- Bruna Linzmeyer -
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Armando Viana pouco entendeu daquele pedido da anciã. Mesmo assim, relutante, olhando para Norma, resolveu de pronto entregar-lhe a Mao direita guardando em segredo a mão esquerda toda trancada. A anciã ao tomar a mão direita do rapaz fez uma rápida observação. O caso foi tão surpreendente e nem mesmo Norma percebeu o que a índia anciã vira de tão importante.
--- Abra a sua mão esquerda, meu filho! – relatou a anciã ao pressentir ter o rapaz guardado a mão esquerda de forma a trancar as forças tidas por ele. E então o moço abriu a mão esquerda
O rapaz começou a suar por todos os seus poros. E passado um breve instante, ele quis puxar a mão para saber de qual modo a mulher estava a estudar o seu destino. Porém, com uma fricção da anciã na palma de sua mão, ele enfim relaxou e deixou à anciã a procura do segredo nunca dantes revelado na palma de sua mão direita. A anciã índia olhou para a mão do rapaz por alguns instantes e em seguida Armando perguntou:
--- O que a senhora viu na minha mão? – indagou o rapaz suando frio.
A anciã sorriu levemente e olhou bem para o rapaz. Nada ele respondia a anciã. Porém a velha índia lhe deu um recado cujo teor ele já sabia desde o sábado passado.
--- Meu filho. Alguém está a sua procura. Não de apresse. Está dito aqui. – e a vela índia soltou a mão de Armando. E esse a guardou com cuidado.
--- Só pode ser Canindé. Ele não me vê desde ontem. – respondeu Armando a sua namorada.
A moça então sorriu com o desespero do rapaz. E respondeu, enfim:
--- Acalme-se. Amanhã você tem o dia todo. – respondeu a moça a sorrir de leve.
Com o passar de instantes, Norma recordou coisas acontecidas. Ela era menina e estava a pescar no rio Doce com o seu bodoque. Era manhã e fazia calor. Sol de oito horas. Ela, o seu bodoque e umas flechas em um saco de pano. Norma sempre a procurar piabas para matar. Um susto tremendo. Ela foi tocada por um pescador. Mulato era o seu nome. O homem índio falou para Norma:
--- O que estás a pescar? – indagou Mulato, filho de dona Carmozina, a índia da aldeia.
A menina se assombrou e quis correr. O homem atalhou a fuga. E perguntou de novo:
--- Que estás a pescar? – falou serio o índio.
--- Nada não! – respondeu Norma para o índio.
--- Como nada não? Isso é uma arma. É igual a uma pistola, a um machado, uma foice, um tacape. Ouviu curumim! – falou bravo o homem para ser entendido.
--- Sim senhor. – respondeu Norma tremendo de medo.
--- Venha cá que eu vou te mostrar. – seguiu o homem para quase a metade do rio Doce.
E a menina, ainda com temor, seguiu o índio tanto cabisbaixo. Os dois entraram na água e uma vez o índio Mulato repetiu para a menina.
--- Está vendo isso aqui? É uma arma! Qual o peixe que você quer? – indagou o índio de olhos bem abertos.
--- Só pescava piabas! – respondeu a menina de forma angustiada.
--- Piaba não se pesca. Só se pesca peixe para comer. Veja como eu faço! – e o índio procurou um peixe grande e fisgou com uma única flechada.
Ele então puxou a flecha e atirou para cima deixando o peixe além da margem do rio Doce. Foi tudo tão depressa e a menina não teve nem a oportunidade de ver o peixe fisgado.
--- Vá lá! Pegue o peixe! – falou o índio para a garota.
--- E onde está? – perguntou Norma aturdida pela ação do pescador.
--- Na mata. Vá lá pegar. Rápido! – falou o índio com franqueza.
E a menina correu até à margem do rio onde encontrou depois de intensa procura o peixe ainda vivo a se sacudir com uma flechada em seu corpo espinhoso. O índio também estava por perto e ainda mostrou como se atira a flecha para cima. Ele mostrou uma debandada de patos do mato, mirou no que desejava acertar, atirou e pegou o pato a cair no solo. Em seguida indagou da menina.
--- Está vendo pra que serve a flecha? Para matar! Bichos, pássaros e mesmo os inimigos. Leve esse peixe para a sua casa. O pato eu mesmo frito. – sorriu o índio, nu de cintura para cima.
E os dois saíram em busca de casa. A menina jamais esquecera aquela lição. Certa vez, ela topou com um garoto. Esse empunhava um revolver e dizia:
--- Olha que meu pai tem? – disse o garoto sorrindo.
Norma partiu para cima do garoto e lhe tomou a arma. Deu-lhe uma lição de não pegar mais em armas, pois aquilo era para o adulto. Não era brincadeira de menino.
--- Isso é uma arma seu merda. Uma arma!! – vociferou a mocinha a tomar o revolver do garoto e partir para a casa onde guardou o revolver.
--- Me dê o revolver! Me dê o revolver! – gritava o garoto com medo da surra do seu pai.
--- Mande o seu pai vir buscar. – e estirou a língua para o garoto.
Tais virtuais acontecimentos Norma Vidigal após quase meia hora de estada, ela contou a anciã Carmozina, descendente de índio na presença de sua nora Cantídia, uma morena quase branca, casada com José Passo, o Mulato, filho da anciã Carmozina. Depois de tanto tempo, Norma Vidigal tinha comparecido ao casebre a anciã para buscar certas informações a respeitos de pisadas no seu casarão. E ali foi recordado ter sido o nome dado pelo Coronel Vidigal ao antigo casarão de “Mundo Velho”. No passado, o Coronel tinha outras mansões uma das quais os de “Solidão”. Essa mansão fora, com o tempo apagado e nada além restava nas cercanias. Para se chegar ao cercado da “Solidão” tinha de se percorrer a cavalo muitas léguas, horas e mais horas. No tempo do Coronel, o casarão era a sua moradia. Quando era tempo de inverno, com relâmpagos e trovões para todos os lados, o velho Coronel Vidigal, de barbas longas, rumava em direção de seu casarão da praia onde Norma passara o tempo de sua vida. A outra fazenda, ela não conhecera. Porém sempre ouvira dizer ser um casarão soberbo. As terras do velho Coronel se perdiam de vista indo para além de três dias de viagem. Em certa ocasião, quando Norma Vidigal voltara para o seu “Mundo Velho” entrou em uma conversa paralela. Armando desconhecia o sentido do fato. Ela falou de divisão de terras. E disse ainda ser nessa divisão o poder dos senhores de engenho ou de gado. Seu bisavô era dono de uma esteira de gado para além de cinquenta mil cabeças. Todos os anos ele levava para os barcos vindos da Europa, atravessando rios, lagoas e terras secas.
--- Você sabe quem governa as terras? – indagou Norma ao namorado.
--- O Governo. É claro! – respondeu Armando com olhos atentos.
---E quem manda no Governo? – indagou novamente a moça.
--- Quem manda? O partido! Ora! – contrapôs Armando.
--- Você está enganado. O Governo, muito embora sendo eleito em escrutino, ele é mandado por uma camarilha. O País é dividido em Estados, E os Estados são divididos em grupos. Quatro no máximo. Mas esses países se incorporam em nações mandadas por quatro senhores. Esses senhores mandam e desmandam nos países. Há os pobres, os mais ou menos e os poderosos. Esses poderosos, onde não se inclui o Brasil, mandam em todos os outros, inclusive o Brasil. Essa é uma máquina perigosa. O mundo obedece a um grupo de quatro homens. Não se pode dizer ser a America do Norte, ser a Inglaterra ou mesmo a Suiça. Eles estão no mesmo barco. Os homens decidem aquilo de se fazer. Petróleo, carne, algodão, entre outros implementos. O Brasil de antigamente quem mandava na região era o Coronel e mais duas pessoas. E hoje, quem manda é a política feita por três ou quatro pessoas. Não pense que você ganha da Loteria por que tem sorte. Você ganha porque alguém quer. Isso quer dizer ser o Governo dessa joça aquele a ser mandado por um Coronel. Tais Coroneis ainda existem. Ganha aquele filho dos Coroneis. Ou seja: os serviçais. – comentou por fim Norma Vidigal.
--- Não creio nisso! – falou o jovem Armando combatendo a moça.
--- Pois fique na ilusão de menino. – respondeu Norma com austeridade.
Logo após o casal estava na praia onde o banho de mar era o melhor de tudo o que podia a haver. As ondas chegavam e marulhavam na areia. Na praia quase não havia viva alma, salvo uns garotos filhos de pescadores. Seus pais eram herdeiros dos seus avôs. A rede de pesca a balançar ao sabor do vento, enfiada nos paus de dois metros pegando o sol de primavera. Os nautas se ondulavam longe no sabor do apanhar o novo pescado. Eram vario destes nautas a apanhar o peixe. A criançada a brincar de se esconder por entre os paus, era o que mais havia. Norma Vidigal era mais uma a mergulhar nas ondas para o orgulho do seu amante. Uma vez ou outra ela gritava:
--- Vem pra cá. Vem! – sorria Norma a chamar o seu amado.
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