- Alinne Moraes -
- 22 -
OTELO
O coronel Marcolino Godinho
seguiu viagem logo cedo da manhã ele acompanhado do seu guarda-costas protetor
o pistoleiro Otelo Gonçalves Dias conhecido mais por Otelo Satanás. Em seu
cabriolé, o coronel seguia todo ancho para a capital onde estaria a ocupar a
cadeira de deputado estadual aos olhos de tantos outros, todos, inclusive, com
os seus guarda costas, salvo alguns mais velhos e moradores da cidade. Otelo, enfatiotado, se incomodava com o seu
traje dado pelo coronel Godinho. Vestia ele um terno bem feito, calças nem tao
justas, camisa, gravata, paletó e ainda por baixo um colete. Para disfarçar a
roupa tinha também um colete a prova de balas. Desse modo eram dois coletes: um
para proteger um pistoleiro de algum disparo acidental ou de algum outro
deputado; e outro para fazer o complemento do traje a rigor de um bravo de
pistoleiro. Quando estava de saída para a capital, Otelo foi alvo das mais
belas piadas dos seus companheiros de luta. Cada qual lhe fizesse a maior
proeza e até os três dançaram ao redor de Otelo. Esse, com a cara feia, não deu
proza aos seus companheiros e os olhava de través acanhado com as suas vestes.
A maior proeza dos pistoleiros foi quando os três fizeram a vez de cavaleiros e
suspenderam a cauda dos cavalos passando por ente Otelo a rinchar. Foi uma
tremenda gozação. Nem por isso, o pistoleiro se rompeu para sorrir. Apenas
ajeitava o chapéu na sua cabeça. E por ser não usado, o chapéu nunca se firmava
direito em sua cabeça. Era um caso deveras de se sorrir. Os três cavaleiros
foram até a saída do portão, uma cancela, e de lá eles voltaram fazendo
rinchados alucinantes, montados de costas em seus cavalos a gritar e a fazer
chalaças. O velho Coronel Godinho foi quem mais sorriu com a brincadeira dos
pistoleiros para a tristeza de Otelo Gonçalves. E de caminho a fora o
pistoleiro não quis falar nem um pouco na palhaçada dos animados pistoleiros.
Era um local desagradável para
Otelo Gonçalves aquele de ficar apenas sentado na galeria da Câmara dos
Deputados enquanto os parlamentares ficavam a falaz de coisas inúteis para ele
e nada aprovarem logo de inicio. O caso levou Otelo até cochilar, mesmo tendo
ao seu redor companheiros de profissão e alguns pacatos cidadãos a olhar
serenos para a turma da bancada a todo tempo. Na certa tudo terminaria logo
após das cinco horas da tarde ou qualquer coisa desse jeito. A capital era uma
cidade até parece tranquila: mercado público; armazéns; lojas; casa de moveis;
vestuários; depósito de madeiras; Teatro; várias repartições; estação de trem, carros
e bondes e coisas mais. À frente da Assembleia Legislativa ficava o Palácio do
Governo em combinação com o Tribunal de Justiça. A Prefeitura Municipal estava
em um prédio ao lado entre duas repartições municipais. Isso não fazia
diferença para o pistoleiro. Após uma terrível viagem em um calhambeque, ele
estava a fim de dormir horas a fio. O passar de alguém para um lado e para o
outro não assustava Otelo, pois no seu assento, ele ficou mais atrás de todos e
dormir, por sinal, era um negócio a ser motivo de tempo. E Otelo, acanhado por
seu traje, cochilava e acordava sempre se pondo de pé para então voltar a se
sentar no mesmo banco onde outros pistoleiros estavam a dormir por longo tempo.
Ao final da sessão, ele foi até a bancada perguntar ao Coronel se estava tudo
terminado:
Coronel:
--- Espere um pouco! Ainda faltam
votar as emendas! – disse o coronel sem perceber quais emendas eram essas.
E Otelo ficou a imaginar:
--- Emendas? Que emendas? –
perguntava sem saber o pistoleiro ao seu juízo.
Após a sessão do dia/noite o
coronel Marcolino Godinho se retirou na companhia do seu guarda-costas até o
Hotel Central, o mais luxuoso dos hotéis de toda a região. Alí se hospedavam
visitantes ilustres, estrangeiros, Governadores de outros Estados, Senadores,
deputados federais e um mundo todo de acadêmicos personagens do País e de
nações estrangeiras. O salão de jantar do Hotel esteva repleto de convivas a
conversar os mais atraentes motivos. Havia inclusive maçons participantes de um
encontro nacional da classe. O coronel Godinho foi saudado por seu anfitrião
logo a relatar ter seu quarto separado como sempre o fizera nos dias de sessão
e em outros dias. O proprietário do Hotel era o major Armando Toledo, homem
vivaz e sempre alegre e cortes. Em diversas oportunidades o homem fora eleito
deputado estadual. Porém dessa vez ele não esteve concorrendo. O titulo de
Major ele fora comprado como todos os outros títulos: Coronel, Capitão e mesmo o
de Tenente. Era uma posse do Governo Federal em ter maior apoio da classe
eminente dominante do País. Houve em tempos idos a Categoria de Barão, Duque,
Marquês, Conde, Conde-Barão, Visconde e até mesmo Escudeiro. Esses eram títulos
de nobreza pertencentes aos nobres, criados por um conjunto de atos prestados à
Casa Real, ao Monarca ou ao País.
Após o lauto jantar e a conversa
de eminentes cidadãos foi à vez da cama. O Coronel e seu guarda-costas foram
aos seus aposentos, onde cada um tinha alcova devidamente mobiliada com
arranjos de flores, perfume de alto preço, armários, cortinas, arranjos,
penteadeira, véus, tule, cama dourada, criado-mudo ao lado da cama, molduras
ambientais, luz em claro-escuro dentre vários outros arranjos. Uma
aparentemente moça entrou no quarto de dormir do pistoleiro Otelo Gonçalves a
lhe oferecer uma chávena com biscoitos e chá de mate. O pistoleiro ficou
alarmado com tal presteza e recusou a oferta oferecida. De qualquer forma a
moça deixou a chávena e o açúcar na bandeja enfeitada com duas rosas pálidas. A
moça depositou tudo e então saiu com a mesma lentidão de quando entrou. Otelo
ficou abismado com aquela dádiva feita pela jovem senhorita. Após algum tempo
ele chegou até a bandeja e começou a cheirar o seu conteúdo:
Otelo:
--- Cheiroso! – disse ele para
consigo balançado a cabeça e fazendo um ar de riso.
Demorou-se um pouco para provar o
chá mate. Estava amargo como fel. Ele colocou umas pedrinhas de açúcar e logo
enfim tomou o chá. Fez um gesto de quem gostou do apetitoso chá-da-índia ou chá
mate.
A noite passou tranquila. Eram
quatro horas da madrugada e Otelo estava acordado. Tudo era silêncio nos
apartamentos vizinhos. Nem zoada de formigas se bem se diz. O homem apalpou a
cama de casal e sentiu a sua suavidade. A luz estava amena em seu quarto, pois
a luminária era de pouca claridade. Otelo verificou todo o quarto para então se
levantar e sair até o banheiro onde estava a toalete. Ele penetrou com o máximo
de cautela para não assustar os seus vizinhos, coisa rara de ocorrer. Dai por
diante foi máximo de uma festa. Tomar banho de chuveiro com água morna ou fria.
Era do jeito melhor para desfrutar um bem estar.
O dia estava claro sem sinal de
chuva naquela manha na capital do estado. Otelo tocou de leve a porta vizinha a
sua onde dormia o coronel Marcolino Godinho, deputado estadual. Não esperava
resposta e por isso ficou atento ao serviço de quartos feitos pelas domésticas.
Contudo nem todos os apartamentos eram visitados pelas domésticas. Apenas
alguns. E tal fato levou a Otelo acreditar ter apenas os cômodos desocupados a
ser visitados. As domesticas entravam e saiam com roupas de cama e desapareciam
no corredor. Otelo observava tudo àquilo sem dizer uma só palavra. Apenas
olhavas as domesticas muito bem de fardamento de cor branca ao rigor do Hotel.
Algumas passavam e nem olhavam para o homem. Outras apenas faziam um aceno como
se dessem um bom dia.
Otelo:
--- Coisa de louco esse hotel! –
fez vez Otelo nem um pouco satisfeito com os costumes da cidade grande.
Alguns minutos se passaram e a
porta do quarto do coronel Godinho se abriu ligeiramente e o velho pôs a cabeça
do lado de fora. Ele o seu guarda costas e voltou a fechar a porta com uma cara
azeda. Otelo percebeu tudo aquilo e nada falou.
Apenas ele pensou:
Otelo:
--- Costumes da cidade! – pensou
Otelo e caminhou até a varanda do hotel. Ali ele pode observar a manha de sol e
gente a transitar pelas ruas. Um bonde seguiu quase veloz o seu trilhar e a
tocar a sineta com frequência. Na matriz ao lado, o sino tocou às seis horas da
manhã e os penitentes caminhavam para ouvir o sacerdote, com certeza. Otelo
olhou para o pessoal penitente e nada falou. Apenas ficou a olhar. Um homem passou ao largo da rua com um balaio
de compras. À frente do homem do balaio caminhava uma mulher a falar sobre
talvez os preços das verduras ou coisa assim. Ela andava depressa e logo dobrou
em uma esquina desaparecendo de vez. Peixeiros voltavam do mar com suas pescas
em fileiras. Era a vida contínua da cidade grande. Ao longe uma pedinte rogando
uma moeda. Ela a avistou e pensou:
Otelo:
--- Mendiga! – pensou Otelo ao
ver a mulher.
Uma voz de baixo surpreende
Otelo.
Garoto:
--- Vai querer meu senhor? –
perguntou o garoto oferecendo mangas rosa.
O homem viu o garoto e respondeu
com um aceno na cabeça dizendo algo compreendido com não. O garoto saiu e
ofereceu a outro passante. O homem procurou uma moeda e com certeza não teria
para pagar a compra. E o garoto saiu desconsolado.
Otelo:
--- Mangas! – pensou Otelo a
olhar o garoto tomar seu rumo.
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