- Tainá Müller -
- 72 -
DECISÃO
Na tarde
daquele mesmo dia Eurípedes estava em casa do seu irmão onde ficara abrigada
como uma estrangeira a sua própria mãe Clotilde. Ele fora almoçar com a anciã e
pode conversar de assuntos do Hospital e de se evitar a permanência de pessoas
no apartamento do enfermo. Sem conter as lágrimas, a mulher desafogou as suas
mágoas ao pedir ao seu filho doutor para levar o filho amado para outro local
onde a anciã pudesse ter acesso. Diante de tal esforço de sua mãe querida
Eurípedes lhe pediu desculpas, porém alegou ter o corpo diretivo a atitude de
se decidir pela precaução ao enfermo. Jonas estava com uma enfermidade rara
para a ciência de modo só poder por o doente nesse regime por enquanto e até
voltar a vida real.
Eurípedes:
--- Eu não
posso intervir na decisão do corpo médico. – disse o médico
Clotilde:
--- Mas o
senhor pode muito procurar outra casa de saúde Tem muitas nesse Rio. – fomentou
angustiada.
Eurípedes:
--- Eu sei.
Disso eu sei. Mas não vou largar meu irmão em qualquer hospital. Temos muitos.
Mas são hospitais limitados. Podem nem cobrar fortunas. Porém, são Hospitais
limitados. – falou moderado.
Clotilde:
--- Limitado
como? – indagou sem compreender.
Eurípedes:
--- As
condições de saúde de Jonas requerem atenção redobrada. Ele estar em coma. É
preciso de um médico presente 24 horas. Notadamente não apenas com Jonas. O
profissional atende também outros
internos. Mas por segurança, ali está o médico. – respondeu com calma.
Clotilde
chorava sem soluços. Apenas chorava de fazer dó. Ela envolta em seus pesares. E
o filho amado em coma. Um vento morno soprou de repente rodeando folhas secas
no meio da rua e formando um funil elevando tudo para o infinito. Automóveis a
passar rasgando o tempo como se nada os privasse. Um rádio se ouviu. Uma mulher
a gritar:
Mulher:
--- Desliga
essa merda! – gritava desesperada a mulher.
Um vendedor de
quinquilharia passou apressado a gritar a todo custo.
Vendedor:
--- Lá vem
trovoada! – gritava desesperado.
As janelas
bateram firmes pela força do vendaval. O dia escureceu. Relâmpago e trovoada.
Chuva inclemente. Cortinas ao leu. Ventania com força. Pratarias a cair. Jarros
de flores a voar à força do acaso. Uivar bramindo da fragorosa tempestade.
Chapéus em torno a voar. Moças a se encolher nas portas das casas. O escuro do
dia se tornara temeroso. Gritos de assombros. Uma mulher fechava a janela da
casa em frente a bramir demais desaforos. O Céu enfim se tornou impotente. E se
deixou cair com a tromba de água. Águas em turbilhão escorriam pelas sarjetas
das moradias. Um pouco além, onde passava o Bonde, o tráfego maior de veículos
ficou sufocado. Com a tempestade da tarde escura, carros, ônibus e bondes
paralisaram suas ações do seu trafegar. O mundo se acabara naquele cruel
instante. O roncar dos trovões bramia com insistência e fúria. Às primeiras
informações davam conta de alagamento nos baixios da cidade maravilhosa. As
emissoras de rádio falavam de desabamentos de moradias. Era qualquer coisa de
sobrenatural o trovejar persistente. Um ancião escorado em uma porta, uma
parturiente caída no chão, um viciado em drogas caminhava aleatório, um mendigo
a suplicar por tempo melhor. E a turbulenta enxurrada a arrastar a tudo e a
todos.
Eurípedes:
--- Helena de
Troia! – comentava em murmúrio.
Clotilde se
agasalhou como pode e não comentou o que por certo ouvira. Eurípedes com certeza
estaria a murmurar sobre a tal sociedade daquele momento. Helena significava a
Sociedade governante, o poder, o supremo. Porém aquele poder estava nocauteado
diante da fúria inominável do terror sem mágoa a querer apenas o desejar
lascivo de fecundar a cólera. Friedrich Nietzsche já apontara em sua obra
filosófica “O Nascimento da Tragédia” algo em torno de Helena. A tão citada
Helena do tempo grego, nada mais era do que a Sociedade. O autor da tragédia
embutiu o nome de “Helena” para não arrazoar de forma factual em sociedade.
Naqueles sombrios tempos era difícil se falar em sócio ou sociedade. Nesse
ponto, Eurípedes logo pensou em um poema antigo cuja memoria estaria
literalmente esquecida. O poema termina com enforcamento de Helena consumado
pelas Erínias, as quais eram as Fúrias ou Vingança desastrosa. O tempo no Rio
se fechara por total não oferecendo vez à passagem de algum transeunte. Havia somente a tormenta avassaladora e cruel.
O telefone
tocou e Eurípedes atendeu de pronto. Era de alguém do Hospital. Depois de
alguns instantes o médico falou com alguém da direção hospitalar. Tal pessoa
pedia urgência do seu comparecimento. Eurípedes alegou estar impossibilitado de
comparecer, pois o temporal do momento desnorteou a cidade. A voz agradeceu e adiantou
de ter de transportar o enfermo Jonas para a UTI, pois a questão era da maior
urgência. E desligou. Eurípedes aterrorizado tremeu. Angústia. Transportar
Jonas para a UTI seria caso grave. O temporal castigava a cidade como um todo.
A genitora do médico caminhava para o quarto totalmente enrolada com a manta. A
doméstica a acompanhava de modo lento e a segurar pelos seus braços. Já chegara
às cinco horas e a intempérie prosseguia.
Clotilde:
--- Nunca vi
temporal desse jeito! – reclamava a mulher.
Eurípedes:
--- Aconteceu
na sua própria cidade. – sorriu o médico
A noite chegou
com as tormentas. O filho atendeu a uma ligação. Sua irmã Fabiana informava
estar naquele momento na UTI para onde foi transportado o seu irmão. Jonas não
recobrara a consciência por conta do medicamento adotado. Quando a moça fez tal
ligação um trovão enorme sacudiu toda a capital do País.
Fabiana:
--- Que
estrondo! – falou apavorada a moça.
Eurípedes:
--- Então
desligue e siga para a UTI. – determinou Eurípedes.
O temporal não
cessou por nenhuma hora a noite e madrugada. Porém, às cinco horas da manhã o
Céu se abriu por inteiro. Não havia nuvens a cobrir o firmamento. As pessoas
iniciavam o caminhar pelas horas matinais da manhã bem cedo ainda pela Avenida
Atlântica como se tudo estivesse normal. Os Bondes iniciavam o tráfego e os
carros já desapareciam do local onde por longas horas permaneciam durante a
tarde-noite. Eurípedes, já desperto, iniciou a viagem para o Hospital onde
estava recolhido o seu irmão Jonas. Apesar do frio intenso, o médico arranjou
um taxi e deu partida entre a pouca gente nas ruas. Por onde trafegava, ele via os vendedores a
colocar as suas bancas nas calçadas e locais com a maior normalidade. Na
verdade, nem parecia a aquela gente o transtorno do temporal trovejante. Ao
chegar ao Hospital, o médico seguiu em frente direto para a UTI onde estava
Jonas. Passando de quarto em quarto, por fim Eurípedes topou com a Unidade. Ao
abrir a porta se deu de cara com sua irmã. Parecia um aviso: Fabiana tentava
sair da Unidade. Não deu tempo falar, pois Eurípedes notou a face da moça
completamente aflita. Os seus marejavam de lágrimas. Não havia ninguém por
perto e Eurípedes indagou simplesmente:
Eurípedes:
--- A que
horas. – indagou murmurando.
Fabiana se recolheu
ao ombro do irmão, abraçada com as suas duas mãos apenas respondeu.
Fabiana:
--- Agorinha.
– conseguiu falar e depois chorou em atormentada hora.
O sepultamento
se deu às cinco horas da tarde do Cemitério São João Batista, no mesmo tumulo
onde fora sepultada a mulher de Jonas, senhora Claudia Rizzo. O féretro seguia
acompanhado do sacerdote, dois coroinhas, a mãe Clotilde, seu filho Eurípedes,
Fabiana e o seu namorado Magela, a ex-cunhada do morto, Milena, os dois filhos entre
outras poucas pessoas. Ainda era dia no Rio. Clotilde apenas chorava em suave
desencanto. O filho Eurípedes a abraçou contrito. O sacerdote rezava trechos do
Evangelho. Os pássaros, naquele momento, fizeram um silencio de luto a
acompanhar com seu vôo silente o repicar dos sinos da Matriz. Um eterno silêncio
se fez sentir como um nostálgico momento de aflição. O vento do fim da tarde a
soprar tangia apenas as folhas dos ciprestes com tristeza e dor. As folhas verdes do verão pairavam
molhadas no chão pregadas crucificadas, silenciosas como a estátua da ninfa a
abraçar seu bem amado na verdadeira hora do sepulcro. No instante da morte de
Jonas a virgem Fabiana falou ter ele despertado de forma silenciosa e
perguntado por sua mãe e nada mais. Em seguida ele fez um jeito de dizer à irmã
ter ele de partir com sua inseparável companheira, Claudia Rizzo. Nesse
instante Jonas fez um sorriso ainda a dizer já sem forças ser o seu namorado Milena
um bom rapaz. Então não mais despertou. Os aparelhos ligados deram conta da
morte do paciente. Foi tudo o que Jonas falou antes de sua morte.
Com dois dias
após, Euripedes e sua mãe Clotilde Galiza voltaram para a cidade do Natal. Ele
completamente em silencio acompanhando a tormentosa dor da partida de Jonas. A
mulher, sentida, nada falava. Era só pensamento. Recordações dos meninos,
quando muito. Peraltice de crianças. Brincadeiras pelos campos. Salto na lagoa.
Coisas simples até demais. Eram tudo lembranças e nada mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário