- Rosanne Mulholland -
- 18 -
À noite, os dois sentados na sala de visita e a moça Norma a conversar tranqüila a respeito do velho Homero, um homem dos seus oitenta anos. Norma contou em rápidas passagens tudo o saber de seu Homero. Conforme Norma pode se lembrar, o velho era de suma inteligência. Mesmo não tendo sido do tempo do seu bisavô, ela pôs-se a encantar com suavidade as verdades relatadas pelo mestre Homero, homem de profundo saber. E certa vez ele relatou algo surpreendente. No seu tempo ou bem antes, pessoas “viram” o coronel Vidigal no alto do penhasco olhando o mar. Isso acontecera muito tempo depois do velho coronel ter morrido, conforme relato do próprio Homero. Disse o velho ter jamais visto qualquer visagem do velho Coronel. Mesmo assim, tinha conhecimentos de pessoas videntes. O Coronel Vidigal era visto soberbo e altaneiro, com a barba alongada, como o homem deixara crescer para dar maior imponência ao seu título de Coronel. Ele vestia uma capa muito usada na sua época. Quem viu o Coronel nunca esqueceu. Mesmo aqueles desconhecidos. Essas pessoas diziam apenas ter visto um homem gigante no penhasco a olhar o mar. Isso era sempre por volta da meia noite.
--- São negócios que eu hoje não creio. Mesmo assim, quando criança, o homem, um velho de oitenta anos contou a mim toda aquela aventura, eu tremi de medo. Juro por Deus. Eu até pensava ser o velho uma reencarnação do meu bisavô. Ele falava forte como um trovão. Talvez fizesse como meu bisavô. Ele era todo metido em uma capa escura. Contudo, o tempo passou e o velho veio a óbito. Ele foi um vaqueiro do meu avô. Morava sozinho numa cabana. Quando já era velho demais. – relatou Norma Vidigal um tanto assustada.
--- E o seu pai o que dizia? – indagou Armando preocupado.
--- Nada. Ele não sabia de ter ido à cabana do velho. Na verdade, o cercado do meu bisavô tomava grande área. Era de não se ver o fim. Aqui na praia, ele tirava para fazer negócios ou mesmo repousar. Já velho, meu bisavô sempre dizia:
--- Esse casarão não se vende! – falava o coronel Vidigal em voz firme.
--- Por isso seu pai não vende? – indagou o rapaz um pouco preocupado.
--- Não. Nem ele, nem minha mãe, nem eu, nem minhas irmãs. – falou Norma deitada no colo de Armando.
--- Quantas irmãs você tem? – perguntou o rapaz.
--- Somos três: Norma, que sou eu, a mais nova; Newma, a de mais idade, casada; e Noêmia, a do meio, também casada. – sorriu a mais nova das irmãs.
--- Só mulher? – quis saber Armando.
--- Só. Dois meninos morreram quando novos. Eles seriam mais velhos que eu. – sorriu Norma a olhar a cara de Armando.
--- Cinco filhos. – respondeu pensativo o rapaz.
--- Teve mais quatro abortos. – sorriu a moça.
Depois da meia noite Armando Viana dormia em uma bela e bem fornida cama de madeira de tempos remotos ao lado de Norma Vidigal. E foi então, no silencio da noite, ao soar as ondas na beira-mar remexendo a areia que o homem despertou perfeitamente assombrado com um ruído no interior da mansão. No começo ele olhou para a moça e a viu dormir como um anjo. Por isso não atentou chamá-la para coisa alguma. A lâmpada iluminava meio quarto com uma luz branda. Armando olhou em volta para ver de onde pudera vir o ruído e nada pode decifrar. Era um barulho surdo de sapatos de couro a pisar com um solado rangedor. Ele ouviu rápido quando acordou do seu sono profundo. Bem poderia ser alguém ao chegar a casa em hora bastante adiantada. Ou então, ratos ou morcegos. Porém para um animal de tão pequeno porte aquele era um barulho bastante grave, surdo e de tamanha agitação. O rapaz escutou por mais alguns instantes, e o barulho cessou por completo. Era mais ou menos da direção da sala de jantar. Por isso, Armando atinou para alguém da casa grande. Após passar algum tempo na esperança de adormecer de novo, Armando plenamente adormeceu acordando apenas à luz do sol da manhã cedinho quando Norma se contorceu na cama ao fazer:
--- Hum! Que sono! Tenho vontade de dormir. – disse Norma de forma preguiçosa.
O rapaz olhou para a moça desnuda e a cobriu com um lençol. Ao passar de alguns minutos, o homem teceu um breve comentário a respeito do ruído acontecido em plena meia-noite ou mais ou menos. Norma estava querendo dormir novamente e acordou de vez com as palavras do moço.
--- Ruído? Que ruído? Não teria sido um gato? – fez perguntar a moça de modo surpresa.
--- Não. Não foi um gato. O ruído terminou na sala de jantar. E parecia ser de alguém com sapatos de couro com saltos e tudo. – respondeu Armando com certo temor.
--- NOSSA!!! Mas ninguém vem dormir aqui! – comentou Norma atordoada.
--- Pode ter sido alguém que esquecera alguma coisa no dia passado. – respondeu Armando procurando tranqüilizar a moça.
--- Mas ninguém vem mesmo aqui!!! – disse alarmada a jovem Norma.
--- Gato não foi. Era pisada de gente. Eu juro que era. – alarmou o rapaz.
--- Estás me fazendo medo ou é verdade? – indagou preocupada Norma Vidigal.
--- Sério. Rangido de sola e de salto de sola. Dos grossos. Eu digo o que ouvi! – falou um tanto assombrado o rapaz.
--- Meu Deus do Céu. Agora deu! Você não sai daqui mais! – reprovou a moça.
--- Ora não saiu. Eu vou me levantar e ver se na sala se deixou alguma coisa! – respondeu de pronto Armando temendo o que podia ser.
--- Vou também! Espera!!! – se vexou a moça cobrindo o corpo com um penhoá.
Com um pouco de tempo os dois amantes saíram para a sala de jantar. Ela acanhada toda, se cobrindo pelas costas do rapaz. E esse, com medo até, foi seguindo devagar em direção a sala onde ouvira com certeza os passos terminar. Na sala de janta aonde eles chegaram a poucos momentos tudo estava em ordem. Tudo ali estava arrumado com presteza. Norma servira o jantar da noite e guardara todos os utensílios em seus locais. Nem um arranhão para se notar. Nem mesmo na geladeira a gás havia qualquer negocio. Mesmo depois de abrir a geladeira e examinar o seu interior, Norma não notou qualquer anormalidade. Tudo estava pronto. E até mesmo no guarda-louça tudo estava coberto com panos como a moça colocara. Não mais temendo, Norma foi até a cozinha e olhou os quatro cantos. Ali tudo estava em perfeita ordem como a moça deixara na noite anterior. O casal saiu da cozinha e foi até a porta do quintal onde Armando pode ver uma velha construção, certamente à construção paupérrima para os escravos dormirem naquele local. Ele nada perguntou. Olhou e calou. Norma depois de abrir a porta não notou nada desigual onde até havia batente para descer ao rés do chão.
--- Estranho! Nada de anormal! – argumentou a moça alarmada.
--- É. Pode ser. Mas eu ouvi o passar de uma pessoa quarto afora. – respondeu Armando muito baixo.
--- Vamos ao quarto das moças. Pode haver algum sinal. – respondeu Norma Vidigal.
No quarto fechado ela abriu com força para olhar tudo existente por entre as camas das moças quando eram meninas. Ao chegar ao local, Norma abriu a janela pesada feita de madeira bem acabada e fechada com uns ferrolhos de tranca, longos, dando da ponta de baixo a de cima. Para abrir o ferrolho a moça teve de fazer uma força enorme, pois a ferrugem estava a comer o metal de bronze.
--- Puxe aqui, amor! – pediu a moça a Armando.
Esse, de imediato sacudiu com força o ferrolho de tranca até soltá-lo de vez. E pela força que fez logo viu ter nada a abrir a janela enorme. Então, o casal foi até a porta de entrada de o casarão verificar se algo de estranho tinha ocorrido na parte da noite. A porta de dupla face ainda estava trancada com Norma deixara na noite anterior. Nem a porta ou nenhuma janela fora aberta pelo lado de fora. E mesmo se alguém estivesse pelo lado de dentro da casa grande também não ousara tocar em nenhuma tranca.
--- Você ouviu mesmo o barulho, querido? – indagou Norma apavorada com a certeza do rapaz
--- Ouvi! Não estou dizendo? Eu ouvi um barulho de sapato de sola a andar pela casa até chegar à sala de jantar. – tremeu de medo o rapaz ao dizer tal fato.
--- Sei não. Só tem uma coisa a ser feita: falar com dona Carmozina! – falou a moça tremendo de medo por causa da aparição da noite.
--- Quem é Carmozina? – quis saber Armando a tremer de medo.
--- Uma velha. Ela é descendente de índios. É muito respeitada por essas bandas. Seu avô foi um índio terrível. Serviu aqui na fazenda quando era do meu avô. O pai desse índio era também índio e serviu ao meu bisavô. Era chamado de “Flecha”. Ela tem um filho índio já bem velho. Porém mais novo que sua mãe, é claro. – respondeu Norma a tremer os dentes.
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