- Shirley Temple -
- 19 -
Após o café matinal repleto de queijo, ovos, macaxeira, muito leite de vaca, pães de forma entre outras comidas, Norma convidou Armando Viana para seguirem até a choupana da velha e senhora dona Carmozina. Quem recebeu à porta do casebre foi dona Cantídia, mulher do pescador índio Mulato cujo nome verdadeiro era José Passo. Cantídia cumprimento Norma. Ela Olhou bem o rapaz acompanhante e teve um calafrio. Em seguida Cantídia caminhou para dentro da choupana até onde a velha índia estava sentada na rede fumando cachimbo, com seus cabelos todos brancos, olhos miúdos, pele enrugada, braços finos e bem amuquecada. O barraco era por demais simples com poucas coisas a se notar. Norma teve o convite de se sentar em um tamborete de três pernas enquanto o rapaz ficou em pé. A mulher de meia idade dona Cantídia olhou por mais o rapaz e se largou para fora do casebre. A velha Carmozina foi quem puxou um tamborete para o moço sentar.
--- Pode se abancar. Não tenha cerimônias da velha índia. – sorriu bem de mansinho a índia.
--- Agradecido. – respondeu Armando procurando se sentar no tamborete de três pernas.
--- Como vai a vida por onde você tem andado? – indagou com voz rouca a velha índia.
--- Pela cidade vai tudo bem. Eu vim passar o fim de semana na casa grande. O homem trouxe o leite logo cedo da manhã. Eu nem vi quem trouxe. De qualquer jeito, ele trouxe. São as vacas do cercado do meu pai herdadas do meu avô e vindas do meu bisavô. – sorriu a moça a contar tanta estória.
--- Na certa foi Rocha, o homem. – sorriu a velha para a moça.
--- Deve ter sido. Eu nem vi. Estava tudo guardado na porta de frente o casarão. – respondeu a moça de modo a tranqüilizar a velha índia.
--- E o que é que a menina me trás? – indagou Carmozina sem tirar a vista do rapaz.
--- Primeiro a sua benção. E depois lhe trazer uns presentes. Feito isso, eu vim saber de uma coisa acontecida na madrugada no interior do casarão. – falou Norma temerosa.
--- O que foi que houve minha filha? O que foi? – indagou um pouco com a sua voz baixa.
--- É o seguinte: esse é meu noivo. Amando Viana. Ele disse ter ouvido uns passos de gente durante a noite lá dentro do casarão. Posso jurar: lá não havia viva alma. Eu verifiquei tudo e estava tudo trancado. E agora eu vim saber da senhora o que pode ter sido os passos por ele, meu noivo, ouvidos. – respondeu Norma inquieta.
--- A menina quer saber mesmo? – indagou a velha índia com a sua baixa voz.
--- Quero sim, se foi alguém do outro mundo! – destacou Norma tremendo de medo.
--- Menina. Muita coisa acontece pelo casarão. Quase todo o dia acontecem coisas. Eu mesmo até vejo os homens que já passaram dessa vida a aparecer pelas redondezas do casarão. O que houve hoje não foi nada além de uma visagem de seu bisavô. Ele vem todos os dias para ver o cercado. Ele está ainda no mesmo lugar dos seus antepassados. Ele vive menina. Ele vive! – respondeu a velha índia Carmozina.
--- Vive? Ele está vivo? Como isso se dá? – falo assombrada de olhos regalados a moça.
A velha índia Carmozina sorriu baixo embalando-se na rede para um lado e para o outro e calou por alguns instantes. Após breve momento, falando como se dissesse estar a ouvir de outra voz a velha índia falou bem baixinho.
--- Sabe quem está aqui? Sabe? Quer saber? – perguntou a velha em tom baixo.
--- Sim Quero. Diga pra mim! – respondeu Norma com muita ansiedade por saber.
--- Menina! Se eu disser a menina vai cair de medo! – sorriu muito baixo a velha índia.
--- Pode dizer. Eu me seguro nos trancos! – falou Norma para Carmozina.
--- Teu bisavô, minha filha. Teu bisavô. – respondeu a velha índia e sorriu.
Naquele instante, Norma Vidigal não agüentou e caiu de susto. A velha índia Carmozina chamou sua nora o mais depressa possível para que a mulher trouxesse umas ervas aromática e ajudasse a fazer um chá para por na boca da moça em desmaio. E tudo se fez em tempo breve de modo a Norma Vidigal tornar. O rapaz também, assombrado, fez massagens no pulso de sua namorada. Ele soprou-lhe por varias e incontáveis vezes o ar nos pulmões de Norma. E batia-lhe na face como forma de recobrar o sentido da moça plenamente desacordada. Em seguida veio Cantídia a nora da velha índia, trazendo-lhe erva e o chá para esfregar o coração da jovem e por na cerrada e exangue boca para lhe fazer voltar à consciência plena. Em certa oportunidade, Cantídia olhou a cara do rapaz Armando Viana e fez sua cara amarga e terrível. Porém, nenhuma palavra lhe saiu da boca naquele instante. Por seu turno, Armando estava e esfregar o pulso de Norma na tentativa de fazê-la recobrar a consciência. A par de certo tempo, Norma recobrou os sentidos muito vagarosos e se viu ao lado do seu amante. Então e velha índia Carmozina benzeu em cruz a face da jovem moça e recitou oração muito calada em linguagem só por ela entendida. Ao final da reza a mulher índia gritou baixo:
--- Vai-te pras ondas do mar sagrado mal amaldiçoado. – falou a velha atirando para longe a porção de ervas.
O dito pela índia em sua reza ficou em segredo. Apenas a velha sabia o significado de tudo. Norma Vidigal ao tornar apenas indagou o nome do seu bisavô, Coronel Epaminondas Vidigal, o velho, como se estivesse ao seu lado por breves momentos. A velha índia escutou por mais uma vez uma aparente voz somente por ela ouvida na qual recomendava algo não muito preciso aos ouvidos de Armando Viana. O rapaz preocupado teve apenas cuidado em amparar a sua prometida nubente.
--- Já passou. – falou a velha índia para tranqüilizar a ambos.
--- Assim espero. – respondeu baixinho o rapaz.
--- O que houve? – indagou a moça ao seu namorado.
Já estavam passados alguns minutos quando Norma voltou aos seus sentidos normais. Ela olhou para a velha índia e retornou a ver o seu namorado. Nada pode dizer no momento. Algum instante depois se recobrou e pensou no seu sentido. E se lembrou do dizer da mulher. Era ali onde estava o seu bisavô. Norma então recordou do velho Coronel. Se bem soubesse, o Coronel Vidigal havia morrido há tempos. Naquele momento a índia lhe falou dele. Então, Norma quis saber se os mortos ainda vivem. A velha índia sorriu.
--- Não existem mortos. Eles desaparecem como por encanto. Você não vê mais o seu bisavô. Mas ele a vê. Ele não morre nunca. Pense nisso. – declarou a velha índia a sentar na tipóia.
--- Quer dizer que meu bisavô esta vivo? – indagou alarmada a moça.
--- Ele vive. Os homens daqui sempre viram o Coronel. E mesma sempre o vejo. Quase sempre ele passa a cavalo por essas terras que são dele. – relatou a velha índia a sorrir.
--- Nossa! Meu Deus! A gente então só reza para um morto e ele não está? – indagou Norma assustada por demais.
--- Minha filha. Os que passaram há certo tempo, eles mesmos ficam aqui. Quando eu olho lá pra fora vejo um monte de gente. Índios, caboclo, vaqueiro, jagunço. Todos eles. – fez um riso a velha índia.
--- Quer dizer que não se deve rezar para os mortos? – perguntou por saber a moça.
--- Ninguém está morto. Todos nós somos vivos. Alguns partem para terra distante. Outros costumam pescar. Nem todos ficam no mesmo lugar. Eles voltam para lugares distantes. Bem distantes, - revelou a velha índia Carmozina.
--- Meu Deus!!! Eu nunca vou morrer? – indagou a moça de forma surpreendida.
A velha índia sorriu e calou por certo tempo. Parecia estar a escutar a alguém a lhe falar certa coisas obscuras. E ela não poderia dizer tudo o que lhe revelavam os espíritos de índios. Tudo era sigiloso para os vivos enquanto vivos. A velha fez um comentário em uma língua tupy, caso nunca observado por Norma Vidigal. Por isso, a moça nada entendeu. E nem Armando Viana também. O rapaz estava alheio a tudo aquilo. Nada ouvia dizer para ele. Apenas queria saber um pouco mais do que a velha dizia. Naquele instante, Cantídia, nora de Carmozina, passou por perto do rapaz e fez algo para a velha como querendo dizer ter o rapaz um espírito do “mau” em seu poder. A velha entendeu o recado dado. E voltou-se para Armando fazendo um sinal para conversar com ele.
--- Meu filho. Deixa-me ver a tua mão. – falou de modo firme a velha índia.
Armando não entendeu bem o que se passava naquele momento e fechou a mão incontinente com se preservasse um enorme segredo.
--- Deixa-me ver filho! – falou clara a velha índia Carmozina.
--- E o que tenho a ver com tudo isso? – respondeu Armando alarmado.
--- Deixa-me ver, filho! – respondeu a velha índia pacientemente.
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