- Carolina Ferraz -
- 21 -
A LUZ
A noite veio com chuva. De todos
os recantos de onde ficava a fazenda do coronel Godinho ouvia-se o trovejar
constante parecendo o mundo se acabar. O pessoal da vacaria temia os relâmpagos
inquietos e assustadores. O mugido do gado parecia ser mais alarmante. Os cães ficavam em suas guaritas
de modo quieto, pois a cada trovoada mais ainda havia o temor sem latido dos
valentes e vigilantes cães. Os jagunços, com vital temor, não saiam de seus
casebres amoitados em plena rede de dormir na companhia da mulher e seus
filhos. Na casa grande ouvia-se o lamento de Isadora Marques Godinho a reclamar
constante.
Isadora:
--- Será possível uma coisa
dessas? – reclamava a mulher do coronel.
Nas cocheiras os cavalos estavam
inquietos com a zoada dos latões onde os vaqueiros guardavam o leite tirado das
vacas pelas primeiras horas da madrugada. Um raio fatal cortou a escuridão da
noite, passou por sobre os estábulos do gado ao sinal de pavor e foi se alojar
nas águas do Rio de Ouro, nome dado pelo povo. O rio era quase um córrego onde
havia pedras brilhantes iguais a ouro. O fogo se espalhou de repente ao sinal
do raio a tocar o chão das frias águas. Um estrondo fulminante se rompeu não se
sabe aonde. O trovão ribombou na terrível cena macabra. Os animais de vez apavorados
pularam a cerca de seu estábulo e correram desnorteados como loucos a mugir ao
leu e buscar algo de guarda para se acautelar bem longe além do cercado. Os vaqueiros tentavam em vão aguentar gado e
cavalo. Mas não tinham sucesso de modo algum. A torrente de lama se fez
presente, talvez maior e mais intensa quando choveu pela manhã, hora do sepultamento
do fazendeiro Severino Policarpo. Ondas enormes de lamaçal corriam a todo campo
sem norte e sem meios de estancar. O casarão do coronel Godinho não tinha
forças para suportar tamanha enxurrada. A lama subia até a metade das canelas
dos vaqueiros a passar pelo curral de um lado a outro.
Vaqueiro:
--- É o mundo todo! – gritava sem
meios um vaqueiro.
Na casa grande o coronel
Marcolino Godinho refletiu um pouco na sala de jantar diante de tanto
intermitente aguaceiro:
--- Só não quero que falte luz! –
declarou meio acanhado o deputado.
Era o que se faltava dizer.
Quando o coronel acabou de falar na falta de luz elétrica, o motor da casa
parou de gerar energia pondo todos em aflição. Ninguém sabia ao certo como
superar essa falta de energia. Um se batia com o outro. Tinha quem fizesse:
Alguém:
--- O lampião! O lampião! – dizia
alguém desesperado.
E era um corre-corre entre gente,
um batendo contra o outro a perguntar:
Outro alguém;
--- Onde está a lamparina! Onde
está a lamparina! – indagava desesperada por sua vez outra pessoa.
E o coronel Marcolino Godinho,
acabrunhado, dizia por sua vez:
Godinho:
--- Eu não falo mais nada! Quando
eu falei na luz, a merda faltou! – disse o homem sem ver o sucedido.
Em tal momento, o pistoleiro
Júlio Medalha se apressou em perguntar ao coronel:
Medalha:
--- Se o senhor permitir, eu
posso consertar o motor. – fez vez Medalha.
Godinho:
--- E o senhor entende dessas
coisas? – perguntou aborrecido o coronel.
Medalha:
--- No Exercito eu tomava conta
do motor de luz. Quando era preciso eu desmanchava e montava o gerador. – falou
sem pressa o pistoleiro
O coronel olhou para onde vinha a
voz e determinou:
Godinho:
--- Tome conta então. Há essa
hora não tem ninguém que conserte. Eu tenho um homem que dá ajuda. Mas eu
duvido dele está pronto para uma dessas! – falou arrepiado o coronel.
No céu só eram os raios a cortar
de um lado a outro. E o trovejar a acompanhar o destino dos relâmpagos. A
chuvarada a cair não dava sossego a ninguém. O homem voltava da garagem onde
fora ver o estado do cabriolé. Por sorte, esse estava enxuto. E nada mais.
Otelo Dias riscou um fósforo e acendeu um lampião bem próximo ao meio da mesa.
Antero Soares também fazia o mesmo com outro lampião; E Renovato Alvarenga
tentava a ajuda à moça Emília completamente estabanada pela falta repentina de
luz. O coronel procurava a sua mulher. Essa estava em outro compartimento. No
curral o gado estava solto de canga e corda a procura de lugar melhor. No
firmamento o riscar dos coriscos. O romper dos trovoes. O aguaceiro a cair. No
quarto por trás da casa, o lamaçal e um homem: o bandoleiro Júlio Vento a
tatear na escuridão a procura do motor a funcionar. Ele falou:
Júlio:
--- Nada mal! O motor funciona!
Vejamos o porquê de não passar corrente. – relatou muito baixo, quase cochichando
consigo mesmo o pistoleiro.
Enfim uma lâmpada. Estava
queimada ao que parecia. Não acendia. Ele ficou sem saber por onde iniciar. Em
todo o caso, começaria pelo motor a sacolejar vibrante como uma onça. Ele
soergueu o lampião acima de sua cabeça e procurou desvendar o mistério das
ligações. E foi assim o tempo necessário. Ele levou um choque. E disse:
Júlio:
--- Merda! O bicho está vivo! Que
choque! – salientou o pistoleiro.
Na casa, o trabalho de se
arranjar os lampiões em cada qual no seu lugar de sala adentro. A mocinha
Emília parecia uma barata para cima e para baixo a levar e a trazer lampiões.
Ludmila pegava qualquer um para alumiar seu quarto de dormir. O frio era
enregelante de fazer dó. Com isso Ludmila se aquecia a qualquer forma para não
tremer demais. O coronel estava na sala onde já estava claro pela luz do
lampião. Os três pistoleiros a andar para cima e para baixo a levar querosene
para os lampiões. Era uma forma de ajudar os demais de casa. Um corisco rompeu
bem perto e caiu na mata ao lado. Uma árvore pegou fogo.
Isadora:
--- Ui! Que susto! Deus queira
que já passe essa tormenta! – falou a mulher do coronel.
Quinze minutos após veio a luz.
Na casa, o entusiasmo de todos:
Emília:
--- Até que enfim! – reforçou a
moça.
Ludmila:
--- Faça-se a luz!!! – gritou
animada a outra moça.
Coronel:
--- Até que enfim. Esse rapaz é
bom. Eu bem que disse! – refutou o deputado Godinho.
Os outros pistoleiros deram tiros
para o ar a comemorar a luz. Divina luz. Ela voltou de vez! Enquanto isso os
relâmpagos e trovões sacudiam o firmamento a todo instante. O aguaceiro descia
constante pelo caminho da cidade de Alcântara onde as febris pessoas estavam
mais debilitadas ao limpar a lama provocava pela enxurrada. O rio do Ouro
passava pela margem de Alcântara e rompia tudo a sua frente. O Prefeito Nepomuceno estava bloqueado em sua
fazenda sem poder sair. Eles e o pistoleiro Fabiano e demais comparsas. A
cidade estava cheia de lama, pois o rio não suportou tamanha tempestade naquela
noite. As águas teriam de fluir ao
compasso de espera até a manhã chegar.
O estrago somente foi visto às
primeiras horas do amanhecer. O céu estava sereno não prometendo novas chuvas.
No chão, corpos mortos do gado e de cavalos, suínos e tantos outros animais e
aves. Tudo era arrastado até o rio do Ouro para seguir para outro rio mais
abaixo e tomar seu curso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário