- Lea Massari -
- 24 -
SAGARANA
Ao passar das horas, antes das
onze da manhã, bem antes mesmo, chega Dalva Tavares de sua visita à sua mãe e
entra no assunto de forma diferente. Pouco se importando com a tal filosofia ou
posição política, a diva conclamou a turma para uma viagem para o outro lado de
Natal, bem longe a chegar aos Coqueiros. Uma verdadeira sagarana a se montar
nessa viagem de longo alcance. A maneira suprema de ouvir o canto heroico do
homem praiano.
Dalva:
--- Como é? Vamos nessa
“sagarana” à praia dos Coqueiros? – pergunto com a face em sorriso pleno
Caio:
--- Sagarana? E você sabe o que
significa sagarana? – indagou como forma de saber
Dalva:
--- Sei. O canto heroico. Aliás, Guimarães Rosa reuniu
o complexo regional. Uniu o idioma brasileiro com a matriz europeia. “Saga” vem
do radical de origem germânica “canto heroico” com “Rana”, da língua indígena
“a maneira de”. Daí então: sagarana. Certo meu “Burrinho Pedrês”? – indagou a
moça a gargalhar.
Caio:
--- “Burrinho Pedrês”! Primeiro
dos nove contos de Sagarana! – respondeu convicto o homem
Dalva:
--- João Guimarães Rosa foi um
filho de caçador de onças. Seu pai, Florduardo Pinto era Juiz de Paz e caçador
de onça. Guimarães nasceu na cidade de Cordisburgo,
interior de Minas. Aos 9 anos ele já sabia francês e aprendeu alemão. Era um
poliglota. Ele falava português, francês, inglês, espanhol, italiano e outras
línguas. Escreveu bastante, inclusive o
romance “Grande Sertão: Veredas”. – relatou a moça.
Caio:
--- É. Grande Sertão. Teve um
filme sobre esse romance. Eu me lembro. Grande Sertão. – falou a pensar o homem
policial.
Dalva:
--- “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”! Filmes
clássicos! Mas o Brasil não sabe dar valor a seus romancistas. Os cinemas
colocam filmes de terceira categoria. Tarzan e outras porcarias. – relatou com
abuso.
Bartolo;
--- Vamos para onde? – indagou
meio alheio.
Dalva:
--- Por esse mundo afora. E voce
vai! – advertiu a moça
Oliveira:
--- Eu fico. Tenho que por a
matéria em dias. – reclamou o estudante.
Caio.
--- Se for, vamos. E no seu
soberbo Hyundai. Tenho dito! – declarou sem pressa.
Dalva:
--- Quem dirige? – indagou a
olhar Bartolo.
Bartolo:
--- Voce! Não é a dona? –
observou.
Dalva:
--- Não tem nada disso. É você
mesmo! E fico apenas na companhia! – resolveu a moça
Caio:
--- É bem melhor! Afinal pode
haver outro cachorro! – aludiu o agente de forma a buscar a lembrança do outro
cão.
Dalva:
--- E vai brigar, é? – falou mal
a moça ao desespero.
Caio.
--- Longe de mim tal ofensa.
Apenas lembrei o cão. Coitado! Uma semana! – disse o homem a sorrir e caminhar
para a porta de saída.
Oliveira:
--- Até mais, vocês! Em fim eu
não tenho nada a haver com essa história! – reclamou.
Bartolo:
--- Cuide-se bem meu “Burrinho
Pedrês” – declarou o jornalista.
O veiculo rodou célere estrada
afora naquela manhã de domingo. Passada a Ponte do Forte, Bartolo ingressou
pela parte oeste. Dalva conversava com Caio Teixeira sobre tempos passados
quando a zona norte tinha apenas curral de gado. E seguir à praia da Redinha se
fazia de lancha ou dos barcos. Carro, apenas quem podia. E se não tivesse
alagado o trecho de chegada quando o caminhoneiro nem podia reclamar. À meia
hora de distancia, quando o veículo trafegava pela estrada asfaltada ligando
Natal a Extremoz, a moça se encolheu de susto ao ouvir um ruído de um porco
guinchando em um sítio onde havia uma bodega de vendas de coisas miúdas. O
ruído era tamanho a fazer barulho a atravessar o vidro da porta do carro.
Dalva, de tamanho susto se alarmou e pediu a seu amante Bartolo a estacionar o
carro em algum local da estrada.
Dalva:
--- Espere! Espere! Estacione o
carro! O grito estridente de um suíno! – falou com pressa.
Caio:
--- Que houve? Um porco? - -
indagou o policial.
Bartolo:
--- Deve ser. O bicho faz um
alarme dos diabos! – relatou o motorista.
Caio:
--- É a hora da sangria! – sorriu
a declarar a um só tempo.
Dalva:
--- Sangria? Vão matar o
animalzinho? Coitado! – reclamou a bela imagem de mulher.
Caio:
--- E como é que voce quer comer
o porco? – indagou o homem a sorrir.
Dalva:
--- Mas isso não se faz! É uma
perversidade! – reclamou a mulher a enxugar as lágrimas.
No lado da cerca, dentro do
sitio, o homem puxava o grande porco pelas pernas traseiras sob os guinchados
estertores da morte certa. E o homem sem camisa e suado, levantou o porco em
seus guinchados mortais até a certa altura de chão em um gancho. Estrebuchando
sem dó, o suíno temia o golpe mortal por uma impiedosa mão de pilão. E foi
golpe certeiro. Em uma só tacada o homem bruto desferiu o certeiro golpe no
pescoço do suíno acabando de vez com plena brutalidade o lamento atroz. O
animal estava suspenso por uma estaca de madeira e dali, começou-se a fazer a
sangria e em seguida aberta a barriga do animal de cima abaixo para tirar as
suas tripas e deixadas cair dentro de uma bacia de flandres. Em seguida, a
mulher do bodegueiro juntou o sangue em uma vasilha e a mocinha levou os fatos
para a cozinha a fim de tratar e assar no fogão de lenha. Tudo isso se deu ante
o espanto de Dalva a abaixar a sua cabeça para não testemunhar tamanho
assassinato de um belo suíno. Em sua mente, ela não tirava a imagem do gordo
suíno a balançar na estaca com os olhos suplicantes de um lado para o outro a
rogar misericórdia da ação dos seus executores. As entranhas do suíno estavam a
ser lavadas para em seguida postas salgadas e assadas em um vasilhame colocado
ao fogo. Essa é a forma brutal de se sangrar um barulhento suíno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário