quinta-feira, 6 de junho de 2013

"NARA" - 72 -

- Tainá Müller -
- 72 -
DECISÃO
Na tarde daquele mesmo dia Eurípedes estava em casa do seu irmão onde ficara abrigada como uma estrangeira a sua própria mãe Clotilde. Ele fora almoçar com a anciã e pode conversar de assuntos do Hospital e de se evitar a permanência de pessoas no apartamento do enfermo. Sem conter as lágrimas, a mulher desafogou as suas mágoas ao pedir ao seu filho doutor para levar o filho amado para outro local onde a anciã pudesse ter acesso. Diante de tal esforço de sua mãe querida Eurípedes lhe pediu desculpas, porém alegou ter o corpo diretivo a atitude de se decidir pela precaução ao enfermo. Jonas estava com uma enfermidade rara para a ciência de modo só poder por o doente nesse regime por enquanto e até voltar a vida real.
Eurípedes:
--- Eu não posso intervir na decisão do corpo médico. – disse o médico
Clotilde:
--- Mas o senhor pode muito procurar outra casa de saúde Tem muitas nesse Rio. – fomentou angustiada.
Eurípedes:
--- Eu sei. Disso eu sei. Mas não vou largar meu irmão em qualquer hospital. Temos muitos. Mas são hospitais limitados. Podem nem cobrar fortunas. Porém, são Hospitais limitados. – falou moderado.
Clotilde:
--- Limitado como? – indagou sem compreender.
Eurípedes:
--- As condições de saúde de Jonas requerem atenção redobrada. Ele estar em coma. É preciso de um médico presente 24 horas. Notadamente não apenas com Jonas. O profissional atende  também outros internos. Mas por segurança, ali está o médico. – respondeu com calma.
Clotilde chorava sem soluços. Apenas chorava de fazer dó. Ela envolta em seus pesares. E o filho amado em coma. Um vento morno soprou de repente rodeando folhas secas no meio da rua e formando um funil elevando tudo para o infinito. Automóveis a passar rasgando o tempo como se nada os privasse. Um rádio se ouviu. Uma mulher a gritar:
Mulher:
--- Desliga essa merda! – gritava desesperada a mulher.
Um vendedor de quinquilharia passou apressado a gritar a todo custo.
Vendedor:
--- Lá vem trovoada! – gritava desesperado.
As janelas bateram firmes pela força do vendaval. O dia escureceu. Relâmpago e trovoada. Chuva inclemente. Cortinas ao leu. Ventania com força. Pratarias a cair. Jarros de flores a voar à força do acaso. Uivar bramindo da fragorosa tempestade. Chapéus em torno a voar. Moças a se encolher nas portas das casas. O escuro do dia se tornara temeroso. Gritos de assombros. Uma mulher fechava a janela da casa em frente a bramir demais desaforos. O Céu enfim se tornou impotente. E se deixou cair com a tromba de água. Águas em turbilhão escorriam pelas sarjetas das moradias. Um pouco além, onde passava o Bonde, o tráfego maior de veículos ficou sufocado. Com a tempestade da tarde escura, carros, ônibus e bondes paralisaram suas ações do seu trafegar. O mundo se acabara naquele cruel instante. O roncar dos trovões bramia com insistência e fúria. Às primeiras informações davam conta de alagamento nos baixios da cidade maravilhosa. As emissoras de rádio falavam de desabamentos de moradias. Era qualquer coisa de sobrenatural o trovejar persistente. Um ancião escorado em uma porta, uma parturiente caída no chão, um viciado em drogas caminhava aleatório, um mendigo a suplicar por tempo melhor. E a turbulenta enxurrada a arrastar a tudo e a todos.
Eurípedes:
--- Helena de Troia! – comentava em murmúrio.
Clotilde se agasalhou como pode e não comentou o que por certo ouvira. Eurípedes com certeza estaria a murmurar sobre a tal sociedade daquele momento. Helena significava a Sociedade governante, o poder, o supremo. Porém aquele poder estava nocauteado diante da fúria inominável do terror sem mágoa a querer apenas o desejar lascivo de fecundar a cólera. Friedrich Nietzsche já apontara em sua obra filosófica “O Nascimento da Tragédia” algo em torno de Helena. A tão citada Helena do tempo grego, nada mais era do que a Sociedade. O autor da tragédia embutiu o nome de “Helena” para não arrazoar de forma factual em sociedade. Naqueles sombrios tempos era difícil se falar em sócio ou sociedade. Nesse ponto, Eurípedes logo pensou em um poema antigo cuja memoria estaria literalmente esquecida. O poema termina com enforcamento de Helena consumado pelas Erínias, as quais eram as Fúrias ou Vingança desastrosa. O tempo no Rio se fechara por total não oferecendo vez à passagem de algum transeunte.  Havia somente a tormenta avassaladora e cruel.
O telefone tocou e Eurípedes atendeu de pronto. Era de alguém do Hospital. Depois de alguns instantes o médico falou com alguém da direção hospitalar. Tal pessoa pedia urgência do seu comparecimento. Eurípedes alegou estar impossibilitado de comparecer, pois o temporal do momento desnorteou a cidade. A voz agradeceu e adiantou de ter de transportar o enfermo Jonas para a UTI, pois a questão era da maior urgência. E desligou. Eurípedes aterrorizado tremeu. Angústia. Transportar Jonas para a UTI seria caso grave. O temporal castigava a cidade como um todo. A genitora do médico caminhava para o quarto totalmente enrolada com a manta. A doméstica a acompanhava de modo lento e a segurar pelos seus braços. Já chegara às cinco horas e a intempérie prosseguia.
Clotilde:
--- Nunca vi temporal desse jeito! – reclamava a mulher.
Eurípedes:
--- Aconteceu na sua própria cidade. – sorriu o médico
A noite chegou com as tormentas. O filho atendeu a uma ligação. Sua irmã Fabiana informava estar naquele momento na UTI para onde foi transportado o seu irmão. Jonas não recobrara a consciência por conta do medicamento adotado. Quando a moça fez tal ligação um trovão enorme sacudiu toda a capital do País.
Fabiana:
--- Que estrondo! – falou apavorada a moça.
Eurípedes:
--- Então desligue e siga para a UTI. – determinou Eurípedes.
O temporal não cessou por nenhuma hora a noite e madrugada. Porém, às cinco horas da manhã o Céu se abriu por inteiro. Não havia nuvens a cobrir o firmamento. As pessoas iniciavam o caminhar pelas horas matinais da manhã bem cedo ainda pela Avenida Atlântica como se tudo estivesse normal. Os Bondes iniciavam o tráfego e os carros já desapareciam do local onde por longas horas permaneciam durante a tarde-noite. Eurípedes, já desperto, iniciou a viagem para o Hospital onde estava recolhido o seu irmão Jonas. Apesar do frio intenso, o médico arranjou um taxi e deu partida entre a pouca gente nas ruas.  Por onde trafegava, ele via os vendedores a colocar as suas bancas nas calçadas e locais com a maior normalidade. Na verdade, nem parecia a aquela gente o transtorno do temporal trovejante. Ao chegar ao Hospital, o médico seguiu em frente direto para a UTI onde estava Jonas. Passando de quarto em quarto, por fim Eurípedes topou com a Unidade. Ao abrir a porta se deu de cara com sua irmã. Parecia um aviso: Fabiana tentava sair da Unidade. Não deu tempo falar, pois Eurípedes notou a face da moça completamente aflita. Os seus marejavam de lágrimas. Não havia ninguém por perto e Eurípedes indagou simplesmente:
Eurípedes:
--- A que horas. – indagou murmurando.
Fabiana se recolheu ao ombro do irmão, abraçada com as suas duas mãos apenas respondeu.
Fabiana:
--- Agorinha. – conseguiu falar e depois chorou em atormentada hora.
O sepultamento se deu às cinco horas da tarde do Cemitério São João Batista, no mesmo tumulo onde fora sepultada a mulher de Jonas, senhora Claudia Rizzo. O féretro seguia acompanhado do sacerdote, dois coroinhas, a mãe Clotilde, seu filho Eurípedes, Fabiana e o seu namorado Magela, a ex-cunhada do morto, Milena, os dois filhos entre outras poucas pessoas. Ainda era dia no Rio. Clotilde apenas chorava em suave desencanto. O filho Eurípedes a abraçou contrito. O sacerdote rezava trechos do Evangelho. Os pássaros, naquele momento, fizeram um silencio de luto a acompanhar com seu vôo silente o repicar dos sinos da Matriz. Um eterno silêncio se fez sentir como um nostálgico momento de aflição. O vento do fim da tarde a soprar tangia apenas as folhas dos ciprestes com tristeza e dor.        As folhas verdes do verão pairavam molhadas no chão pregadas crucificadas, silenciosas como a estátua da ninfa a abraçar seu bem amado na verdadeira hora do sepulcro. No instante da morte de Jonas a virgem Fabiana falou ter ele despertado de forma silenciosa e perguntado por sua mãe e nada mais. Em seguida ele fez um jeito de dizer à irmã ter ele de partir com sua inseparável companheira, Claudia Rizzo. Nesse instante Jonas fez um sorriso ainda a dizer já sem forças ser o seu namorado Milena um bom rapaz. Então não mais despertou. Os aparelhos ligados deram conta da morte do paciente. Foi tudo o que Jonas falou antes de sua morte.
Com dois dias após, Euripedes e sua mãe Clotilde Galiza voltaram para a cidade do Natal. Ele completamente em silencio acompanhando a tormentosa dor da partida de Jonas. A mulher, sentida, nada falava. Era só pensamento. Recordações dos meninos, quando muito. Peraltice de crianças. Brincadeiras pelos campos. Salto na lagoa. Coisas simples até demais. Eram tudo lembranças e nada mais.

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