- Shirley Temple -
- 28 -
No dia seguinte, logo cedo da manhã, Marta Rocha estava a esperar abrir o escritório do jornal onde Armando Viana trabalhava. Aas lojas começaram a funcionar logo cedo. Um cheiro ocre de madeira invadia todo o local. Moças já estavam a espanar os estojos postos à venda nas prateleiras de algumas lojas de tal espécie. Rapazes suspendiam as portas dos armazéns de artigos mais pesados enquanto outros saíam a correr para fazer compras em alguma casa ao lado. Marta olhava tudo com divina esperança de começar a sua vez do trabalho. Um homem baixo chegou até o prédio de um andar e, sem dar bom dia, entrou como quem entra em sua casa. A moça olhou o homem e também não disse coisa alguma. De outra vez, um fotógrafo se aproximou da porta do primeiro andar. Vendo a moça escorada na parede, o fotógrafo, com sua câmera de lado, perguntou:
--- Espera alguém? – perguntou o fotografo de modo manso.
--- Sim, Parece que vou trabalhar aqui. – e disse isso sem sorrir.
--- Escritório de quem? – indagou o fotografo.
--- De um homem. Parece ser chamado de Armando. – respondeu a moça sem sorrir.
--- Entre. Eu também trabalho com ele. – sorriu o fotografo Canindé.
--- Ah bom. Assim é melhor. Já estava com medo de ter chegado muito cedo. – sorriu Marta.
--- Você é repórter? – indagou Canindé subindo as escadas.
--- Vou tentar ser. Eu estive ontem aqui e ele me pediu que viesse hoje de manhã. – respondeu a moça subindo as escadas seguindo o fotografo Canindé.
--- Ele me falou de você. – relatou Canindé dando um suspiro de alivio de tanta escada subir.
--- O senhor esteve com ele? – perguntou a moça assustada.
--- Agorinha cedo. Ele pediu para você esperá-lo. - sorriu Canindé abrindo a porta do escritório
--- Tá bom. Vou esperá-lo. – falou a moça sem sorrir.
--- Entre. Pode entrar. Aquele, no rádio é Humberto. Humberto Patrício. Ele opera rádio. Só acredita no rádio. É telegrafista. Passa o dia no ti ta ti. – gargalhou de vez Canindé ao mostrar o homem.
A moça olhou para o homem do ti ta ti e esse nem se virou para lhe dar bom dia. Apenas comentou. O rádio estava ruim. Ele não podia sintonizar as estações do ti ta ti. Canindé comentou por fim:
--- Põe-nos 15. É melhor nesse horário. – comentou Canindé.
--- Só tem a Suiça e a de Mao. – lembrou Humberto sem tirar os olhos do rádio.
--- E em 20? – indagou Canindé ao ajeitar sua câmera.
--- Nada. É uma tempestade solar. – respondeu Humberto pondo o radio a operar.
--- O caso é esperar. - contestou Canindé com a sua câmera no ponto.
A moça Marta Rocha se sentou em uma cadeira desocupada e todas estavam desse mesmo jeito, então começou a esperar por Armando ao tempo em que olhava as revistas expostas no banco da sala. Canindé entrou no laboratório e antes de tudo chamou a atenção da jovem.
--- Espere aí. Se o telefone chamar, pode atender. Cuidado com esse velho. – e olhou para Humberto sorrindo.
Humberto não tinha descanso por conta do rádio. Aquele era um rádio imenso ligado a um sistema por ela desconhecido. O homem se virou de vez e disse a Marta não levar em conta a brincadeira do rapaz.
--- Ele é assim mesmo. Doido de jogar pedra na Lua. Você é a nova repórter? – indagou Humberto sem tirar os olhos do rádio.
--- Talvez. O homem disse que eu voltasse hoje. – falou Marta Rocha.
--- É bom. Profissão: repórter. – e deu uma leve risada.
Nesse instante o telefone tocou. A moça olhou para o telefone e Humberto nem se mexeu. Ela correu para atender. Ao telefone foi dizendo:
--- Pronto. – disse a moça.
--- Quem fala? – perguntou uma voz.
--- É do escritório do Jornal. – relatou Marta.
--- Onde anda Armando? – a voz perguntou.
--- Ele não chegou. - relatou a moça.
Nesse momento, chegou Canindé e perguntou à moça quem estava a falar. Ela disse não saber, pois tinha atendido sem perguntar. Canindé tomou o telefone e ouviu quem falava.
--- Quem fala? Diga! É Canindé! – relatou o fotografo.
--- Ah. Bom. Canindé, o delegado Dagoberto tem noticia. É do Turco. Tá sabendo? – falou a voz ao telefone.
--- Sei. Sei. Estou descendo. Chego já. – e Canindé desligou o telefone.
O fotógrafo olhou para um canto e para outro. Apenas avistou a moça Marta. E perguntou:
--- Quer estrear? Pegue caneta e papel. Vamos para a delegacia. – falou com pressa Canindé.
A moça quase sem jeito ainda perguntou:
--- E o senhor? Que faço? – indagou alarmada Marta.
--- Ora. Mande as favas. Você não é repórter? Vamos! – chamou em desespero o fotografo.
A delegacia ficava próxima do escritório do Jornal A IMPRENSA. Por isso mesmo eles foram a pé. No caminho o fotografo Canindé explicou a repórter o que ela precisava saber de inicio. Anotar nomes: do turco, da vítima, e do delegado de policia. O nome do delegado ela poria para dar ênfase a matéria, pois o delegado gostava de ver seu nome da imprensa. E outras coisas que Marta não soubesse, deixasse com ele, pois vinha acompanhado o caso há um bom tempo. Quase correndo, Canindé na frente e Marta mais atrás, enfim eles chegaram ao distrito policial do bairro. Com a câmera em punho Canindé foi logo perguntando ao soldado pelo delegado. Esse fez uma menção daquele que diz:
--- Lá dentro. – falou sem pronunciar o soldado.
--- Essa moça é repórter. – salientou Canindé para dar espaço a Marta.
O soldado não disse nada. Ficou a olhar as mulheres do beco àquela hora da manhã. Eram as meretrizes. Todas. Sem nenhuma prova. E roupa bela para os audazes e malditos fregueses da noite. Amarelo, vermelho, azul e de toda cor existente. Marta ficou abismada com as mulheres mas não teceu maiores comentários. Ela entrou devagar e com muito medo onde somente as pernas tremiam. Com a caneta na mão não deixou de procurá-la na bolsa apesar de não estar mais em canto algum a não ser na sua mão. Papeis a caírem pelo chão e Marta a apanhá-los de repente. Homens a sorrir por qualquer coisa. Eram os repórteres de outros jornais. Todos eles combinavam a bebericar após o expediente do dia no Bar Augusta. Ela não sabia quem era a tal Augusta. E de momento Marta observava os repórteres policiais, homens já bastante feitos nas artimanhas do oficio. Para não ficar desatenta por demais aproveito a oportunidade para acompanhar o fotografo até onde ele pudesse ir. E foi então ter descoberto a cela dos presos de alto risco. O fotógrafo fez as fotos de um homem barbudo e mal encarado, com certeza, o celerado aprisionado. Seu nome era Mustafá Bardhi. Foi assim que o carcereiro disse.
--- Mus. ...o que? – indagou assombrada a moça ao carcereiro.
--- Pergunte melhor ao delegado. Ele sabe dizer. – reprovou o carcereiro.
--- Ah bom. Eu vou aprender esses nomes. – respondeu a moça nervosa.
--- Mustafá. – respondeu Canindé a sorrir.
--- Mas eu não sei escrever por completo. – declarou Marta ao fotógrafo.
--- Tá bom. Pegue com o delegado. É assim que se aprende. – declarou Canindé a sorrir.
--- E onde pegaram o homem? – perguntou Marta ao repórter fotográfico.
--- Ele já vinha sendo sondado há muito tempo pela Polícia. – sorriu Canindé ao tirar novas fotos do homem assassino.
--- Vinha sendo o que? – estranhou a moça querendo saber mais.
--- Deixa pra lá. Depois eu te explico. – falou Canindé de modo sério.
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