- Fernanda Machado -
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Contente e satisfeito Armando Viana se sentia o máximo no volante do automóvel apesar de apenas se deslocar uns poucos metros. Mesmo assim, já era muito para quem não sabia de nada em qualquer coisa. E da velha estrada, eles rumaram para o casarão “Mundo Velho”, verdadeiro palácio acabado pelo tempo. Mesmo assim, o “Mundo Velho” ainda resistia a todas as intempéries graças a força empregada pelo seu novo dono tabelião Teodomiro Vidigal. Com o passar dos anos, a ocupação fico a cargo tão somente da sua filha Norma Vidigal, única que demonstrava algum interesse na conservação do sitio. Uma vez chegados os dois amantes buscaram levar para a mansão os objetos compras. Coisas simples, porém proveitosas. Os amantes passariam o fim de semana no casarão. De imediato surgiu a porta da casa um homem trazendo uns peixes. Dessa vez o homem apenas se ocupou em trazer peixes grandes. E bateu a porta para chamar a atenção da dona da casa. Norma voltou quase correndo da cozinha e recebeu os peixes agradecendo em seguida. De imediato passou o dinheiro do pagamento. Logo em seguida ela olhou para longe da casa grande e viu umas freiras a caminha pela beira do mar. Ela sorriu. E Armando teve sua atenção despertada por Norma para ver as freiras a caminhar aquelas horas da manhã. Algumas se prolongavam a frente das Irmãs mais prudentes. E corriam pela beira mar agitando seus hábitos para ver não molhar os mesmos.
--- Lá vai um monte de Freiras! – sorriu Norma ao dizer a Armando ainda a vir da sala de jantar
--- Freiras? Aqui? Que estão fazendo as Irmãs? – indagou Armando procurando ainda divisar as freiras alegres.
--- Elas têm um convento nas terras do meu bisavô. Um terreno imenso. Foi o meu avo quem doou as Irmãs. Uma espécie de clausura. Elas vivem dentro do mato. – sorriu a moça.
--- Mas são Freiras mesmo? – indagou alarmado Armando.
--- São. São. Elas plantam e colhem. Quando eu era menina costumava subir no muro do convento para ver o que as Freiras faziam. – sorriu Norman espiando as Freiras ao longo do mar aberto.
--- Hum. E não tem homens por lá? – indagou Armando assustado.
--- Nem um. Pelo menos, que eu me lembre. As freiras escavavam o chão, plantavam hortaliças, colhiam frutas. E tinham muitas frutas. Uma imensidão. Elas, com hábito, subiam até nos pés de coco para tirar os cocos verdes ou maduros. Era engraçado. Criavam bodes, carneiros, ovelhas, cabras, vacas, touros, bois. Galinhas era o que mais se via por lá. Tinha uma freira responsável em colher os ovos das galinhas. Duas vezes durante o dia ela estava a fuxicar os locais de posturas. O terreno do convento era um mundo. Era e é. Elas faziam criação de abelhas. Eu me lembro de um dia. Uma das freiras foi bulir com as abelhas, e os temíveis insetos ferroaram a freira. A pobre saiu correndo e gritando. – aludiu Norma a gargalhar da desgraça da freira.
--- Nossa!!! Isso é para matar! – confessou Armando alarmado com a história.
--- Pois é. Mas não matou. Ela se cobriu com aquele chapéu que elas usam e conseguiu sair a tempo. Mas, mesmo assim, as abelhas ferroaram a freira. – falou a moça com lágrimas nos olhos de tanto achar graça.
--- Que coisa!!! – declarou alarmado o jovem secretário de imprensa do Governo.
--- Eu me lembro de ter havido uma vez. A freira que cuidava das cabras, certa vez, estava a recolher o lixo e depositá-lo em um buraco aberto no chão. Um bode viu a freira com aquela imensa bunda a sacudir o lixo no buraco, e veio: “pan”. Foi só uma marretada. A freira caiu no buraco. – disse a moça a gargalhar terrivelmente.
Armando Viana não se conteve e gargalhou também. E os dois sorriram a vontade com a desgraça da freira. Passado um bom tempo de gargalhar Armando voltou a indagar se havia Padre para rezar a Santa Missa. E ele ouviu a moça dizer ter missa aos domingos, dias santos, festa da Padroeira do Convento. E então Armando voltou a indagar se havia madre superiora para dar as ordens as freiras e noviças. Norma disse positivamente.
--- No meu tempo de criança a Madre Superiora era certa Irmã Eugenia. Hoje não sei quem é a Madre. Havia orações de manha e a tarde. E o terço às seis horas da noite. A Missa aos domingos era rezada às sete horas da manhã. O povo daqui era chamado para assistir a Missa. O Convento era todo fechado. O povo só tinha permissão para entrar na Capela. E eu acho que continua do mesmo jeito. Na Semana Santa, as Freiras jejuavam e faziam penitencia. – relatou Norma Vidigal compenetrada a conversa.
--- E você nunca quis ser Freira? – indagou o rapaz.
--- Não sei. Eu andava sempre por lá. As freiras, comigo, era amáveis. Tinham aquelas mais ásperas. Tinha uma freira de seus oitenta anos, andando arrastando os pés, com um rosário na mão, sem falar com ninguém. Só fazia rezar. Certa vez eu soube que a freira velha morrera. Sua sepultura era no próprio Convento. Convento das Madres Clarissas. Isso porque a Santa Padroeira era a Santa Clara. – relatou Norma ao rapaz.
--- Santa Clara! Santa Clara não era uma santa italiana? – perguntou Armando querendo saber mais um pouco.
--- Sim. Era. Santa Clara de Assis. A história conta ter sido o seu primeiro milagre quando em vida. Ela é a Santa dos Pobres. E fez o milagre da multiplicação das ofertas. Ela morreu em 1253 e sua festa litúrgica é dia 11 de Agosto. Eu aprendi tudo isso com as freiras do Convento de Santa Clara. Elas gostavam de mim. – e com isso Norma Vidigal começou a chorar.
--- Acalme-se. Acalme-se. São apenas lembranças. – declarou Armando a mulher.
E Norma com lágrimas nos olhos se pôs a encostar ao ombro de Armando Viana deixando os soluços a guardar as suas doces preces. Ao fundo, as Irmãs voltavam do passeio e entraram na Rua do Casarão “Mundo Velho”, todas elas de cabeça abaixada. O rapaz ainda viu as freiras por breve instante e nada relatou a sua namorada, Norma Vidigal, acolhida ao colo com se fosse uma menina arrependida de alguma travessura a chorar de mansinho. O sol já estava aquecendo toda a praia e os pescadores já retornavam a casa com os seus peixes à mão.
Aproveitando o sol quente da manhã, Armando Viana, após fazer afagos em sua namorada para eternizar as suas emoções, se largou, ao lado de Norma, para o tradicional banho de mar. Os dois amantes procuraram um local mais distante, passando as pedras negras e pulando para o outro lado onde havia uma praia muito limpa onde ninguém talvez tivesse avistado os seus encantos do eterno e milenar oceano. Foi naquele ambiente natural onde Norma e Armando, aconchegado, tomaram banho até as treze horas e se amaram em ardente profusão. A enseada dava para a costa como se fosse um arco. No morro acima, subindo a qualquer forma encontravam-se frutas silvestres, dentre as quais o caju pequeno e azedo do qual pouca gente teria o encanto de saboreá-lo. E foi nessa mata ter Armando perambulado a buscar uma porção de frutas maduras e pequenas para presentear a sua noiva ou quase noiva com carinho e com afeto o travo amargo dos cajus. O mar dançava na costa como estando a marear para os dois eternos amantes.
--- Azedo querido! Arg! – fez a moça ao sentir o travo do caju da mata.
--- Um pouco. Esses cajus são assim mesmo. - relatou o rapaz com um certo sorriso.
--- Na minha casa, a mansão, tem cajueiros. Mas as frutas não são azedas. São travosas. Porém não azedas. – adiantou a moça ao rapaz.
--- Esses do mato são sempre azedos. Porém, tem cajueiros mais para dentro do morro onde as frutas são doces, - argumentou Armando sem sorrir e a saborear os cajus.
--- Frutas! Mas os cajus não são frutas. As castanhas são as frutas. – sorriu Norma ao lembrar-se do fato a Armando.
--- É verdade. Mas o importante é se chupar caju. A castanha a gente assa. – declarou o rapaz.
--- Então vamos chupar caju azedo. – sorriu Norma a abraçar seu namorado.
O dia já era tarde quando os namorados voltaram da praia distante. O cansaço atormentava o rapaz. Ele sentia câimbras nas pernas a todo instante. E Norma, saindo na frente, costumava a chamá-lo para uma corrida desenfreada até o casarão “Mundo Velho” onde a moça residia e sempre voltava nas manhãs dos sábados e pernoitando até chegar o domingo à tarde. Então ela voltava para a cidade para ter um recomeço nos trabalhos do Cartório. Armando Viana então era secretario de Governo e começava a atender às segundas-feiras às nove horas da manhã. Porem esse caso ainda estaria distante de acontecer. Armando e Norma finalmente chegaram à mansão para descansar um pouco. Foi em um momento como esse quando surgiu à porta da casa uma moça de seus vinte anos a indagar se Norma não queria serviços. A mulher foi tomada de surpresa. Embora tenha reconhecido a nova doméstica, quase não se prontificou em atender. Contudo, mais pelo cansaço da vida e da lida, Norma não teceu maiores comentários e teve a atenção mais acentuada.
--- Ângela!! Mas que susto você me pregou. Entre! Entre! É bem tarde do dia. Mas eu estou cansada e você pode cuidar do almoço. – respondeu Norma com leve sorriso.
--- Posso sim. Vou cuidar. – sorriu a moça a adentrar a casa.
--- Ora mais que susto! – disse Norma ao seu namorado.
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