segunda-feira, 18 de abril de 2011

DESEJO - 34 -

- Julie Andrews -
- 34 -
--- Socorro!!! Socorro!!! Me acudam!!! A minha casa!!! – gritava em delírio a mulher a correr pela viela escura da vila sob torrente aguaceiro.
Nunca se tinha ouvido clamor tão intenso por toda aquela vila. As pessoas estavam acordadas depois de meia noite, com luzes apagadas e tendo somente velas, candeeiros e lamparinas acessam no meio do vendaval perigoso e tétrico. Jamais alguém ouvira tal infausta tempestade em época de estio. Os trovoes bramiam no escuro alumiado por faísca de raios constantes. E a mulher a gritar sem parar findou cair na metade da viela, já fatigada e sem forças para mais gritar um pedido exaustivo de socorro. Um homem atento a tudo abriu a meia porta de seu casebre e, com o candeeiro procurou divisar em meio a enxurrada de água e lama. Quase ele não notava o pesado corpo caído na viela. Porém, enfim, ele divisou a mulher caída no lamaçal a continuar a fazer por toda a parte do vilarejo. O homem cobriu a sua cabeça com um molambo e saiu em desabalada carreira até onde estava deitada, sem forças, angustiada a mulher quase morta. Ele puxou a mulher e veio às filhas do homem para ajudá-lo a pegar naquele trapo de pessoa. As mocinhas logo reconheceram a pessoa.
--- É Índia, meu pai! É Índia! – dizia uma moça cheia de cisma quando viu a mulher caída.
Enfim as três pessoas ajeitaram o corpo de Índia até chegarem a sua casa. A mulher gemia constante como a quem querer dizer algo. A chuva intermitente não para de cair bem mais forte do que antes. Raios e trovoes ecoaram desde a serra e por todo o canto. O rio das Três Bocas transbordou de vez arrastando todo o plantio de horta, milho, feijão e mandioca feita ao seu redor. Era um turbilhão de água a subir tão depressa como nunca d’antes visto. E a mulher, a Índia, já mais calma de repente se levantou para correr sendo impedida pelas duas moças. Ela não temeu em dizer o que estava a acontecer:
--- Minha tapera! Minha tapera! Minha tapera! – chorava Índia ao desespero.
--- Tudo está alagado. – relatou o homem assombrado.
--- Mas Mundica estava na rede e a água do rio arrastou para fora. – declarou Índia a chorar.
--- Que?! Mundica? Como? – declarou o homem estupefato.
Mundica era uma senhora de 86 anos de idades, acometida de doença, não podendo sequer andar sozinha sem amparo de sua nora Índia. O filho era pescador e estava no mar a àquela hora da noite/madrugada. O rio veio com ímpeto e arrastou a choupana e todos os demais pertences. E nesse estado de coisa levou também a velha senhora para o mar. A mulher não soube dizer qual a situação das casas mais próximas. Contudo lembrou-se de todos com um medo terrível se amparando de qualquer jeito por entre as árvores, alguns subindo para alcançar os mais altos dos paus. Por toda a madrugada a torrencial continuava sem cessar. Os homens foram alertados e todos procuraram localizar o corpo de Mundica. Porém, a escuridão reinante não media esforços dos caboclos. O alagado do rio das Três Bocas por todo o seu percurso até ao oceano não deixava a ninguém rever o seu estado normal. O dia começava a despontar com o aguaceiro intermitente e as buscas incessantes do corpo da anciã. Tudo em vão para se encontrar Mundica.
Na casa grande, a moça Ângela, falo em precisar ir a sua choupana para ver a situação da anciã com as chuvas da madrugada. E saiu correndo, por entre o temporal constante até a sua moradia. Em casa, no “Mundo Velho”, ficaram Armando Viana e Norma Vidigal. A moça a rezar insistente pedindo a proteção divina de modo a aplacar a sua ira. O rapaz a olhar o mar bravio e divisar alguma jangada com seus tripulantes. Mesmo assim, nada pode ver.  Era a manhã de sábado. O dia já aparecera. Os homens da vila a procurar algo. Armando não sabia o que. Mesmo assim, ele chamou Norma para ver os homens e rapazes indagando se eles estariam pescando algo.
--- Não sei. Acho que não. É possível que estejam à procura de algo mais. Talvez uma rede. – relatou a moça.
--- Rede de que? – perguntou Armando inquieto.
--- De pesca, com certeza. – comenta Norma. E volta a olhar atenta os homens.
--- Deve ser. – relatou Armando. Em pouco tempo ele saiu da porta.
O homem do peixe, todo molhado, veio trazer os pescados para Norma. Ao ser perguntado o que havia demais no rio, o homem comentou ser a procura de um corpo. A moça, quase em pânico chamou o seu namorado para ouvir o relato do pescador. O homem não sabia dizer algo mais. Mesmo assim, informou ter o rio recebido muita água e destruiu uma choupana plantada às suas margens e arrastado uma anciã.
--- Quem foi a mulher? – indagou Norma temendo temer a sorte do pessoal da vila.
--- Mundica. Uma velhinha. Ela foi arrastada pela correnteza. – relatou o pescador.
--- Meu Deus do Céu!!! Mundica? A velhinha dos remédios?! – indagou a moça alarmada com tal situação tão deprimente.
--- Quem era Mundica? – perguntou Armando a Norma.
--- Uma anciã. Quando mais jovem, ela fazia remédios do mato. Curava tudo. Era juá, jucá, quina-angélica, mutambo, marmeleiro. Era um sem numero de cascas de pau. Ela deixou à sua nora a receita de tudo. A mulher, agora, é quem faz. Ela colhe mel como ninguém. – falou Norma com pena da anciã e começando a chorar.
--- Eu imagino! E pergunto ao pescador: o que os homens e rapazes estão à procura no rio? – indagou Armando falando ao pescador.
--- O corpo da velha. E tem mulher a procura do corpo. Porque a chuva dificulta encontrar. – relatou o pescador a olhar para a aglomeração de gente a beira do rio.
--- É verdade. Eu estou vendo agora. Muitas mulheres. Parece que até Ângela está a procura do corpo também. – descreveu Armando Viana.
--- Deixa eu ver se é Ângela. Deixa! – pediu  licença a moça saindo fora de casa.
--- Olha ali mais para cá. É Ângela. – comentou Armando com temor.
E os três companheiros – Norma, Armando e o pescador - ficaram no casarão a olhar com atenção o movimento das pessoas dos dois lados do rio das “Três Bocas”. Um corisco rompeu o céu para se abrigar entre o matagal existente no alto da serra. Armando logo pensou: naquele dia a viagem fora desfeita.
Choveu durante todo o dia e a noite seguinte. Chuvas, relâmpagos, trovão e ventania. As vielas existentes no quadro de taperas foram todas tomadas pelo aguaceiro. O rio das “Três Bocas” encheu de tal forma que quase ninguém conseguia atravessar de um lado para o outro. Não por ficar de calça e vestido molhados. Mas sim, pelo aguaceiro formado. O casal de namorados resolveu não sair de casa e esperar a vinda de Ângela trazendo novidades sobre o achado do corpo de dona Mundica. Era a única novidade havia para se contar. Armando Viana aproveito a cheia e fez diversas fotográficas e gente, praias, e da própria lama. Enfim, aquilo era tudo o que restava para fazer e ser feito. Na sua memória pairava um fato a dizer ao chegar na segunda-feira ao escritório. Enfim ela bem disse trazer uma matéria. O domingo era todo de luto. O corpo de Mundica fora encontrado preso entre os troncos caídos pela força do rio. Foi um pranto só. A população do vilarejo sentiu profundo amargor com a perda da anciã de 86 anos de idade. Apesar de estar com uma idade bastante avançada, Mundica era tida como uma santa e seus conselhos eram dados aos mais jovens como um recado de lei.
O sepultamento do corpo de dona Raimunda Quinderé se deu no mesmo domingo em que o corpo foi encontrado pelos habitantes da vila, nem tanto assim, em meio à lama a cobrir a estrada de barro por onde se podia alcançar o cemitério do lugar. O sepultamento da anciã foi numa rede de malha já bastante estragada pelo tempo. A chuva constante durante o sábado e parte do domingo não deu margem a se encontrar um carpinteiro por fazer um caixão de mortos. E mesmo tendo se encontrado o tal carpinteiro ou marceneiro, o filho de Mundica não teria meios de custear. Apenas no lugar havia quem pudesse sustentar tal despesa: Norma Vidigal. Mesmo assim, era não haver um marceneiro na vila e os estragos da chuva impediam de se ir mais além buscar o caixão para sepultar Mundica. E era bastante comum se enterrar os mortos em redes de dormir naquele vilarejo.
--- Eu acredito que vou chorar de pena! – lamentou Norma ao falar ao seu namorado ao caminhar para o sepultamento da anciã.
--- Conforme-se. Conforme-se. – lembrou Armando também sentido.
O vento frio soprava constante muito embora a chuva já tivesse cessado às quatro horas da tarde. O céu nublado parecia clamar por um pouco de paz para os mortos. Norma, de fronte baixa delegou seu último adeus à mulher sepultada em uma rede de malha e um cobertor a enrolar o seu franzino corpo. Ao mesmo instante se recostou ao ombro de seu amor. O relógio em seu pulso marcava pouco além das quatro e meia. As mulheres copiosamente choravam pela dor sentida por conta de Mundica. Os homens eram mais sombrios e resolutos. Uma chuva fina cobriu misteriosamente a sepultura da anciã. Parecia se ouvir um lamento de anjos a clamar pela alma da mulher. Norma soluçou constante ao ver a catacumba ser coberta de areia como um derradeiro aceno a quem tanto rezou pelo bem de todos e de cada um. O cantar de um sabiá se ouviu parecendo sentir aquele adeus para todo o sempre na tarde triste e lânguida de um temor sereno e cinza para sempre sem fim.

domingo, 17 de abril de 2011

DESEJO - 33 -

- Linda Blair -
- 33 -

                                                                                                                                                                                                                                                                                                       
Após dizer que não deveria ir no sábado, Armando Viana se despediu da moça, Marta Rocha, mesmo que ela ainda lhe perguntasse quem estaria em seu lugar. Ele apenas declarou ser outro rapaz. A moça sorriu para os dois namorados e também saiu. No tal instante Armando foi até as oficinas do Jornal A IMPRENSA onde deixou tudo o que havia conseguido trazer e voltou ao auto onde estava Norma Vidigal. Os dois, felizes, rumaram para o apartamento do rapaz e ali Armando trocou de roupa, juntou outras peças para a viagem até a mansão “Mundo Velho” e prosseguiu seu viajar. O céu estava tranquilo e as estrelas saltavam a vista de cada um dos eternos namorados. A moça tocou para frente o carro não com muita pressa, pois do modo como viajava chegaria a “Mundo Velho” em poucas horas. Ela aproveitou para trocar idéia com o rapaz, vendo que ele trabalhava demais. Armando declarou ser todo o servido carente de pura necessidade. E ele não se sentia tão cansado assim. E a conversa continuou noite adentro até o ponto do cruzamento de acesso ao casarão.
Na viagem, ainda, Armando Viana esteve a contemplar a paisagem noturna. Casebres, casinhas de campo, florestas quando ele passava por algumas, crianças a brincar, brincadeira de roda pelas crianças, mocinhas em grupo de três, uma cidade distante se podendo ver a iluminação ao céu, os buracos na estrada os quais se chamavam “panelas”, gatos amedrontados com a zoada do carro, cachorros a latir insistente, galos a cantar fora de horas entre outros eventos. Um homem montando o seu burro deu boas gargalhadas em Armando, pois lembrava uma cantiga matuta. Foi tanta gargalhada que a moça Norma Vidigal estranho com espanto:
--- Que foi? – perguntou Norma a sorrir sem querer.
--- Nada. Só um burro conduzindo um homem. – disse ele ainda a sorrir.
A moça sorriu e lembrou-se do seu tempo de criança quando desatava os pés dos burros para retirar a peia que os prendia.
--- Era gozado naquele tempo. Os almocreves procuravam os burros e esses estavam longe. – sorriu Norma quase a gargalhar.
--- Hum! Almocreve! – sorriu Armando.
--- Não é almocreve? – perguntou a moça de surpresa.
--- É. Mas ninguém diz isso. Tangedor de burro. – sorriu Armando.
E nesse momento quem teceu a gargalhar foi Norma. Mas gargalhava até demais. E assim parou o carro no acostamento da pista para gargalhar cada vez mais. E por fim Armando ficou intrigado com aquela besteira da moça sendo obrigado a perguntar:
---Mas que mosquito de mordeu? – indagou Armando assustado.
Foi ai aí que a moça gargalhou ainda mais sendo obrigada a descer do carro e urinar do lado de fora, entre uma cerca e o carro, onde não se podia vê-la. Ela urinava e achava graça ao mesmo tempo como se houvesse acordado de um sono maravilhoso. Ao voltar à direção do carro ainda a sorrir disse apenas que achou tanta graça que se urinou.
--- Mas por quê? – indagou o rapaz atormentado.
--- Por sua causa. A munheca. – respondeu a moça a achar então tanta graça que se deitou ao colo do rapaz espezinhado com os pés e batendo com as mãos do joelho do moço.
--- Não entendo! Ah. Munheca. É isso. Munheca de Pau. É como nós chamamos a quem está começando. E mesmo até os velhos. Munheca. Quer dizer; ter pulso duro. Munheca de Pau. – relatou Armando Viana a sorrir.
E a moça achou deu risadas por demais até pedir a Armando para parar.
--- Pare. Eu não quero mais sorrir. – respondeu a moça a sorrir.
E nesse ponto e por algum tempo a moça findou parar então a trafegar até a mansão “Mundo Velho”, o ponto derradeiro de sua viagem. Tão logo os dois namorados desembarcaram no portão do casarão, a moça Ângela, amiga de Norma Vidigal e a indicada para ser o guia até o alto da serra onde Armando visitaria o que os Homens das Estrelas haviam deixado, chegou e ajudou a descarregar o carro de suas bagagens. Após uma saudação amiga ela ajudou a levar para dentro da mansão o que havia de levar. Após alguns minutos, todos descansaram. Ou, pelo menos, Armando Viana repousou um pouco da viagem feita. A moça Ângela foi até a cozinha e preparou o jantar para Norma e Armando. E Norma, com pouco tempo também chegou para ajudar a Ângela. Essa sorriu para Norma e perguntou como foi de viagem. Norma respondeu:
--- Muito bem. Armando é que está exausto. Cumpriu hoje uma célere obrigação. Eu nada fiz, a não ser assinar papeis no Cartório. – sorriu Norma Vidigal a ajudar a Ângela.
Após um curto espaço de tempo o jantar estava servido. A moça Ângela trouxera um pouco de camarões e tão rápido fez a comida ainda fervente. Norma convidou Armando para o jantar e esse não se fez de rogado. Ângela apenas observava os dois eternos namorados a degustar o prato de camarão e de certo modo, a moça sorriu ao ouvir do rapaz:
--- Hum! Está bom demais! Já está admitida! – relatou o rapaz a sorrir.
--- Ângela tem pratos deliciosos. Aprendeu com a sua avó. – contestou Norma a sorrir.
A noite caiu ao todo e os três dormiram depois da algumas conversas provocadas por Norma e a ouvir apenas o seu namorado a falar. Eram casos do serviço e mesmo do Governo do Estado onde Armando também trabalhava. Acontecimentos do trivial como sendo:
--- E o Governador? – indagou Norma ao seu namorado.
--- Onde ele está? Você pergunta? – respondeu Armando a escutar a sua namorada.
--- Pode ser. – sorriu a moça se espreguiçando na poltrona.
--- Há esta hora ele está no sítio. – comentou o rapaz.
--- E não tem ninguém no Palácio? – indagou a moça a sorrir.
--- Os guardas. O serviço de rádio. Esses estão no serviço! – declarou Armando já cismado.
--- Só esse? E se houver um incêndio? Uma bomba? – sorriu Norma a cutucar o homem.
--- Para isso tem o Corpo de Bombeiros. – falou sério o homem se protegendo das cutucadas.
--- Eu me lembro de um incêndio que houve em um prédio da Ribeira. E outro no Porto. Esse foi fogo muito. – respondeu de forma séria a moça.
--- É. E tiveram outros. Mas o Governo não se mete com isso! – falou Armando a se espreguiçar
--- E você? – inquiriu a moça a olhar o rapaz de forma risonha.
--- Eu? Eu espero que os bombeiros apaguem o fogo! – sorriu Armando para a moça.
--- Não. Mas eu quero dizer: se te procurarem? – divagou Norma ao rapaz.
--- Ah sim! Você quer que eu vá apagar o fogo! – respondeu irônico o rapaz.
--- Não. Não é isso! É como cobre a matéria? – indagou a  moça meio com sono.
--- Com um cobertor! – declarou sorrindo o Secretário de Imprensa.
--- Ah. Não pergunto mais nada! Estou de mal! E pronto! – disse a moça quase a dormir.
Armando cutucou as costelas de Norma para que ela acordasse de vez e não caísse no sono quase maternal como dormem as crianças.  E assim veio a madrugada. As primeiras da madrugada. Um estrondo alucinante. Um trovão. Raios cortavam o céu. Água muita caía por amplos cantos da região. Os moradores temiam de pavor e susto com a chicotada dos trovões ensurdecedores. Na casa grande a luz se apagou de repente. Quando Norma acordou já estava tudo às escuras. Armando nem sabia onde por os pés procurando as suas chinelas. Ângela era a mais corajosa de todas naquele recinto ensurdecido pelo ribombar dos trovões. A virgem acendeu uma vela e a trouxe até o quarto onde estavam deitados os amantes. E mesmo assim, os raios continuavam a cada segundo. Era chuva de raios acompanhados de trovoes parecendo ter o céu se aberto em profusão alarmante. Nada se ouvia de homens do mar. Apenas as ondas a bater com afinco nas grosas pedras da praia. Nos casebre ao longe se ouvia o chorar de crianças ao som dos trovões a espocar intermitente. A chuva grossa e pesado era o sinal constante de uma invernada fora de época.
--- Tomara que a chuva passe. – relatou Armando a temer de medo.
--- Essa chuva é sinal de que não podemos ir ao serrote amanhã. – reclamou Ângela.
--- É água muita! – declarou Norma Vidigal
--- Imagino de quem está no mar. – comentou Ângela.
--- Ora! Nem fale uma coisa dessas. Os pobres pescadores. – lamentou Norma.
A chuva era bem mais torrencial enchendo as bacias do rio das Três Bocas apesar de seu nascedouro ser muito mais além da região das Três Bocas. De um momento inesperado ouviu-se um grito de mulher a pedir socorro no meio do turbilhão da trovoada e dos coriscos a cair sem trégua. Era o clamor eterno daquela voz de mulher.                                                                                                                                                              
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 


sábado, 16 de abril de 2011

DESEJO - 32 -

- Tatum O'Neal -
- 32 -
Quando eram cinco horas da tarde daquela sexta-feira, um carro estacionou da Rua Visconde do Uruguai, na Ribeira, e dele desceu a motorista Norma Vidigal. A jovem moça se arrumou direito tirando os vincos do vestido e caminhando solene para a entrada das escadas do imóvel de redação de A IMPRENSA, local onde o seu namorado Armando Viana também trabalhava como chefe de Redação do matutino. Ao subir a escada viu um homem maduro a descer a rampa cruzando com ela de lhe dando cumprimentos. O homem, pelo cheiro que exalava, era um dentista, conjecturou Norma. Ao chegar ao fim da escada viu um homem a varrer no local por onde havia qualquer ponta de cigarros ou papel amassado e mesmo não tivesse coisa alguma. Apenas ele varia o corredor das salas. O local de trabalho de Armando Viana era o último dos escritórios, apesar de haver mais um cômodo onde provavelmente se abrigava o rapaz da limpeza do prédio, ela pensou. Após a entrada da escada, tinha ao fim do edifício uma parte onde se podia notar a bateria de banheiros. Com isso, ela se deu por satisfeita ao saber de tudo o que havia no edifício. Norma Vidigal nem precisou bater palmas no escritório de Armando Viana, pois esse estava completamente aberto. Ela entrou e viu de relance a pessoa de Armando e mais dois jornalistas a bater máquina de datilografia com elegante pressa. Norma cumprimentou o rapaz e esse como tomado de susto olhou para frente e viu a namorada a sorrir contente. Tão logo notou a presença da moça, convidou a sentar em uma poltrona ou lado de onde ele estava. Ao conversar sobre o acidente do caminhão com o trem na manha daquele dia, Norma veio a tomar conhecimento de mais acontecimentos havidos no decorrer do dia. O incêndio foi combatido às dez horas da manhã pelo Corpo de Bombeiros. Daí em diante veio mais problemas:
--- Como assim? –indagou Norma preocupada.
--- Três casas de taipa foram atingidas pelo fogo. Em uma, havia uma anciã. A mulher sofria por conta de uma trombose. Seu filho tinha saído para trabalhar junto com a sua mulher. Ficou uma neta de quinze anos e um garoto de doze anos. Eles tomavam conta da anciã. Veio o fogo e destruiu todo o telhado e a anciã não teve tempo para coisa alguma. O casal de netos nem chegaram próximo da anciã por conta do fogo. A mulher veio a óbito em plena cama onde estava deitada. – relatou Armando a lastimar o ocorrido.
--- Que horror!!! – proferiu a moça ao desespero.
--- Outro foi um bêbado. Ele dormia na calçada de um casebre e foi atingido pelo fogo. Ele veio a óbito também  - relatou Armando.
--- Nossa Senhora!!! – pronunciou a moça aterrorizada.
--- Todos os casebres foram fechados até se retirar os destroços do caminhão. – comentou o homem angustiado.
--- E o trem? – indagou Norma como a acordar de um pesadelo.
--- O trem voltou a estação há poucos instantes. O resto do caminhão tostado foi retirado por um guindaste pelas quatro horas da tarde. E as casas que ainda estão em condições de se habitar, devem ser restituídas aos seus donos. – disse Armando a lamentar o acontecido.
--- Ainda bem! – pronunciou a moça tremendo de susto.
--- E eu voltei para a minha casa tão logo me vi desnecessário. Troquei de roupa. Estava imunda a que eu usava. Comi qualquer coisa no restaurante da Cidade. Conversei com o Governador e ainda voltei ao local do desastre com outros repórteres e fotógrafos. Ha poucos minutos é que cheguei aqui, extenuado, cansado, arrebentado. Eu estou todo castigado. O maquinista do trem fugiu com medo do acidente e chegou à Rede duas horas depois. Ele e o foguista. Apenas ficaram no trem os dois garçons. Os passageiros vieram todos em caminhões da Estrada de Ferro. Uns se lamentado, crianças chorando. Muita remissão. É um horror! – declarou Armando começando a chorar.
---Não precisa você chorar. Mas chore se é o caso. Chore mesmo! – declarou a moça.
---Havia uma vultosa multidão. Carro, polícia, bombeiros. O Governador dizendo merda. Era o que ele dizia. Apenas merda. Ele queria que se prendesse o motorista do caminhão. O pobre estava morto entre os demais. – reclamou Armando a situação.
--- Eu creio. Esses brutos têm cabeça porque burro tem. E nem burro, pois os animais têm mais raciocínio de que essas “bestas”. Ignorantes! – declarou Norma torcendo a cara.
--- Você não viu nada. Não viu nada! Esse homem tem cada coisa que dá mil. Só eu sei o que ele é capaz de fazer. – relatou Armando Viana acovardado com a situação.
--- É verdade. Você é um homem nobre, eu posso dizer. – falou Norma com se soubesse.
Nesse momento Marta Rocha caminhou até o birô de Armando a entregar suas novas matérias sobre o acidente. Armando olhou bem o escrito e indagou se a moça fez algo sobre a anciã morta em sua casa durante o incêndio do caminhão. Marta relatou ter essa matéria sido feita por Arnóbio Petrosa, repórter da tarde. Armando agradeceu e disse ter de procurar na ruma de matérias já feitas. Marta Rocha relembrou se ele necessitar ela mesma faria. Pois Arnóbio sentiu-se mal no instante da matéria. O cheiro de carne assada lhe deixou passando mal.
--- Faça a matéria, por favor. Eu tenho a impressão que ele não fez. – relatou de imediato o Chefe de Redação.
--- Eu tenho os dados. Vou fazer. Canindé entregou todas as fotos? – perguntou Marta.
--- Eu tenho um monte de fotos aqui. Umas são até minhas. – falou Armando a repórter.
--- Tem da casa da anciã? Posso ver? – indagou Marta.
--- Pode. Estão nessa pasta. Veja! – recomendou Armando a Marta.
E a moça pegou a pasta e o monte de foto para ver se encontrava a tal da casa velha destruída pelo fogo. Essa era a casa da anciã. Marta se sentou em uma poltrona em frente a Armando Viana detalhado cada foto até encontrar a sua preferida. Após esse incansável processo ela foi até o birô de Armando e declarou ter encontrado a foto.
--- Encontrei a foto! – sorriu contente. Então Marta saiu para fazer novo texto sobre a anciã morta no acidente do caminhão com o trem.
--- Essa menina vai longe. – comentou o Chefe de Redação.
Com isso Norma Vidigal então sorriu de um modo jeitoso de sorrir modesto.  Ela enfim não teve qualquer ciúme de Marta Rocha. Ela era tão somente uma aprendiza de jornalismo. E quando Marta saiu de escritório Armando indagou da namorada.
--- Que achas dessa “munheca”? – perguntou a sorrir o rapaz.
--- Dessa o que, amor? – voltou a perguntar alarmada a jovem Norma.
--- Munheca! Munheca de Pau! É assim que nós tratamos as “focas” que estão começando. – sorriu Armando sem fazer alarde.
--- Munheca de Pau? Nossa! Quem diria! Eu agora é que estou sabendo disso! – reclamou Norma ao namorado.
--- Pois é. Munheca ou foca! São como se chamam as novatas quando estão iniciando. – relatou o rapaz a sorrir.
--- Munheca de Pau? Olhe que vou dizer a menina! – respondeu a moça a sorrir.
--- Pode dizer! Esse é o segundo dia que ela trabalha a redação. E só pega matéria pesada. Ontem foi a do Turco. Hoje a do trem! Vai ter sorte assim no. ... – respondeu o homem sem completar o que gostaria de dizer.
--- No inferno. Não é? É o que não disse? – retrucou a moça complementando o rapaz.
--- Pois é! Eu não tive tanta sorte assim. Mas...Isso é a vida! – sorriu Armando Viana.
Após um curto período a moça Marta Rocha chegou com a matéria já terminada para entregar ao seu Chefe de Redação. Ficou ali em pé a esperar o decisivo aprovado e após o sim de Armando ela voltou ao seu birô onde apanhou seus objetos de uso pessoal. Marta saiu ao banheiro onde cumpriu suas necessidades e voltou. Ao passar pelo escritório já encontrou o Chefe a sair também com seus pacotes de fotos e matérias para depositar logo abaixo, no prédio vizinho, onde havia todo o engenho de fabricação do jornal, com a linotipo, impressora e tudo mais. Marta Rocha se despediu de ambos os namorados e indagou se era preciso vir no sábado.
--- Creio que sim. Pode haver qualquer coisa. – respondeu o Chefe de Reportagem
--- Ah bom. Eu estou aqui amanhã! – disse por fim a moça Marta Rocha.
--- Escute! Amanhã eu não venho. Tenho matéria fora! – falou Armando a moça.



sexta-feira, 15 de abril de 2011

DESEJO - 31 -

- Audrey Hepburn  -
- 31 -
O carro oficial do Governo do Estado estava lentamente a chegar naquele aglomerado de gente de toda sorte. Eram enormes quantidades de pessoas entre os carros de bombeiros, polícias militar e civil, camburões, rabecões do Instituto Médico, ambulâncias entre outras viaturas e autos infernizando a vida de cada um. Casas baixas de taipa fechavam suas portas por temer ladrões e até mesmo o próprio incêndio a consumir o caminhão acidentado. O veículo com bastante gente em sua carroceria foi arrastado por cerca de 200 metros após ser colhido pela composição de cargas e passageiros. Um tumulto se formou em toda área e pessoas moradoras em casebres corriam a todo custo para se livrar das chamas do veículo incendiado por conta da colisão. O trem da colisão estava estacionado sem soltar dos trilhos, porém com sua máquina a funcionar. O carro do Governo chegou de mansinho a buzinar para a multidão atormentada e os meninos a gritar sem fim como fazem os garotos de meio de rua. Com um pouco de demora o carro estacionou e se viu descer uma autoridade do Governo. Seu nome pregado em um crachá dava conta ser Armando Viana, Secretário de Comunicação. A garotada o recebeu com estupendo grito com se ele fosse o próprio Governado do Estado. Os policiais da Guarda Estadual viram logo o crachá e providenciaram passagem para aquela autoridade. De passagem pelos policiais, Armando Viana mostrou sua identidade e teve acesso ao local fechado para as pessoas aglomeradas nas imediações. O homem indagou quem era o oficial a comandar e logo teve a oportunidade de conhecer. Ao comandante do destacamento Armando Viana indagou pelo chefe da Casa Militar. E recebeu a resposta de o Coronel Soares fora comunicado e estava por chegar.
--- Muito bom! Há quanto tempo à polícia foi informada? – indagou Armando Viana.
--- Logo que houve o acidente. Nós despachamos carros da policia, bombeiros e comunicamos ao coronel Soares. – relatou o oficial comandante.
--- Certo. O bombeiro parece ter dominado o incêndio do caminhão. – falou Armando.
--- Certamente Senhor. Nós usamos pó químico. Só estamos fazendo o rescaldo. – declarou o oficial com toda pompa.
--- Eu posso ir mais perto do acidente? – perguntou o Secretario de Comunicação mostrando a sua Identidade de Imprensa.
--- Eu aconselho ao senhor ser prudente, senhor! – argumentou o Comandante da Tropa.
--- A questão e que tenho profissionais de imprensa cuidado do acidente e eu preciso falar com eles. – explicou o Secretário de Comunicação.
--- Nesse caso, o senhor tem todo o direito. Porém veja se os jornalistas de serviço estão bem ambientados, pois ainda corre o perigo de haver alguma explosão. – advertiu o Comandante.
--- Farei isso. – pronunciou o Secretario Armando Viana.
E de imediato Armando partiu para um dos carros do trem a procurar os seus repórteres e o fotógrafo sem encontrá-los a primeira vista. Os carros do trem já estavam desocupados de gente. Apenas os vagões não estavam totalmente vagos. E também um carro de terceira classe era onde se podia ver gente a jogar baralho. Foi nesse instante, entre o meio da gente pobre a fazer conturbado barulho Armando avistou a sua repórter Marta Rocha. Ele a chamou e ela, de imediato atendeu o chamado sem nem mesmo conhecer o rapaz todo vestido a rigor. O homem estava nos batentes do carro da composição. E Marta somente o reconheceu quando já estava bem perto do rapaz. O garçom do trem se aproximou o Secretario e lhe disse ser aconselhável descer do carro, pois a composição estava sob guarda do Governo. Armando Viana olhou para a cara o garçom e lhe mostrou a identidade de Secretario do Governo. O homem se retraiu e pediu desculpas. Nesse momento, Marta Rocha chegou mais perto do rapaz e foi logo dizendo estar muito confuso tudo o que acontecera. E ela apenas queria a presença do fotógrafo Canindé para ele flagrar um caso especial.
--- O que está havendo? – indagou o rapaz.
--- Veja com seus próprios olhos no carro de terceira classe! – disse a moça.
--- Eu já vi. Você procure Canindé para fazer a foto. – recomendou Armando.
--- Pois não. Agora mesmo. – disse a moça.
--- Um instante! Por favor, use esse crachá da Assessoria do Governo. Ele facilita você a percorrer os destroços do trem. Tem escrito a palavra; IMPRENSA. Leve-o com você. – falou o homem a Marta Rocha.
Ela agradeceu e quando já estava a sair percebeu uma câmera no colo de Armando. E se voltou a dizer:
--- Por que o senhor não faz a foto? – disse Marta apontando a câmera do seu colo.
O homem sorriu e não contou conversa. Fez as fotos para a moça. Os jogadores de baralho nem sequer notaram e continuaram a jogar. Armando Viana chamou a Polícia e apontou para os policiais o estado de coisa. Quando todos foram despejados dos seus assentos, havia ali um pouco a usufruir da sorte. A Polícia levou os quatro pilantras para fora com todo o empenho e colocou em um camburão.  Marta se sentiu feliz com a ação policial. No lado oposto de quem chega a Cidade havia um congestionamento terrível de carros vindos do interior. A Polícia já havia isolado da área e comandava os motoristas fazer outro percurso. Disso, Armando notou e procurou Cione Damásio a orientar Marta a fazer a matéria. Nesse pondo mais dois jornalistas chegaram ao local e buscaram informação com Armando Viana. Ele então desfez a ordem dada a Cione e mandou um dos repórteres para fazer a devida matéria sobre o congestionamento de carros. O outro repórter cuidaria do pessoal tomado pelo incêndio do caminhão. Os moradores das casas de taipa. Nesse ponto chegou ao local do acidente o Governador do Estado acompanhado do seu Chefe da Casa Militar e do Chefe da Casa Civil. O Governador desceu e foi a pé acompanhado dos seus auxiliares. Na passagem da fita, um soldado tentou empatar a passagem do Governador. O Chefe da Casa Militar Coronel Soares passou um carão no soldado e mandou deixar o seu cargo pondo outro eu seu lugar. Calado, o soldado nada falou. O Governador foi até a calçada alta de uma bodega e falou com da corporação se ainda havia fogo no caminhão.
--- Não senhor. Nós conseguimos debelar o fogo. – respondeu o Comandante.
--- Tem vítimas? – perguntou o Governador.
--- Pelo menos dez mortos. Governador. – disse o oficial.
--- É triste. Coisa triste. – comentou o governador.
Nesse momento os bombeiros começaram a retirar dos escombros do caminhão os corpos dos mortos da pancada com o trem com o carro. Eles traziam os corpos carbonizados e colocavam empilhados uns por cima dos outros, de qualquer forma. Era um trabalho extenuante por demais para os bombeiros cujo oficio não tardava em colocar de uma só vez os cadáveres empilhados igual a uma ruma de frutas podres. O fedor era enorme. Carne assada com as dos matadouros do interior daquela região. Entre as carnes retorcidas estavam milho, farinha, feijão, açúcar e mesmo bananas e mangas. Tudo isso era uma mistura infernal com o mau cheiro a dominar todo o ambiente. O pessoal morador das casinhas próximas tinha sido retirado não apenas por causa do mau cheiro e sim, para a proteção contra qualquer explosão da gasolina ainda existente no caminhão. O Governador vendo aquele trabalho incansável dos homens do Corpo de Bombeiros então perguntou ao oficial comandante:
--- O que é isso? – indagou o governador assustado.
--- Corpos, Excelência. Corpos! – relatou o comandante.
--- Eu sei que são corpos seu germe!!!. Eu pergunto para onde estão sendo levados!!! – refutou o Governador ensandecido.
--- Queira desculpar, Governado. Os corpos dos mortos são mandados para o Instituto Médico. – respondeu o oficial encolerizado, mas sem despertar tal cólera.
--- Ah sei. Quem é o maquinista desse trem? – perguntou o Governador.
--- Ele não foi encontrado, Excelência! – respondeu o oficial comandante.
--- Como não foi encontrado?!! Pois o encontre! E logo! Ele é responsável pelo acidente!! – respondeu o Governador.
--- Não é assim, Governador. O trem viaja em sua linha. O caminhão deve obedecer ao sinal. E pelo que eu notei, o motorista desobedeceu ao sinal! -  retorquiu o Coronel Soares, Chefe da Casa Militar do Governo.
--- Ah bom! Se for assim, prenda o motorista! E logo! – falou com raiva o Governador.
--- O motorista morreu no acidente, Governado. O corpo dele está empilhado com os outros. – retrucou o Coronel Soares, Chefe da Casa Militar.
--- Então não se prende ninguém? – perguntou alarmado o Governador.
--- Não, Excelência. Pelo menos dessa vez! – comentou o Chefe da Casa Militar aplacando os ânimos do Governador.
No meio da multidão que aumentava a cada instante uma mulher com um balaio na cabeça oferecia tapioca molhada a quem quisesse. Os políticos de ocasião distribuíam “santinhos” aos que pudessem ser eleitores. E aos que não pudessem também. Um carro de policia saía a toda velocidade conduzindo um batedor de carteira. “Rabecões” do Instituto Médico encostavam para por para o seu interior os corpos carbonizados das vítimas. O trabalho, enfim continuava.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

DESEJO - 30 -

- Debra Winger -
- 30 -
Quando após o café da manhã Canindé fotógrafo rumou para o escritório da redação do Jornal A IMPRENSA, já encontrou saltitante a moça Marta Rocha. E foi Dalí que após arrumar o seu conteúdo de trabalho, filmes, era o caso, o rapaz rumou para a delegacia em companhia de Marta. Os dois saíram alegres a conversar sobre o assunto do momento: o Turco. Marta, sorridente, contemplava o jornal nas duas mãos com a matéria do Turco, pois ali estava a sua primeira matéria publicada em jornal. E Marta dizia para Canindé:
--- Viu a matéria? Mas se não fosse você. ...
O rapaz andando a cambalear com a cabeça para um lado e para o outro nem ao menos se importava. Ao chegarem a delegacia, Canindé de Marta, suados de tanto andar, felicitaram o delegado Dagoberto. E esse notou a moça e deu os parabéns a ela, pois o seu nome aparecia com destaque na matéria. Ela nem soube o que dizer e ficou apoiada em seu balcão. Canindé se largou para o interior da delegacia para ver se tinha fotos a ser feitas. Na frente da delegacia duas mulheres da vida passaram a sorrir por qualquer coisa e Marta Rocha olhou as mundanas e nada comentou. Apenas olhou as meretrizes. Ao cabo de algum tempo ela resolveu falar se no lugar havia tanta meretriz como aquelas duas que passaram. O delegado Dagoberto olhou para a moça e não disse coisa alguma. Mais um tempo se passou quando o telefone tocou no birô de delegado. A moça ouviu o sinal e o homem a atender. De perto estava o escrivão com um rosto deslambido a olhar para a moça como quem dizia algo. Dois auxiliares de polícia estavam sentados nas cadeiras ao lado, em frente ao delegado, discutindo o jogo de futebol. Canindé já voltara a ronda que fizera no interior da delegacia.
--- Nada que preste. Vamos nós se sentar a espera de alguma coisa. – disse ele a Marta.
Nesse momento o delegado Dagoberto se levantou do assento apressado chamando os dois auxiliares de polícia para saírem para uma ronda. Canindé foi a frente e perguntou logo o que houve. O delegado apenas declarou:
--- Acidente! Um trem bateu em um caminhão. – relatou o delegado.
--- Agora? Onde foi? – perguntou Canindé a procura de melhores informações.
--- No entroncamento! – relatou o delegado com muita pressa para sair.
--- Puta-merda. Logo ali? Me dê uma carona até o palácio que lá eu pego o carro da assessoria. – reclamou Canindé também apressado ajeitando a sua câmera e o saco de filmes virgens.
--- Vamos se embora cambada! – falou o delegado para os dois auxiliares.
E Canindé chamou a repórter a não entender de nada. Somente Marta Rocha sabia ter havido um acidente em algum lugar. E por isso perguntou a Canindé:
--- Vamos pra onde? – indagou alarmada e indecisa a moça a se curvar para frente de modo a ouvir melhor Canindé.
--- Acidente! Vamos ao Palácio pegar o carro! – respondeu ele apressado a colocar a moça para dentro do carro de policia e a entrar em seguida.
--- Que Palácio? – indagou a moça atormentada com todo o acontecido.
--- O Palácio. Só tem um Palácio aqui: o do Governo. – arrematou  Canindé limpando o suor da testa.
O carro de polícia correu acelerado e em poucos instantes parou em frente ao Palácio. O fotógrafo Canindé desceu e, em seguida, a repórter Marta. Canindé agradeceu ao delegado e disse a ele:
--- Chego já. Vou só pegar o carro da Assessoria. – relatou Canindé enquanto saia para a entrada da assessoria.
A moça Marta acompanhou o fotógrafo com seus passos miúdos e sem jeito. Canindé entrou em um gabinete e procurou saber do paradeiro de Secretária Armando Viana. A atendente respondeu ter ele saído um pouco. Canindé resmungou qualquer coisa e partiu para o local de estacionamento de carros. Em seguida fez menção ao motorista Juvêncio, então na Assessoria, e pediu urgência, pois não podia esperar jamais. O motorista sorriu e disse:
--- Olha quem manda agora! – declarou Juvêncio motorista.
--- Vamos Zé. Espere! Vou falar com Garcia. – disse o fotógrafo correndo para o pátio de rádio
Foi coisa de dois minutos. Canindé voltou apressado e entrou no carro da Assessoria. A moça estava já sentada no banco de trás. Canindé pediu um instante e desceu novamente para a Assessoria a procura de um outro repórter. E encontrou Cione a conversar com um colega, ela deitada em um birô. E Canindé perguntou se ela não queria ir a um enterro:
--- Enterro? De quem? – perguntou sorrindo a repórter Cione.
--- Não é nada disso. Foi um acidente entre um caminhão e um trem no Entroncamento. – relatou Canindé apressado.
--- Sai dessa. Me isola. Eu heim! – disse a moça para evitar maiores comentários.
--- Vamos. Eu estou somente com a “foca”. Vamos lá! – recomendou Canindé.
--- Eu vou? – perguntou Cione a sorrir para o outro repórter.
--- Vai! – respondeu o jornalista a sorrir.
--- É. Pra quem não está fazendo nada. ... Vamos embora Caninda!  - respondeu a moça.
O automóvel da Assessoria correu como uma lebre. O lugar era o Entroncamento. Todos os motoristas sabiam muito bem; uma passagem de nível. A “foca”, no banco de trás, tremendo, acompanhada de Cione, argumentou:
--- É muito longe? – perguntou Marta a sua colega.
--- É nada. É logo ali! – e sorriu com sua voz gutural.
--- Tenho é medo. Achou que vou desmaiar. – declarou Marta a tremer.
--- Que nada! É só um tiro! – Cione declarou torcendo o cabelo dom os dedos.
--- Pelos menos dez mortos. E tem muitos feridos. O carro está pegando fogo! – disse isso tudo de uma vez Canindé fotógrafo.
--- Ai meu Deus. Que horror! – arrematou sentida a repórter Marta do canto do carro toda encolhida.
--- Bom! Já dá para um churrasco. – achou graça Cione querendo mais tirar a preocupação da repórter foca, Marta Rocha.
--- Garcia foi quem me disse. – falou Canindé se arrumando todo com sua câmera.
--- Nossa! Quanta gente! – reclamou a repórter foca.
--- Que nada. Pior é a queda de um avião. A gente não acha nada na mata. – sorriu Cione.
--- Eu tô com medo! – reclamou a moça inquieta.
--- Tá nada. Deixa de frescura! Quem morre acaba! Já dizia um célebre cineasta! – respondeu a jornalista a tecer o seu cabelo.
--- É bem ali. – respondeu Juvêncio, o motorista.
--- Tem é gente! – articulou o fotógrafo.
--- Não estou vendo o carro de outros jornais. – teceu o motorista.
--- É ali mesmo. Estou vendo o trem e o fumacê. – comentou Cione preparado para descer.
Com pouco menos de dez minutos, o carro estacionou bem por fora da multidão. Os carros de bombeiros já estavam no local tentando apagar o incêndio do caminhão. A Polícia Militar cercava toda a área do acidente com uma fita amarela tentando afastar os curiosos. Duas ambulâncias estavam embarcando os gravemente feridos. O carro do Instituto Médico já colocava em suas macas os corpos retorcidos dos mortos. Médicos legistas faziam exames dos mortos. Alguém contava os mortos e feridos. O carro era toda uma chama difícil de apagar. O trem estava ligado, mormente não sair do caminho. O condutor não estava no local. Cione, com pressa, dizia para Marta ter ela o cuidado de ouvir os passageiros do trem enquanto a moça fazia o apanhado do acidente. O cheiro de carne assada tomava conta do local. Casas pequenas ao lado do trem eram tomadas pela fumaça do caminhão carbonizado. Mulheres, homens e meninos cuidavam de atender os menos graves. Todas as pessoas vinham para a feira do dia seguinte na cidade. A mercadoria transporta era toda comida pelo fogo. Alguns rapazes ofereciam picolé e cachorro quente aos participantes da cena macabra. Havia também os rapazes a oferecer café, bolachas, grude, bolo e pé-de-moleque. Era um inferno verdadeiro aquele a agonizar a vida dos demais passageiros do trem. Por certo momento Marta percorreu os carros do trem procurando ouvir depoimentos dos passageiros. Tudo era por demais constrangedor. De carro em carro, ela foi até ao último onde quatro passageiros entre muitos  outros jogavam baralho;
--- Que horror! – disse a moça alarmada com a paz entre os que estavam a apostar no jogo.

terça-feira, 12 de abril de 2011

DESEJO - 29 -

- Eva Mendes -
- 29 -

Depois de longo e penoso depoimento do delegado Dagoberto procurando ensinar a Marta como se decifrava a prisão de Mustafá Bardhi e o que ele fizera em uma noite sombria golpeando a sua amante, Dalva de Alencar até a morte, a moça por fim se deu por satisfeita, pois conseguira aprender tudo o que as autoridades policiais fizeram. Mustafá, naquele momento, era um preso e nada mais. Concluído o sermão de Dagoberto para a moça foca ainda, o repórter fotógrafo viu todo o suor que escorria na pela de Marta e disse:
--- Satisfeita, moça? – indagou o fotógrafo quase se acabado também de suor.
--- É. Parece que sim. Podemos ir? – perguntou Marta Rocha.
--- Só se for agora. – respondeu Canindé com muita pressa.
E os dois saíram às pressas pela rua. Marta Rocha olhava o movimento do bairro àquela hora. Era intenso. Agências Bancárias abertas; casas de comercio a cerrar sua porta pela hora do almoço dos operários; carros passando; Bondes trafegando. Um apito! Era o trem de carga a chegar aos armazéns de rua próxima. O buzinaço infernal dos automóveis de praça; o sino da Igreja a bater onze horas; as gargalhadas homéricas dos freqüentadores dos bares; as lanchas da travessia do rio a chegar; os barcos apinhados de gente; os carregadores de compras a andar apressado pelas ruas com seus pacotes na cabeça; um menino a pedir esmola; um relojoeiro a escutar a batida do relógio do conserto; Era tudo isso e mais alguma coisa. O fotógrafo Canindé, apressado, chamava a moça a seguir como se eles fossem os últimos da fila. Marta Rocha, quase a correr, apenas dizia:
--- Espere! Espere! A caneta caiu! – e ela se abaixou para apanhar a caneta.
--- Ora caneta! Compra outra! – respondia o fotografo com ímpeto.
A moça observou o fotografo como a dizer: “Não tenho dinheiro!”.
Após alguns minutos de correria pelas ruas do bairro, o fotógrafo e a repórter chegaram, por fim, ao escritório do Jornal “A IMPRENSA”. Tão logo entrou no escritório, o fotógrafo ali batendo noticias a repórter Cione Damásio e foi logo a perguntar por Armando  Viana. A moça então teve um susto e respondeu:
--- Que susto, desgraçado. Eu quase morro. Sei lá. Tá na Secretaria! Vou beber água. Vem sem a gente nem esperar. Ave! – declarou a moça tremendo de susto.
E se levantou para tomar um gole de água. Marta Rocha sorriu com o susto levado por Cione. Era a primeira vez ter avistado. E mesmo assim sorriu com o seu jeito de quem não que sorrir. Cione passou por Marta e indagou de momento.
--- É a nova repórter? – indagou Cione procurando o bebedouro para retirar um pouco de água
--- Sou. – respondeu Marta mais alegre por encontrar outra repórter na sala. O homem, Humberto, já havia saído com certeza, pois o rádio estava desligado.
--- É bom. A gente se diverte. Se bem não se ganhar muito, mas se diverte. – respondeu Cione.
--- Estou começando hoje. – sorriu  a moça meio acanhada.
--- Jura? Isso é bom! – respondeu Cione tomando um pouco de água.
--- (Eu) peguei uma ruma de coisa e vou ver o que faço! – sorriu Marta.
--- Polícia? – indagou Cione Damásio.
--- É. Eu estava sozinha aqui e o rapaz de levou com ele. – relatou  Marta.
--- Polícia é muito bom para se começar. Você desarna. Depois vem o mais pesado. Eu comecei com policia. – fez ver Cione.
--- Foi? Então eu acho que vou precisar de você? – relatou Marta acabrunhada.
--- Não tenhas duvidas. Nós estamos aqui para isso. – sorriu Cione voltando a sua maquina.
--- Onde se faz xixi? – indagou Marta com certo acanhamento.
--- Alí atrás. No corredor. Tem banheiro lá. – sorriu Cione apontando com o braço.
Após algum tempo, a moça Marta Rocha acabara de bater três laudas da matéria do Turco pensado no seu desempenho como repórter policial. E perguntou a sua colega de profissão já de saída o que ela achava do escrito. Cione olhou mais atenta e no final relatou estar bom. Faltava alguma coisa com respeito à mulher vítima: o nome completo, profissão, há quando tempo vivia com o turco, se ela fazia o “mundo”, há quando tempo. Coisas de menor interesse, porém necessárias. 
--- O que é fazer “o mundo”? – perguntou Marta assustada.
--- Puta. Mulher da Vida. Esses que fazem a vida a qualquer preço. Puta mesmo. – disse Cione a enrolar com o dedo o cabelo sem que nem mais.
--- Nossa! E como eu vou colocar isso aqui? – relatou Marta assustada.
--- Assim, ó. Deixa-me ver o texto que eu faço para você. – disse Cione Damásio.
Com a maestria de anos passados Cione Damásio reescreveu o que já estava escrito e pôs um pouco de malicia na noticia pondo sal nas palavras do delegado para ficar mais ardente e de bom gosto para o público leitor. Ao final ela pôs no texto um título da auspiciosa notícia para salvaguardar a matéria de Marta Rocha.
--- É assim que se faz. Agora ponha na mesa do Chefe de Reportagem e caia fora. – relatou Cione Damásio a sorrir.
--- Mas eu volto ainda hoje? – indagou Marta a sua colega de oficio.
--- Se quiser, volte. Ainda você tem de acertar o seu horário de trabalho. Eu trabalho pela tarde. Hoje, eu vim pela manhã somente porque o Governador tinha o que fazer. – proferiu Cione as artimanhas do oficio.
--- Ah! É assim, é? – perguntou Marta a sua colega.
--- É. Se não o chefe manda você de tarde e de noite. A Polícia tem só um expediente. Você pega tudo de uma só vez. E tem mais: escute radio. Ele tem repórter da rua. – relatou Cione.
--- É. Mas eu venho mais tarde para acertar o meu horário. – comentou sem jeito a nova foca.
Cione sorriu e as duas desceram as escadas tomando o rumo de suas casas. Mesmo assim, Cione ainda foi para o Bar de Augusta se despedindo da foca. A moça ainda fez uma pergunta:
--- Você vai para onde? – indagou meio assustada a moça Marta Rocha.
--- Cair na “vida”! – respondeu Cione com uma larga risada.
--- Nossa! Cair na “vida”? – desconfiou Marta do que disse a colega.
--- Quer ir também? -  Cione fez a pergunta enquanto andava depressa.
--- Eu não. Cair na “vida”? – suspeitou Marta do que dissera Cione.
À tarde, no escritório, Marta Rocha esperava pelo chefe de Reportagem para ouvir as suas impressões com respeito as suas matérias do Turco. O Chefe era o mesmo secretário do Governador, o jornalista Armando Viana. Ao cabo de algum tempo, de reler as matérias. Ele chamou a moça ao seu gabinete e lhe fez a tradicional pergunta:
--- Você fez essa matéria? – indagou Armando de olhos bem abertos e de cabeça abaixada.
A moça Marta Rocha ficou assombrada com o que terá de dizer a verdade e alguém por trás da sua cadeira foi logo dizendo.
--- Diz que fez! Não foi você mesma! Ora! Esse homem só pensa em derrubar. Tome as fotos do artista. – declarou Canindé com seu corpo um pouco gordo.
--- Fiz. Sim senhor. Eu fiz. – declarou Marta Rocha.
--- Muito boa a matéria. Parece.  ... – e Armando calou. Em seguida veio a combinar os horários de trabalho da moça.
Desse modo, Marta Rocha se sentiu empregada de vez no Jornal “A IMPRENSA”, não sendo mais preciso outros requisitos de plena necessidade para seguir em frente. Apenas a Carteira de Trabalho e o Registro eram ponto a ponderar. Com relação ao Registro, esse só teria validade se houvesse uma inspeção no jornal, órgão do Governo ou quase do Governo. De qualquer forma, se poderia justificar ter a moça Marta Rocha começado como aprendiz. E tal fato era o bastante. E, no dia seguinte, Marta Rocha já estava no balcão do delegado para saber das novidades. Ela acompanhada de Canindé fotógrafo, homem profissional na arte a foto apesar de sua sisudez e pouca conversa. Na sexta-feira, Armando estava no mercado da Cidade ouvindo o que os outros companheiros da manhã tinham a dizer certamente com relação às últimas ocorrências da noite e madrugada. Canindé também estava no local, com sua câmera a postos para toda e qualquer eventualidade. As conversas dos marmanjos giravam em torno do preço do açúcar, o qual não parava de subir constantemente.
--- É um horror!!! O preço está na hora da morte!!! – declarou um senhor de meia idade.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

DESEJO - 28 -

- Shirley Temple -
- 28 -
No dia seguinte, logo cedo da manhã, Marta Rocha estava a esperar abrir o escritório do jornal onde Armando Viana trabalhava. Aas lojas começaram a funcionar logo cedo. Um cheiro ocre de madeira invadia todo o local. Moças já estavam a espanar os estojos postos à venda nas prateleiras de algumas lojas de tal espécie. Rapazes suspendiam as portas dos armazéns de artigos mais pesados enquanto outros saíam a correr para fazer compras em alguma casa ao lado. Marta olhava tudo com divina esperança de começar a sua vez do trabalho. Um homem baixo chegou até o prédio de um andar e, sem dar bom dia, entrou como quem entra em sua casa. A moça olhou o homem e também não disse coisa alguma. De outra vez, um fotógrafo se aproximou da porta do primeiro andar. Vendo a moça escorada na parede, o fotógrafo, com sua câmera de lado, perguntou:
--- Espera alguém? – perguntou o fotografo de modo manso.
--- Sim, Parece que vou trabalhar aqui. – e disse isso sem sorrir.
--- Escritório de quem? – indagou o fotografo.
--- De um homem. Parece ser chamado de Armando. – respondeu a moça sem sorrir.
--- Entre. Eu também trabalho com ele. – sorriu o fotografo Canindé.
--- Ah bom. Assim é melhor. Já estava com medo de ter chegado muito cedo. – sorriu Marta.
--- Você é repórter? – indagou Canindé subindo as escadas.
--- Vou tentar ser. Eu estive ontem aqui e ele me pediu que viesse hoje de manhã. – respondeu a moça subindo as escadas seguindo o fotografo Canindé.
--- Ele me falou de você. – relatou Canindé dando um suspiro de alivio de tanta escada subir.
--- O senhor esteve com ele? – perguntou a moça assustada.
--- Agorinha cedo. Ele pediu para você esperá-lo. -  sorriu Canindé abrindo a porta do escritório
--- Tá bom. Vou esperá-lo. – falou a moça sem sorrir.
--- Entre. Pode entrar. Aquele, no rádio é Humberto. Humberto Patrício. Ele opera rádio. Só acredita no rádio. É telegrafista. Passa o dia no ti ta ti. – gargalhou de vez Canindé ao mostrar o homem.
A moça olhou para o homem do ti ta ti e esse nem se virou para lhe dar bom dia. Apenas comentou. O rádio estava ruim. Ele não podia sintonizar as estações do ti ta ti. Canindé comentou por fim:
--- Põe-nos 15. É melhor nesse horário. – comentou Canindé.
--- Só tem a Suiça e a de Mao. – lembrou Humberto sem tirar os olhos do rádio.
--- E em 20? – indagou Canindé ao ajeitar sua câmera.
--- Nada. É uma tempestade solar. – respondeu Humberto pondo o radio a operar.
--- O caso é esperar. - contestou Canindé com a sua câmera no ponto.
A moça Marta Rocha se sentou em uma cadeira desocupada e todas estavam desse mesmo jeito, então começou a esperar por Armando ao tempo em que olhava as revistas expostas no banco da sala. Canindé entrou no laboratório e antes de tudo chamou a atenção da jovem.
--- Espere aí. Se o telefone chamar, pode atender. Cuidado com esse velho. – e olhou para Humberto sorrindo.
Humberto não tinha descanso por conta do rádio. Aquele era um rádio imenso ligado a um sistema por ela desconhecido. O homem se virou de vez e disse a Marta não levar em conta a brincadeira do rapaz.
--- Ele é assim mesmo. Doido de jogar pedra na Lua. Você é a nova repórter? – indagou Humberto sem tirar os olhos do rádio.
--- Talvez. O homem disse que eu voltasse hoje. – falou Marta Rocha.
--- É bom. Profissão: repórter. – e deu uma leve risada.
Nesse instante o telefone tocou. A moça olhou para o telefone e Humberto nem se mexeu. Ela correu para atender. Ao telefone foi dizendo:
--- Pronto. – disse a moça.
--- Quem fala? – perguntou uma voz.
--- É do escritório do Jornal. – relatou Marta.
--- Onde anda Armando? – a voz perguntou.
--- Ele não chegou. -  relatou a moça.
Nesse momento, chegou Canindé e perguntou à moça quem estava a falar. Ela disse não saber, pois tinha atendido sem perguntar. Canindé tomou o telefone e ouviu quem falava.
--- Quem fala? Diga! É Canindé! – relatou o fotografo.
--- Ah. Bom. Canindé, o delegado Dagoberto tem noticia. É do Turco. Tá sabendo? – falou a voz ao telefone.
--- Sei. Sei. Estou descendo. Chego já. – e Canindé desligou o telefone.
O fotógrafo olhou para um canto e para outro. Apenas avistou a moça Marta. E perguntou:
--- Quer estrear? Pegue caneta e papel. Vamos para a delegacia. – falou com pressa Canindé.
A moça quase  sem jeito ainda perguntou:
--- E o senhor? Que faço? – indagou alarmada Marta.
--- Ora. Mande as favas. Você não é repórter? Vamos! – chamou em desespero o fotografo.
A delegacia ficava próxima do escritório do Jornal A IMPRENSA. Por isso mesmo eles foram a pé. No caminho o fotografo Canindé explicou a repórter o que ela precisava saber de inicio. Anotar nomes: do turco, da vítima, e do delegado de policia. O nome do delegado ela poria para dar ênfase a matéria, pois o delegado gostava de ver seu nome da imprensa. E outras coisas que Marta não soubesse, deixasse com ele, pois vinha acompanhado o caso há um bom tempo. Quase correndo, Canindé na frente e Marta mais atrás, enfim eles chegaram ao distrito policial do bairro. Com a câmera em punho Canindé foi logo perguntando ao soldado pelo delegado. Esse fez uma menção daquele que diz:
--- Lá dentro. – falou sem pronunciar o soldado.
--- Essa moça é repórter. – salientou Canindé para dar espaço a  Marta.
O soldado não disse nada. Ficou a olhar as mulheres do beco àquela hora da manhã. Eram as meretrizes. Todas. Sem nenhuma prova. E roupa bela para os audazes e malditos fregueses da noite. Amarelo, vermelho, azul e de toda cor existente. Marta ficou abismada com as mulheres mas não teceu maiores comentários. Ela entrou devagar e com muito medo onde somente as pernas tremiam. Com a caneta na mão não deixou de procurá-la na bolsa apesar de não estar mais em canto algum a não ser na sua mão. Papeis a caírem pelo chão e Marta a apanhá-los de repente. Homens a sorrir por qualquer coisa. Eram os repórteres de outros jornais. Todos eles combinavam a bebericar após o expediente do dia no Bar Augusta. Ela não sabia quem era a tal Augusta. E de momento Marta observava os repórteres policiais, homens já bastante feitos nas artimanhas do oficio.  Para não ficar desatenta por demais aproveito a oportunidade para acompanhar o fotografo até onde ele pudesse ir. E foi então ter descoberto a cela dos presos de alto risco. O fotógrafo fez as fotos de um homem barbudo e mal encarado, com certeza, o celerado aprisionado. Seu nome era Mustafá Bardhi. Foi assim que o carcereiro disse.
--- Mus. ...o que? – indagou assombrada a moça ao carcereiro.
--- Pergunte melhor ao delegado. Ele sabe dizer. – reprovou o carcereiro.
--- Ah bom. Eu vou aprender esses nomes. – respondeu a moça nervosa.
--- Mustafá. – respondeu Canindé a sorrir.
--- Mas eu não sei escrever por completo. – declarou Marta ao fotógrafo.
--- Tá bom. Pegue com o delegado. É assim que se aprende. – declarou Canindé a sorrir.
--- E onde pegaram o homem? – perguntou Marta ao repórter fotográfico.
--- Ele já vinha sendo sondado há muito tempo pela Polícia. – sorriu Canindé ao tirar novas fotos do homem assassino.
--- Vinha sendo o que? – estranhou a moça querendo saber mais.
--- Deixa pra lá. Depois eu te explico. – falou Canindé de modo sério.