- Anete Monteiro -
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Fazia um calor alucinante no meio do salão apenas pouco mais tranqüilizado por causa de uns ventiladores pregados abaixo do teto. Duas janelas eram abertas na frente da casa grande. Essas se fechariam quando começasse a parte da doutrinação dos “espíritos” enlouquecidos ou “doentes” ou mesmo sem noção de ser espírito desencarnado. Essa a fase mais difícil para os médiuns: doutrinar os espíritos. No inicio dos trabalhos havia uma preleção feita, com certeza, pelo presidente da casa. Ela citava exemplos de pessoas que estariam “vivas” e teriam sido “perseguidas” por um espírito de pessoa conhecida. Esse espírito procurava se “vingar” de algo pelo qual passara quando ainda era encarnado por parte daquela pessoa. Um caso estranho foi de um espírito que “acordou” em frente a um pé de tamarindo. Esse pé era quase em frente ao centro. O “espírito” de um morto que havia sido desencarnado há vários anos viu uma forte aglomeração de pessoas no centro e foi até onde estavam as pessoas. Pensava ele se tratar de uma cerimônia de carnaval ou casamento. Ao chegar ao Centro Espírita deparou-se com uma sessão espírita e ficou transtornado. Ao chegar ao interior do Centro alguém lhe convidou a ir até o mentor espiritual. E ali ele se deparou com sua real situação. Era ele um espírito de alguém que havia desencarnado ao pé de tamarindo. Ele disse ao mentor que estava ali porque pensara estar havendo uma festa. E era servidor de uma firma em um bairro da capital. E disse o nome da firma. Foi doutrinado e saiu. Tempos depois o mentor do Centro a andar por aquele bairro, encontrou uma inscrição na porta da imensa casa: “Cantinho dos Presentes”, local que o espírito disse ser servidor da casa. O mentor procurou vasculhar com o rapaz da loja se havia tal senhor que trabalhou ali há vários anos, recebeu a informação que sim. E essa pessoa morrera há vários anos em um pé de tamarindo. O caso ficou registrado na história da Casa Espírita para todo o sempre.
Na segunda parte da reunião era a vez de “tirar os encostos” do pessoal que estava na mesa e no interior do salão. Racilva Pontes já havia estado na salinha atrás da mesa onde tomou passes e naquele instante estava coberta de qualquer impureza. Foi ela, sentada em frente à Vera Muniz, quem pôs a mão na testa e viu a figura de uma mulher de pé, por trás de Vera. Ela inquiriu ao espírito o que ele estava fazendo atrás daquela irmã. E o espírito respondeu:
--- Procurando ajuda. – respondeu o espírito coisa só ouvida por Racilva Pontes.
Racilva pediu que ela incorporasse em seu mentor que estava ao lado de Vera. Então o espírito da mulher se incorporou no médium e passou a relatar. Era o espírito de uma jovem moça. Ele estava a trajar roupas brancas como se fosse uma noiva. E o médium indagou o que se poderia fazer para ajudá-lo. Ele falou que estava a espera de seu noivo. A médium indagou quem era esse noivo. O espírito respondeu:
--- Diomedes, o seu nome. – falou tristonho o espírito da mulher.
--- Onde ele está o Diomedes? – indagou a médium.
--- Na praia de Coqueiros. – respondeu o espírito.
--- Mas Diomedes ainda é encarnado? – voltou a pesquisar a médium.
--- Sim. Mas tem pouco tempo para vir para o meu lado. – respondeu o espírito chorando.
Racilva Pontes fez oração para o espírito atordoado lembrado que era possível ele ir para um recanto de paz e sossego onde outros espíritos andejos estavam. E que o espírito da moça não mais aparecesse à mulher, pois tinha apenas o seu sofrer demonstrado a Vera Muniz. E em seguida Racilva fez um gesto para que outros espíritos de luz salvassem aquele outro espírito que ainda não se projetava para o seu firmamento. Com isso, o espírito saiu do corpo cansado do médium. Silas estava presente a sessão, ao lado de sua esposa. Tudo era silencio no ambiente de luz. Após essa sessão mediúnica Vera e o marido foram tomar passe e a receita foi de que eles deviam voltar na próxima sessão. O rapaz ficou incrédulo com o acontecimento onde a sua esposa foi a vitima principal. Naquele momento, um tumulto aconteceu na sala do Centro Espírita. O salão estava repleto de pessoas pobres e ricas. Entre o meio do pessoal uma mulher pequenina, franzina e sem forças se levantou do banco onde sentava. Ela estava possessa. Dois homens musculosos seguraram a mulher franzina. Essa se debateu ao ponto de se largar dos dois homens musculosos e partir para o corredor do meio da sala. O alvoroço se formou. Todos os presentes olhavam a força da mulher raquítica. O poder bruto dos dois homens tentava a segurar. E ela possessa dizia:
--- Me solta. Me solta. Eu quero matar aquele verme. Safado. Cruel. Filho de uma puta. – respondia o espírito que estava na mulher.
Mais dois médiuns vieram em socorro. Eles seguraram a mulher de qualquer jeito. O espírito era mais forte que os quatro homens e se soltava aos berros de proferir a questão de:
--- Eu mato ele. Eu mato ele. Sacana. Venha covarde. Soltem-me para que eu mate aquele verme! – respondia o espírito dentro da mulher franzina.
Entre o meio dos quatro homens que seguravam a mulher estava um que de tão alto e forte lhes chamavam de “Paredão”. Esse foi o que mais sofreu. A mulher franzina, de sua forma, chutava “Paredão” que a todo custo a sustentava para ver se conseguia prendê-la ao chão. No entanto a mulher se mostrava mais forte que os quatro homens inclusive “Paredão”. O tumulto se formou em todo o ambiente do salão com choros, gritos, pessoas possessas. Um deficiente visual teve um instante de possessão. Na mesa de trabalhos todos ficaram atônitos. A moça Racilva Pontes estava na metade da mesa de trabalho e se levantou para acudir o espírito raivoso. De posse de um crucifixo ordenou, ao chegar até a mulher possessa e gritou:
--- Pare em nome do senhor!!! Pare espírito imundo!!! PARE!!! – gritou Racilva de forma firme.
O espírito se desvencilhou de quem os segurava e partiu para cima de Racilva. Essa o segurou e com o crucifixo encostou-lhe a testa e tornou a gritar:
--- Espírito de luz! Retirem esse endemoniado! – bradou Racilva mesmo com o seu porte franzino e delicado.
Da porta de entrada para tomar passes estavam presentes olhando amedrontados, Vera Muniz e o seu marido Silas Albuquerque. Nas janelas que davam para o beco as pessoas ficaram todas admiradas com a cena. Médiuns vieram para socorrer outros “doentes” que estavam igualmente possessos no meio do salão. Foi um verdadeiro tumulto que se formou. O povo do Beco da Casa Espírita ficou todos amedrontados com a cena escabrosa. Até que após algum tempo tudo voltou ao normal com a conciliação dos presentes.
O tempo de orações se fez presente para todos os espíritos ali presentes. Uns choravam, outros pediam paz. Os espíritos de luz faziam a retirada dos espíritos impuros para os seus locais onde podiam ficar. Na rua, em frente a Casa, pessoas ficaram a imaginar como uma mulher tão franzina conseguiu vencer a força de quatro homens, inclusive “Paredão”, o mais forte de todos e de um homem que era também pescador e tinha uma força surpreendente capaz de se atracar com um tubarão no meio do mar. Porém, o espírito se mostrou mais forte do que todos os que tentavam segurá-lo. Esse foi o comentário geral dos assistentes por longos dias a fora. Ao sair do transe a mulher franzina indagou atônita a que estava fazendo ali no meio de tanta gente. “Paredão” respondeu que ela só estava servindo de instrumento para um espírito.
--- Vá tomar passe. Tudo está bem. – recomendou Racilva Pontes a mulher franzina.
Ao final da reunião, Racilva chamou Vera a um lado e lhe disse, confortando a mesma:
--- Não temas. Volte para as sessões da semana. São duas sessões por semana. E se quiser “Paredão” e o pescador irão a sua casa para fazer uma limpeza, pois com certeza, deve haver vários espíritos em sua casa. Mas hoje está tudo bem. – falou Racilva Pontes.
Vera Muniz tremeu de medo ao ver se tudo aquilo houve em uma sessão quanto mais em sua própria moradia. De momento, a mulher concordou em fazer uma sessão na sexta-feira para ter a certeza de que não haveria mais sinal de algum espírito negativo em sua residência. E do mesmo modo passou a comprar livros para poder ler sobre o espiritismo, como sendo “O Livro dos Espíritos”, “O Evangelho Segundo o Espiritismo” e outros compêndios então existentes no mercado de livros da cidade. Algo que surpreendeu Vera Muniz foi algo que Fe meditar mais profundamente sobre a Bíblia. Era uma publicação sobre os Evangelhos Perdidos que não constavam na Bíblia Sagrada. Esses tais pergaminhos foram achados em umas cavernas do Mar Morto e trazia confidência de Jesus aos seus discípulos sobre a vida após a vida presente. Foi então que Vera se aprofundou bem mais nos estudos desses arquivos. E teve a intenção de fazer viagem até a região de Nag Hammadi, no Alto Egito, onde foram encontrados em 1945 os papiros com cinqüenta e dois textos onde constavam as palavras do Mestre. Os manuscritos conhecidos como livro secreto revelam ensinamentos apresentados segundo perspectivas bastante diversas das postas nos Evangelhos Oficiais da Igreja.
--- Silas. A verdadeira história de Jesus é bem diferente. – disse Vera Muniz ao falar sobre os Evangelhos.
--- Cada qual tem o seu interesse em dar versão ao que lhe interessa. – ressaltou Silas.
--- Mas nós estamos acostumados a pensar segundo a Bíblia. – relatou Vera.
--- É que a Bíblia traz um documento já codificado para os homens. – descreveu Silas.
--- É. Mas o negócio não tem o mesmo sentido se formos ver. – confessou Vera.
--- É certo. Depois do menino nascer poderemos ir para certas regiões, se você quiser. – complementou Silas Albuquerque.
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