--- Pão! Olha
o pão! Pão! – falava o padeiro em surdina.
Dona Nazaré já
acordara e nessa instante punha o que tinha de ser feito na mesa ornada. O
padeiro encostou-se ao muro da casa de seu Amaro Borba e ficou a espera da doméstica para despachar
os pães. Outras domésticas sacudiam milho às galinhas ou apanhavam roupas no
varal. Nesse ponto, Eurípedes notou ser o tempo bastante tarde para ele e a sua
irmã estarem acordados e resolveram encostar seus instrumentos e procurarem o
banheiro. O velho Borba já estava desperto e entrou primeiro no banheiro a
reclamar ter que ir naquela manhã a fazenda, pois Tomaz telefonara da cidade de
Santa Cruz a chama-lo com urgência.
Euripedes:
--- E o que é
que está havendo? – indagou o filho.
Borba:
--- Vaca
morta! Sei lá! Eu disse só poder ir no sábado. O vaqueiro disse que o caso é grave!
Bosta! Lá vou eu! – falou meio perturbado.
Eurípedes:
--- E ele não
resolve? – indagou o rapaz um pouco atento.
Borba:
--- Tem caso
que não! – respondeu o velho meio desconfiado.
Eurípedes:
--- E eu tenho
de estar bem cedo no Hospital. A turma de jovens. Eu tenho de fazer palestra. –
disse o rapaz meio acanhado.
Borba:
--- E você vai
hoje? E o Consultório? – indagou o velho.
Eurípedes:
--- Trancado!
Trancado! Não tenho tempo! – respondeu.
Na residência
de Nara, a sua mãe não dormira a noite toda. A moça estava incomodada por ser
tudo naqueles dias e não dormira um só instante. Dona Ceci preparou chá, mesmo
assim nada resolveu. Quando amanheceu, o pai de Nara recomendou levar a filha a
um médico. Nara dizia não ser preciso,
pois já sentira esse incomodo de outras vezes.
Sisenando:
--- Mas é
preciso sim! E o seu noivo não é médico? – indagou vexado
Nara:
--- Nem ponha
ele no costume! Eu não vou! Isso passa! – discutiu a moça ao sentir de momento
fortes dores.
Sisenando:
--- Ora não
ponha? Então vá a doutor José Ivo! Ele é tiro e queda! – argumentou o pai.
Nara;
--- Não vou a
nenhum! Isso passa! – reclamou a moça.
Ceci:
--- Eu já
disse: É melhor ir a um médico. Ele sabe! Estudou! Sabe! – falou irritada.
A essa altura
Ceci vinha no aposento da filha e saia com seu corpo forte até a cozinha para
ver se o chá fervera
Nara:
--- Ora mãe! A
senhora entende disso! - respondia a moça se torcendo em dores.
Ceci:
--- No meu
tempo era diferente!. Um chazinho e pronto!. Agora como tudo! E preveni! Não coma
goiaba! Isso é ruim! Mas não ouve! Come o que der na telha! – reclamou a mulher
Nara:
--- Que goiaba?
Eu lá comi goiaba? – dizia a moça se contorcendo em dor.
Sisenando:
--- Goiaba? É
um purgante! – respondeu o velho.
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