terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

DOIS AMORES - VINTE E QUATRO -

- Lea Massari -
- 24 -
SAGARANA
Ao passar das horas, antes das onze da manhã, bem antes mesmo, chega Dalva Tavares de sua visita à sua mãe e entra no assunto de forma diferente. Pouco se importando com a tal filosofia ou posição política, a diva conclamou a turma para uma viagem para o outro lado de Natal, bem longe a chegar aos Coqueiros. Uma verdadeira sagarana a se montar nessa viagem de longo alcance. A maneira suprema de ouvir o canto heroico do homem praiano.
Dalva:
--- Como é? Vamos nessa “sagarana” à praia dos Coqueiros? – pergunto com a face em sorriso pleno
Caio:
--- Sagarana? E você sabe o que significa sagarana? – indagou como forma de saber
Dalva:
--- Sei.  O canto heroico. Aliás, Guimarães Rosa reuniu o complexo regional. Uniu o idioma brasileiro com a matriz europeia. “Saga” vem do radical de origem germânica “canto heroico” com “Rana”, da língua indígena “a maneira de”. Daí então: sagarana. Certo meu “Burrinho Pedrês”? – indagou a moça a gargalhar.
Caio:
--- “Burrinho Pedrês”! Primeiro dos nove contos de Sagarana! – respondeu convicto o homem
Dalva:
--- João Guimarães Rosa foi um filho de caçador de onças. Seu pai, Florduardo Pinto era Juiz de Paz e caçador de onça. Guimarães nasceu na cidade de              Cordisburgo, interior de Minas. Aos 9 anos ele já sabia francês e aprendeu alemão. Era um poliglota. Ele falava português, francês, inglês, espanhol, italiano e outras línguas.  Escreveu bastante, inclusive o romance “Grande Sertão: Veredas”. – relatou a moça.
Caio:
--- É. Grande Sertão. Teve um filme sobre esse romance. Eu me lembro. Grande Sertão. – falou a pensar o homem policial.
Dalva:
---  “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”! Filmes clássicos! Mas o Brasil não sabe dar valor a seus romancistas. Os cinemas colocam filmes de terceira categoria. Tarzan e outras porcarias. – relatou com abuso.
Bartolo;
--- Vamos para onde? – indagou meio alheio.
Dalva:
--- Por esse mundo afora. E voce vai! – advertiu a moça
Oliveira:
--- Eu fico. Tenho que por a matéria em dias. – reclamou o estudante.
Caio.
--- Se for, vamos. E no seu soberbo Hyundai. Tenho dito! – declarou sem pressa.
Dalva:
--- Quem dirige? – indagou a olhar Bartolo.
Bartolo:
--- Voce! Não é a dona? – observou.
Dalva:
--- Não tem nada disso. É você mesmo! E fico apenas na companhia! – resolveu a moça
Caio:
--- É bem melhor! Afinal pode haver outro cachorro! – aludiu o agente de forma a buscar a lembrança do outro cão.
Dalva:
--- E vai brigar, é? – falou mal a moça ao desespero.
Caio.
--- Longe de mim tal ofensa. Apenas lembrei o cão. Coitado! Uma semana! – disse o homem a sorrir e caminhar para a porta de saída.
Oliveira:
--- Até mais, vocês! Em fim eu não tenho nada a haver com essa história! – reclamou.
Bartolo:
--- Cuide-se bem meu “Burrinho Pedrês” – declarou o jornalista.
O veiculo rodou célere estrada afora naquela manhã de domingo. Passada a Ponte do Forte, Bartolo ingressou pela parte oeste. Dalva conversava com Caio Teixeira sobre tempos passados quando a zona norte tinha apenas curral de gado. E seguir à praia da Redinha se fazia de lancha ou dos barcos. Carro, apenas quem podia. E se não tivesse alagado o trecho de chegada quando o caminhoneiro nem podia reclamar. À meia hora de distancia, quando o veículo trafegava pela estrada asfaltada ligando Natal a Extremoz, a moça se encolheu de susto ao ouvir um ruído de um porco guinchando em um sítio onde havia uma bodega de vendas de coisas miúdas. O ruído era tamanho a fazer barulho a atravessar o vidro da porta do carro. Dalva, de tamanho susto se alarmou e pediu a seu amante Bartolo a estacionar o carro em algum local da estrada.
Dalva:
--- Espere! Espere! Estacione o carro! O grito estridente de um suíno! – falou com pressa.
Caio:
--- Que houve? Um porco? - - indagou o policial.
Bartolo:
--- Deve ser. O bicho faz um alarme dos diabos! – relatou o motorista.
Caio:
--- É a hora da sangria! – sorriu a declarar a um só tempo.
Dalva:
--- Sangria? Vão matar o animalzinho? Coitado! – reclamou a bela imagem de mulher.
Caio:
--- E como é que voce quer comer o porco? – indagou o homem a sorrir.
Dalva:
--- Mas isso não se faz! É uma perversidade! – reclamou a mulher a enxugar as lágrimas.
No lado da cerca, dentro do sitio, o homem puxava o grande porco pelas pernas traseiras sob os guinchados estertores da morte certa. E o homem sem camisa e suado, levantou o porco em seus guinchados mortais até a certa altura de chão em um gancho. Estrebuchando sem dó, o suíno temia o golpe mortal por uma impiedosa mão de pilão. E foi golpe certeiro. Em uma só tacada o homem bruto desferiu o certeiro golpe no pescoço do suíno acabando de vez com plena brutalidade o lamento atroz. O animal estava suspenso por uma estaca de madeira e dali, começou-se a fazer a sangria e em seguida aberta a barriga do animal de cima abaixo para tirar as suas tripas e deixadas cair dentro de uma bacia de flandres. Em seguida, a mulher do bodegueiro juntou o sangue em uma vasilha e a mocinha levou os fatos para a cozinha a fim de tratar e assar no fogão de lenha. Tudo isso se deu ante o espanto de Dalva a abaixar a sua cabeça para não testemunhar tamanho assassinato de um belo suíno. Em sua mente, ela não tirava a imagem do gordo suíno a balançar na estaca com os olhos suplicantes de um lado para o outro a rogar misericórdia da ação dos seus executores. As entranhas do suíno estavam a ser lavadas para em seguida postas salgadas e assadas em um vasilhame colocado ao fogo. Essa é a forma brutal de se sangrar um barulhento suíno.
 

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