terça-feira, 6 de dezembro de 2011

CREPÚSCULO - 35 -

- Silvia Pfeifer -
- 35 -
COMUNHÃO
Ainda no domingo era o dia dedicado a Nossa Senhora da Conceição. Nessa manhã de Sol, ainda cedo, as crianças de seus oito a dez anos, estavam prontas para receber a Hóstia Consagrada como a devoção de serem eles devotos de Jesus Cristo. A Igreja, àquela hora, estava lotada, principalmente com as mães e os pais dos meninos. O numero maior era de mães. Os pais somente apareciam e ficavam fora da Igreja. Era o costume dos homens de não frequentar a casa de Deus. Alguns ficavam a trocar ideias. Outros começavam cedo a bebericar. E poucos já estavam a jogar cartas numa casa suspeita da cidade. Havia os que permaneciam na Igreja. D qualquer forma, esse era um numero reduzido. As damas trajavam roupas da melhor forma que podiam. Algumas bem vestidas. Outras, nem tão bem assim. De qualquer forma, a Igreja estava lotada, com os garotos e garotas a se preparar para a Primeira Comunhão nos primeiros bancos do templo sagrado Fazia calor, do modo particular porque o templo religioso estava lotado àquela hora da manhã. As mães corujas olhavam satisfeitas para os seus filhos e filhas. Algumas choravam de orgulho. As crianças trajavam vestes brancas. As meninas de vestido a se por até o meio da perna. Ainda trajavam luvas nas mãos, velas de um bom tamanho, crucifixo com um terço e um livretinho de orações além de um buque de rosas totalmente brancas. Meias cobriam-lhe as pernas; sapatos do estilo colegial, igualmente brancos. No busto, pregado um emblema da Santa Sé de Roma. Na cabeça das meninas, uma coroa de flores formada por rosas totalmente brancas. Os meninos trajavam calças compridas, camisas de mangas longas. Luvas nas mãos, sapato colegial estilo preto. No peito, a insígnia da Santa Sé. Uma vela com uma fita de cor branca com a insígnia da Santa Sé; um crucifixo com um terço e um livro de orações. A meninada era todo orgulho. Todos estavam em jejum, pois era pecado comer qualquer coisa antes de receber a Hóstia Consagrada.
--- Não coma coisa alguma. É pecado. Apenas pode tomar água. Cuidado, ouviram. – dizia a catequista aos sobrinhos, pois eles chamavam a mulher de tia.
Ao lado da catequista havia mais umas três ou quatro jovens bem trajadas, filhas das famílias ricas daquela cidade. E o burburinho era tudo o que se ouvia. As mulheres falavam a voz miúda.
-- Tô com medo tanto do meu filho! – dizia em surdina uma mulher com a mão presa aos lábios.
--- Que nada mulher! Ele está ancho! – respondia a outra tirando o temos da primeira mãe.
Era um entra e sai de mocinha dos bancos da Igreja. Isso deixava as mulheres inquietas até demais.
--- Ou menina! Estas com o cu frouxo? – perguntava uma mulher de modo malcriado com o passa-passa das mocinhas no vai-e-vem do entra e sai.
As mocinhas achavam graça e nada respondiam. O altar estava todo enfeitado com rosas e lâmpadas. A cima de tudo a imagem de Jesus Cristo. Em baixo a mesa de orações. Tudo forrado de branco. Uma mulher surgiu por trás do altar trazendo um castiçal. A mulher magra, parecendo um sibite, voltou logo em seguida para trás do altar. Alguém falou qualquer coisa com a mulher e essa voltou e pegou o castiçal levando para a Sacristia. Com um pouco de tempo surgiu um menino todo trajado como um seminarista. Logo atrás do primeiro menino, vinha outro. E no fim da fila vinha o padre direto da Sacristia. O burburinho na Igreja calou. Alguns pigarros de alguns homens era o que ouvia. E todos se levantaram ficando de pé. Era o inicio da Santa Missa. Ao largo, de fora da Igreja, passavam uns poucos protestantes. Eles faziam que talvez não   olhassem para o templo cristão. Porém mantinham a curiosidade de ver o se passava por dentro de Santa Igreja. Mesmo assim, mesmo sendo crentes, as moças, rapazes e mães caminhava em silêncio o quem sabe Pastor. O homem na frente de toda a turma com uma Bíblia enorme debaixo do braço. Da calçada da Igreja alguém o cumprimentava tirando-lhe o seu chapéu. Logo a cima, na Igreja, um garoto batia três vezes o sino. Tal sino repicava um som grosso e abafado.
--- Vai começar a Missa. Meu filho vai fazer a Primeira Comunhão! – relatava um homem bastante feliz.  
Um carro-ambulância corria a toda pressa levando dentro um provável enfermo para ser tratado na capital do Estado.
--- Que foi? Doente? – perguntava um homem na calçada da Igreja.
--- Acidente. O caminhão capotou. – respondia outro com as suas mãos para trás a olhar a ambulância em voz desespero.
O homem que estava a espera do filho a receber a Primeira Comunhão dava uma passada até a entrada da Igreja, olhava, e voltava para o grupo formado a discutir a questão da Serra do Monte Sagrado.
--- Eles desistiram! – revelou um dos que estavam na calçada.
--- Mas isso faz tempo. Agora é com a Aeronáutica. – dizia outro ao cuspir mescla de fumo para baixo da calçada.
--- Eu sei que o homem Gafanhoto é quem esta a frente da turma. – respondeu um homem raquítico.
--- Ah. Ele é bom. É bom! – respondeu um dos homens.
--- Quem? Aquilo é um doido. Só pega peba! – falou com autenticidade mais um dos tais.
--- Foi o pai dele quem falou com os homens das estrelas. – relatou outro.
Enquanto isso, a Missa continuava com o padre ao falar as crianças à responsabilidade de cada um daquele momento em diante. A Igreja ouvia em silencio a preleção do sacerdote. A Secretaria de Educação era uma das que ouviam. Marina Martins, tendo ao lado uma professora do Grupo Escolar estava ali a participar da Comunhão de seus alunos e nada teve a falar porque a Santa Missa era o maior acontecimento litúrgico na formação do pessoal. Apenas, uma vez, a moça se levantou para ler o Santo Evangelho quando foi à hora de fazer tal preleção. Após a Santa Missa, quando todos os garotos comungaram, a moça levou todos para um café a ser tomado no Hotel Cassino, de propriedade do seu pai, Orlando Martins de Barros. Ele estava presente orientando os garçons como fazer para servir ao pessoal, de modo especial, as crianças. Em um toca disco começou a tocar uma canção de chamava às crianças para brincar e acolher o doce encanto de sua meninice. O salão do Hotel se encheu de adultos, principalmente as mães filhas e filhos maiores. Alguns pais também se fizeram presente. O padre também chegou e cumprimento ao seu Orlando e alguns outros e mesmo as crianças que fizeram a Primeira Comunhão. Do lado de fora do Hotel estavam ainda alguns moleques a admirar a festa das crianças.
A música tomou conta do ambiente e os meninos e meninas apenas a olhar curiosos. Era aquele feliz local a dança das quimeras.  As crianças olhavam com temor as ofertas guardadas no recinto. A bênção do Anjo da Guarda; Botton de lapela para meninos e meninas; um terço branco em uma caixinha capela; redoma da Primeira Eucaristia; cartão de felicitação para meninas e meninas; certificado da Primeira Eucaristia; Jesus com as crianças; um ostensório entre vários outros artigos para presentes a preço de ocasião. Todo aquele material era da Igreja. Uma espécie de oferta das às crianças. Os pais e as mães não fizeram por menos. Os adultos compraram tudo. Ainda ficou a faltar algumas peças. As mães, aturdidas apenas lamentavam.
--- Esse Jesus é tão bonito! – reclamou uma mãe que não teve tempo de chegar primeiro.
--- Não tem importância. Eu arranjo outro para a senhora. – disse uma mulher da Igreja a sorrir delicada.
Os meninos, de boca cheia de bolo, se acercavam de suas mães. Alguns perguntavam:
--- Comprou o Jesus, mãe? – perguntava uma criança a senhora sua mãe.
--- Comprei. A mulher foi buscar. – dizia a mãe contente e feliz.
Entre os homens alguns pais trocavam palavras com o sacerdote a procura de saber o que estava a ocorrer no Monte Sagrado, pois a mais de quatro meses que se trabalhava no local. O padre ainda era novo na paróquia e nada sabia de concreto. Apenas ele viu o que saiu na imprensa. Por isso mesmo desconversou e chegou a dizer ser aquilo algo bem misterioso.
--- Mistério, senhor! Mistério! – disse o padre sem saber de mais nada.
Já chegavam às onze horas da manhã e as crianças com seus pais correram em busca do seu lar deixando para trás o Hotel Cassino onde os garçons tratavam de limpar o que restava. Ao meio dia seria servido um novo almoço para os homens de uma Loja Maçônica. Tal venerável loja estava a começar na Cidade e a angariar novos membros para participação nos eventos que a mesma fazia. Orlando Martins igualmente fora convidado a participar de suas reuniões. Ele seria um Aprendiz de Maçom para inicio de carreira. Algumas vezes Orlando tivera de ser convidado a participar da Maçonaria. Porem ele não aceitou por um motivo ou por outro. Ocupação; falta de tempo; a fazenda; o campo da Aeronáutica. Sempre havia uma desculpa a dar. E dessa vez, não houve mais desculpas. Quando Orlando voltou a ser convidado ele parou um pouco para perguntar.
--- O que é esse negócio de Maçonaria? Eu sempre ouvi falar em uma história de bode! – confessou o homem um pouco desorientado.
--- É. Você há de ver quando chegar lá. – sorriu o Mestre Maçom ao convidá-lo a preencher a proposta.
--- E tem bode mesmo? – perguntou Orlando ainda um tanto precavido.
--- Bem. Você verá. Bode enorme. Mas não faz medo. – sorriu o Mestre.
E naquela altura dos acontecimentos ele ofertou um almoço para os maçons na parte nobre de seu Hotel de qualquer modo ainda precavido com o negócio do Bode. Quando os garotos saíram do restaurante, começaram a chegar os convidados para o almoço. E vieram os homens e suas esposas. Eram os maçons acompanhados dos seus filhos e filhas. E Orlando pensou:
--- Nada mal. – cogitou consigo mesmo aquele que seria o futuro Aprendiz de Maçom.
--- Como vai bodinho? – fez por ver um Mestre a sorrir ao dar entrada no recinto familiar do restaurante.

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