- CEMITÉRIO -
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A MORTE
Na manhã de quarta-feira por volta das 09,00 horas, Nair já
estava em frente ao prédio da Recebedoria de Rendas local onde trabalhava o
doutor Edgar Penteado. Naquela hora,
precisamente, o auxiliar de serviços gerais, o senhor Ribeiro, abriu a grande
porta de ferro permitindo a entrada dos que fossem regularizar suas contas,
verificar livros ou mesmo comprar estampilhas dentre outros afazeres. A porca
gente que aguardava a abertura do portão de ferro foi de imediato adentrado.
Nair, com lágrimas nos olhos teve tempo de indagar ao porteiro. Ela perguntou
apenas se o “homem” que se sentava em um birô de trás já havia chegado. A moça,
cheia de temor, procurava observar o birô. Porém esse estava vago. Era sinal de
que o homem não chegara. E foi a resposta recebida do porteiro.
Ribeiro.
--- Não está. – respondeu o porteiro com sua voz apressada.
E dizendo isso, o homem se voltou às pressas para o interior
do prédio. Pessoas continuavam a adentrar e umas poucas saíam. Nair estava na
calçada com seus olhos a lacrimejar. Um lenço rústico de pano era o seu
companheiro. Com ele a moça constantemente se assuava. Passados alguns
segundos, Nair deu meia volta e se encaminhou para um banco da praça. No lugar
a bela jovem procurou se sentar a espera do homem de terno branco. Bonde
trafegava para o final da linha na Ribeira em frente à Alfandega, repartição do
Governo Federal. Carros seguiam velozes com destino a Cidade Alta, onde havia
menos comércio. O vendedor de roletes de cana seguia com sua pressa em direção
do Mercado Público. Outros negociantes igualmente passavam para o setor da
Cidade. Um apito forte. Era o trem. Ele já estava a trafegar para entregar os
fardos de algodão ou mesmos sacos de cimento na Rua Chile, a última a se seguir
pela Travessa Aureliano antes de se encontrar o rio com o seu movimento do dia:
botes, lanchas, navios entre yoles e batelões. Com seu pleno movimento de
compras, a moça não dava importância aos balaieiros com suas cabeças fincadas
no meio dos balaios a levar para algum lugar. Pouco ou nenhum destaque a moça
conferia aos carregadores de madeiras. A sua maior preocupação era notar o
homem de roupa branca. Um rapaz de braços para trás fazia reverencia a quem
passava em frente à loja onde trabalhava. Outros traziam canos de ferro para
levar ao seu destino. Uns poucos entravam e saíam de um Cartório bem próximo.
Um ébrio dormia ao relento na calçada do Coreto da pracinha.
De repente, Nair avistou o homem de terno branco. Ele estava
a chegar à repartição e entraria pela porta lateral. Um suor frio lhe correu a
espinha dorsal. Ela não teve meios de gritar. Apenas a vontade de correr. E foi
o que fez. De um salto, a bela moça estava dentro da repartição à procura do
lugar onde devia sentar o doutor Edgar Penteado. Do nome ela apenas lembrava-se
de se chamar o homem algo como “cabelo”. Mas não era esse o nome. A mulher do
hotel a certa altura disse a Nair o nome do homem. Por isso a bela moça ficou em mente como o
senhor “cabalo” ou “cabeleira”. Quando a moça entrou na repartição procurou de
imediato em sua bolsinha algo como um papel onde anotara o verdadeiro nome de
cidadão. Entre batons, rouges e muitas outras pontas de papeis de lembrete, ela
encontrou o do bendito nome escrito a lápis. Penteado. Ela sorriu sem querer entre lágrimas vertidas.
De posse de um papel pequeno, Nair falou com um rapaz sentado
próximo ao balcão e ele não deu resposta. Ela indagou a mais uns três e não obteve
reação. No ímpeto de fúria a moça resolveu gritar de sua maneira:
Nair:
--- Seu Penteado, por favor, venha até aqui! – gritava a moça
para o diretor.
O homem ouviu alguém chamar pelo seu nome e se virou e
imediato. O rapaz de serviços gerais apenas falou para o seu chefe.
Ribeiro:
--- É uma louca! – disse o auxiliar para o seu chefe.
Todos os demais servidores ficaram inquietos com a ação da
moça. Um deles indagou se ela era louca.
Funcionário:
--- Gritar aqui dentro! Você está louca? – falou com voz
brava o servidor.
Nair:
--- Não se meta comigo ou lhe meto esse estilete! – falou a
moça em fúria com a boca cerrada.
Edgar:
--- Que é que tem aquela moça? Ela me chamou! – falou
espantado o chefe.
Ribeiro:
--- É uma louca! – disse mais o atendente.
Edgar:
--- Espere! Eu estou reconhecendo a moça. Deixa-me ir até o
balcão! – dizendo isso o homem se levantou com maior rapidez.
Do lado de fora do balcão a jovem Nair com bastante fúria
trocava palavras com o servidor. Esse a mandou para a merda. E deu ordem de
chamar a polícia. Nesse momento de terror, Edgar Penteado se acercou e logo
indagou o que estava a acontecer entre a moça e o funcionário. Ela então se acalmou.
E logo se pôs a chorar. Ela contou o seu drama.
Nair:
--- Meu pai morreu às três moras da madrugada. Eu vim me
socorrer do senhor. É a única pessoa decente que eu conheço. Sai possível que o
senhor pode me ajudar? – falou a moça com bastante pressa.
Edgar:
--- Vamos ver. O que lhe está faltando além do seu pai? –
indagou preocupado o diretor.
Nair:
--- Não sei como dizer. Mas é um caixão! – disse a moça a
soltar as lágrimas.
Edgar:
--- Caixão? Meu Deus do Céu! Caixão? – responde de boca
aberta o diretor.
Nair:
--- Sim senhor. Se o senhor puder. Eu só preciso desse caixão
de defunto! O senhor pode comprar! Não garanto pagar! Na minha casa está um
desespero! Meu irmão está caído no chão de tanta cachaça que ele bebe. O outro
está de zonzeira. Minha irmã foi ver se encontra o médico. E sobrou para mim o
enterro. Tem um irmão que foi procurar uma cova no cemitério. Mas esse eu não
conto pra nada. É um burguês. Assim mesmo, ele tem ajudado. E eu procurei o
senhor para me dar um caixão de defunto. – completou a moça a chorar.
Edgar olhou em sua volta e o pessoal ficou pasmo com toda
aquela história de uma moça buscar uma urna mortuária em plena manhã de alguém
que nem sabia quem era. Então, esperava-se a decisão do diretor da repartição
nessa altura do acontecido. E o doutor Edgar resolveu o problema.
Edgar:
--- Sei bem do que se trata. Aliás, a senhorita já havia me
posto a par do acontecido. Por favor, espere-me aqui, pois eu vou buscar o meu
carro. Não demoro muito. Espere-me. – falou preocupado do diretor
E então Edgar Penteado saiu a quase correr e foi buscar o seu
carro na garagem do Hotel onde residia a
demorar pouco tempo. Nair ainda olhou o homem que desagradou, porém não falou
mais coisa alguma e nem sabe a razão. Ela ficou animada com a promessa do
doutor Edgar em poder ir com ela comprar a urna mortuária, algo que nem sabia
pronunciar. Por tudo, para o enterro era apenas um caixão coberto com um pano
roxo e nada mais. Os minutos, para Nair, transcorreram de forma muito lenta,
apesar de que foram apenas cinco decisivos minutos e nada mais. Quando Edgar
chegou na esquina da sua repartição pela rua Sachet, encontrou a moça e alguns
funcionários a sua espera, inclusive o servidor Ribeiro querendo agradá-lo por
todas diversas maneira. De imediato ainda perguntou ao seu chefe se podia ser
útil em sua viagem, ao passo em que o homem o dispensou. A jovem bela moça adentrou ao carro pela
porta da frente e procurou se ajeitar na poltrona do moderno veículo mesmo
assim usando seu nariz com o velho e puído pano já bastante encharcado por ação
garota ter se assuado.
Entre lágrimas e prantos a moça ainda contou durante a viagem
que o seu pai já não se alimentava apesar de ter sido comprado o medicamento
adequado formulado pelo médico. Por todo o dia passado, o sei pai esteve em
ânsia agonizante. Delirava vez por outra a chamar por sua mulher. E confundia
ser a moça Nair a sua verdadeira esposa.
Edgar:
--- Qual o nome dele de verdade? – indagou sem querer o
advogado.
Nair:
--- José. Mas todos os que o conheciam chamavam apenas de
Zeca. Era o comum. Mas o seu nome era José Pereira da Silva. Ele detestava esse
nome. – falou a infante moça.
Edgar:
--- É. Mas José foi o pai de Jesus. – explicou o advogado.
Nair:
--- Meu pai se lembrava disso. Mas dizia ter muito José no
mundo. José e João eram os nomes que ele não gostava. Nas filhas ele disse ter
caprichado. Minha irmã se chama Laura. É mais velha que eu. Uma terceira tinha
o nome de Otília. Essa moça Deus levou.
– chorou mais uma vez a filha mais nova.
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