sábado, 8 de setembro de 2012

ISABEL - 49 -


- Deborah Secco -
- 49 -
O FEIJÃO
Racilva estava com o livro sobre Teatro com imensa curiosidade a ler tudo em pormenores. Para a diva não havia demais a fazer em sua casa, pois tudo estava feito, a não ser o feijão. Ela ligava atenção para esse detalhe. Os meninos passavam a frente da casa numa zoadeira infernal. Era o fim da aula da manhã. Mesmo assim, a atenção de Racilva estava no livro. Não importava o vendedor de peixes a passar oferecendo o pescado como sua voz morna de quem não quer vender nada:
Vendedor:
--- Peixe! Olha o peixe! Peixe! – rezava o vendedor a passar devagar por entre as casas, algumas de taipa.
A moça continuava a ler, sem pressa, o iniciar do Teatro, por acaso na Grécia Antiga. A historia era antiga,  mesmo assim a Racilva despertava o sentir daquele episódio da arte nos dias atuais enfim. Conta-se historias de peças sagradas do antigo Egito e o mito de Osíris (deus) e Ísis. Na história lida por Racilva teria havido a ressurreição de Osíris por intercessão de sua própria esposa. Enquanto isso, Aristóteles afirmava que a tragédia surgiu com um hino cantado e dançado em honra a Dionísio, o deus grego da fertilidade. Todas essas peças de Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, Aristófanes e Menandro ainda nos tempos atuais são encenadas. Inclusive Édipo Rei, de Sófocles. Édipo é a primeira obra de um conjunto que inclui também Antígona e Édipo em Colono. A história central é a de Édipo matar o seu próprio pai e se casar com a sua mãe. Era a história a qual Racilva estava entretida sem lembrar nem sequer do feijão do fogo. Mas em determinado instante a moça sentiu o cheiro de queimado e alarmou com pressa.
Racilva:
--- O feijão! Corre! Depressa! – disse a moça alarmada a si mesma se levantado da cadeira e correndo para a cozinha.
Ao chegar perto do fogão somente pode ver o tacho rachado e todo o feijão queimado. Ela não teve esperança alguma em tirar do fogo aquele cinzeiro ardendo. E a seguir, a moça chorou e começou a rezar para que a sua mãe demorasse um pouco mais, pois o jeito era fazer do feijão tudo de novo em outra panela de barro.
Racilva:
--- Eita danado! Esse tal de Aristóteles não me ajuda em coisa alguma! – fez ver a moça tirando tudo do fogão de barro.   
Em igual momento chegava à porta da humilde casa dona Maria José a procura de Racilva para lançar conversa fora. Ela olhou dentro da casa e nada notou de estranho. Apenas sentia um forte odor de feijão queimado. Podia ser naquela casa pobre ou em outra qualquer. De qualquer forma Maria José não excitou e resolveu chamar Racilva, pois tinha um caso para avisar a moça de 18 anos ou qualquer coisa assim. E foi em frente:
Maria:
--- Racilva! Racilva! Estás em casa? – perguntou a mulher.
Racilva estava no meio de limpar o fogão de barro, cheia de conflito e impaciência  e quase não deu para responder a quem lhe chamava. O fogão estava destroçado e a moça toda suja de fuligem das sobras do feijão queimado. Ainda assim, pôs a cara para o corredor da casa, e disse ainda:
Racilva:
--- Estou! Espera! Tô toda suja de feijão! Espera! – gritou a moça de dentro para fora.
Maria José ficou assustada e, de imediato, pediu licença e entrou na casa de Racilva. E foi entrá-la toda suja de fuligem, o feijão torrado sobre a mesa do fogão e a moça a chorar com a desgraça aprontada. O livro ela nem sequer lembrava-se de onde deixara. Talvez tivesse na cadeira onde ela estivera há poucos minutos. Talvez não. Com certeza ficara em cima do centro ou qualquer coisa assim. Racilva, toda afobada por causa do vexame sofrido apenas queria era mesmo chorar.
Racilva:
--- Minha mãe tá chegando e eu nem panela tenho! – chorava ao desconsolo a moça.
Maria José observou com atenção o vexame da moça e disse a ela não se preocupar, pois na sua casa tinha feijão cozinhado e ela podia trazer tudo o que fosse preciso:
Maria:
--- Não se incomode! Não se incomode! Deixa pra lá. Eu tenho feijão e mais coisa lá em casa! E posso trazer pra você! – disse a mulher ao se virar para sair da casa.
Racilva, desesperada, continuava agoniada por ver tudo destroçado. Principalmente a panela de barro, coisa que tanto gostava a sua mãe. A mulher – Ricarda, mãe de Racilva – costumava dizer ter a panela melhor da feira. Ela se lembrava da feira do bairro. Agoniada da vida Racilva limpava tudo para não deixar vestígios. Os cacos da panela ela sacudiu fora, longe da casa enquanto Maria José já trazia mais feijão temperado com linguiça, toucinho, fato, tripas e carne verde cozinhada, verduras, legumes e apenas dizia:
Maria:
--- Tá aqui o que eu pude arranjar. Não se desespere. Tudo se ajeita. É dizer a sua mãezinha ter sido o meu presente, vez ter cozinhado demais para a casa e, hoje, Isabel e o marido não para casa almoçar. Diga isso. O mendigo Valdivino está no bar despachado com Isabel. – sorriu a moça ao destacar tudo a falar a moça Racilva.
O certo, com um pouco, a paz voltou a reinar na casa de Racilva. Esta, sem saber o que fazer apenas se abraçou com a amiga – de pouco tempo – pois seria a única forma de agradecer o afeto recebido naquela manhã quase tarde. Em instantes, Ricarda entrou na casa e admirou de Maria José estar em seu mocambo – se era assim que a mulher chamava a casa velha. Maria José sorriu e disse apenas que era para dar um presente a Racilva.
Ricarda:
--- Presente? Que presente é esse? Ô calor. Virgem! Está pegando fogo! – respondeu a mulher ao chegar do trabalho de faxineira no Grupo Escolar do outro bairro.
Maria:
--- Almoço ao seu gosto. Racilva me falou que a senhora gostava de fatos, tripas, linguiça no feijão e eu aproveitei e trouxe um pouco do que fiz. Não sei se a senhora gosta do meu tempero. Mas... – sorriu a mulher para despistar a causa de tanto gosto.
Fazia um mês do acontecido da residência de Racilva. E nesse dia Maria José estava em casa de Isabel. O seu menino, Paulo, frequentava a escola existente próxima. Era um grupo escolar reunido. Crianças, quando suas mães queriam, podiam ficar na hora do almoço. Após esse almoço as crianças ficavam a dormir até e reinicio de segundo turno das aulas. Esse período era de segunda a sexta feira. No sábado e domingo e feriados os meninos ficavam em suas casas. Naquele dia, meio de semana, dona Salete já estava no banho e Maria José aproveitava para preparar o almoço. Isabel era provável de vir para a sua casa no horário do meio dia. A mulher doente estava mais tranquila com a medicação passada pelos médicos da capital. Tal caso deixava Maria José mais tranquila. Na hora dos afazeres a mulher ouviu chamar de fora. Era alguém, talvez Racilva ou um vendedor de quinquilharias. A moça se voltou a olhar e viu duas mulheres na porta. Ela, enxugando as mãos com uma toalha, veio de dentro, a saber, o que as mulheres desejavam. Talvez pudessem ser cartomantes ou ciganas pensou Maria José na sua corrida para a porta. E foi assim mesmo, porém tranquila:
Maria:
--- Pois não! – respondeu a mulher ainda moça.
A mocinha foi a perguntar com receio.
Moça:
--- É aqui a casa de dona Isabel? – perguntou a moça meio retraída.
Maria:
--- Sim. Com quem eu falo? – indagou a jovem senhora olhando a segunda mulher como quem quer conhecer..
A moça respondeu com cisma:
Moça:
--- Ela está? – indagou a moça com certo receio.
Maria José ficou com um pé atrás e outro na frente para poder responder.
Maria:
--- Não. Ela não está. Em que posso servi-la? – indagou com cuidado a mulher.
A moça olhou para a mulher ao lado a estar com ela e decidiu falar.
Moça:
--- É o seguinte: nós somos do interior. Chegamos inda agora. E estamos a procura de Isabel porque a mulher mandou uma carta para uma senhora lá do interior. E pedia notícias de Maria Clementina. É por isso que estamos aqui. – falou retraída a moça.
Maria José ficou tonta de surpresa. Era Maria Clementina a mulher a estar com a moça. Ela teve a certa de reconhecê-la na verdade.
Maria:
--- Maria Clementina é a senhora? – indagou cheia de alegria a mulher Maria José.
 


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