- Simone Spoladore -
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Racilva não se conteve com aquele pedido que lhe fizera a amiga Vera Muniz. Pelo resto da tarde Racilva, no seu escritório, sempre a chorar, era isso que teimava fazer ao se lembrar do que fora suplicado por sua velha e querida amiga de largos anos. Para mais ficar recolhida às suas quimeras, Racilva trancou a chave toda a porta do seu escritório alertando o rapaz que fazia a vez de secretário que não estaria para ninguém naquele resto de tarde sombrio e de poucas e reais amizades. A cortina que cobria o interior do escritório fora fechada não permitindo a ninguém se ver o que estava ali dentro ou quem estava também. Racilva se ressentia de não ter mais amigos na sua voragem da vida. Amiga apenas era tão somente Vera mulher da mesma idade que Racilva, de contar segredinhos a cada uma, de matar a saudade quando essa se aplacava, de reviver as lembranças dos velhos e imortais tempos de escola. Eram causos de suas vidas quase que distintas a qual as amigas reviviam ao sabor da natureza amena, às vezes solitária. Racilva não tinha e nunca teve um amor para viver com ele. Solitária, vivia apenas do seu trabalho. Moça esbelta, carinhosa e meiga e até mesmo de boa altura, de um metro e setenta centímetros, ela gostava de vestir de preferência um vestido branco, saia plissada encobrindo outras meias saias para dar maior enchimento ao seu corpo de menina-mulher. Cabelos longos que Racilva sempre trazia enrolados à cabeça, pele clara, rosto de menina, andar de mulher. Na mão, uma bolsa onde se podia encontrar quase de tudo que uma jovem donzela carecia necessitar.
Amores e amantes são coisas que nunca se fala nem mesmo ao ou a melhor amiga. Racilva sofria com esse enigma desde o tempo em que era estudante do Grupo Escolar. Ela bem pouco ou quase nada falara de um amor o qual, não raro a deixava com despeito amoroso por ter dificuldade de se aproximar do garoto. Além do mais, uma amiga que Racilva prezava já o fizera seu maior namorado daqueles tempos de Grupo. A classe findou se dissipando e Racilva não ouviu falar naquele encantador garoto. O tempo inexorável passou, Racilva cresceu e se tornou moça, porém nunca quis saber de um amor eterno. Na sua lembrança só restava à figura do belo garoto. Talvez ele até nem soubesse do amor sentido para com ele por Racilva. E se notou, ele já estava com outra namorada. E o caso findou nesses malgrados termos. O tempo lacrimoso passou, Racilva continuava encantadora até que um dia o rapaz surgiu mais uma vez e muito mais belo em sua amargurada visão apaixonada. Porém, a moça nada falou para o moço. Eles eram apenas amigos de trabalho. As vagas foram surgindo no seu trabalho e ela então já assumira o cargo de vice-presidente. E o seu amante, por despeito do destino se abraçou novamente com a velha amiga de Racilva. Por fim, Vera Muniz e Silas Albuquerque se tornaram noivos, viajaram para a Europa e Racilva ficou apenas como um caso de amor não resolvido.
Com o passar dos meses, Racilva findou por ouvir de Vera uma confissão.
--- Case com Silas se eu não escapar dessa gravidez! – dizia a mulher já a altura de ter menino
Era um dilema atroz para Racilva. Casar com Silas era o seu maior sonho. Mesmo assim, a vida de sua amiga era o seu maior desejo e Racilva não apostava nem um pouco em vir a se casar com Silas para ajudar à amiga. E nem acreditava que Vera morresse da gravidez daquele filho querido e bem dito. Por isso mesmo, Racilva, amargurada, chorou a tarde inteira.
--- Onde está Racilva? – indagou o diretor Silas Albuquerque ao secretario da moça.
--- Está aí dentro, porem me ordenou não dizer a ninguém. E estou dizendo ao senhor por ser amigo da moça. – dialogou o secretário de Racilva.
--- Quem está com ela? – indagou de novo o diretor.
--- Ninguém. Ela fechou as cortinas do escritório para não se ver o que estava fazendo. – respondeu o secretário.
--- Abra a porta, por favor! – pediu Silas ao moço secretário.
--- Não posso. Ela fechou por dentro. – respondeu o secretário.
--- Deixa-me ver. – e ligou o seu celular para o de Racilva.
O celular chamou e endereçou para a caixa postal. E em seguida, atordoado, Silas tocou na sineta de Racilva e essa não respondeu ao chamado feito. O homem então bateu na porta chamando por Racilva e dizendo quem era por sinal. Um barulho distante se fez no interior do escritório e com um pouco de tempo a porta se abriu.
--- Até que enfim. Estás doente? – perguntou Silas a moça que estava a olhar para os prédios da rua ficando de costas para o homem que entrava no seu gabinete.
A moça enxugou as lágrimas dos olhos e se voltou para Silas, procurando se sentar em seu almofadado e indicando outro para o homem.
--- Sente, por favor. Café? - indagou a moça ao seu visitante de todos os dias e todas as horas.
--- Não. Não. Eu estou só trazendo um esboço para uma nova produção. Para mim, o filme que nós fizemos só entra no mês de fevereiro no festival de Berlim. O de Veneza é para agosto. E tem outros certames, como Espanha, Cuba e Portugal. Tem o do Brasil, em Brasília. – falou com heroísmo o cidadão Silas Albuquerque.
--- Está bom. – falou Racilva limpando com um lenço de papel uma lágrima furtiva.
--- Você está chorando? – indagou Silas a moça.
Para disfarçar os acontecimentos que tivera no início da tarde Racilva negou tal choro e fez de imediato um leve sorriso. A conversa entre os dois durou pouco tempo. Em um instante, a moça convidou Silas para sair, pois teria que cumprir outro compromisso.
--- Assim não. Pode ir. – ressaltou Silas bem humorado.
--- É só para me fazer companhia. Não tem nada a ver com assuntos da empresa. – sorriu a moça tecendo para o homem se retratar e também ir com a jovem moça.
O homem pensou um pouco e resolveu ir com Racilva que lhe advertiu para os dois seguirem no auto da jovem donzela. Ele não precisava do outro carro, deixando do velho Diomedes a esperá-lo mesmo na empresa Pomar.
A tarde era de intenso movimento nas ruas centrais. Gente e carros. Um transeunte por pouco não é atropelado ao cruzar a Avenida da Paz. Garotos a oferecer jornais do dia ou da tarde. Uma menina a pedir esmolas quando o veiculo parou em um sinal. A mulher que atravessava a avenida soltou um gritinho ao ver que por quase não era atropelada por um moço com sua bicicleta. Alguém oferecia frutas. Outros vendiam comidas de ocasião na ponta da calçada em carro de pronta entrega por baixo de um pé de fícus. Sorvetes era o presente de um real por outro vendedor. Um carro se encostou de perto ao de Racilva. O motorista olhou em sua direção e sorriu a despeito de estar no seu auto um homem. Outros carros faziam fila. Buzinas a atormentar. Sinal abriu. Racilva acelerou fundo e partiu. O local para onde ela tencionava seguir, não falou. Após alguns minutos, o carro saiu da cidade. O ambiente era mais calmo. Silas não conversava. Esperava apenas que o lugar chegasse. Após meia hora, de entradas em entradas, ela seguiu para uma casa quase que abandonada sem dizer coisa alguma. Era um casarão. Ninguém morava no prédio de primeiro andar. Um portão foi aberto por Racilva. Ela para isso teve que descer do seu auto. E logo após a moça entrou no local onde estava o prédio. Então falou ao seu companheiro de viagem:
--- Chegue. É aqui. – sorriu Racilva de forma tranqüila.
Obras de arte enfeitavam a sala de autores como Jean Honoré Fragonard. Pinturas clássicas. Cenas de amor ao devaneio; fotos de uma Biblioteca Real; pintores franceses, como Gustave Caillebotte; Joseph Levebvre e Pierre Renoir. Era o mundo real que estava encoberto em um casarão do tempo remoto.
--- Suba! – falou a moça em doce perfume.
Apesar de tantas obras a enfeitar da velha casa, que deixaram Silas extasiado de orgulho por ser um dos que admiravam tais fascinações, ao mesmo tempo o homem obedeceu e subiu as escadas do primeiro andar. Um corredor sem grandes atrativos e uma porta que se abriu ao sabor da rosa mulher, era tudo o que havia no caminho da alcova. A moça entrou em um banheiro e deixou fora, no quarto onde havia uma cama de casal coberta por um véu; algumas cadeiras de palha em vime e armação em madeira; toalete; mais quadros em nus artísticos; ambiente soturno deixando a ver pela janela entreaberta as árvores de acácia a verdejar o espaço de fora. Uma imensidão de pássaros canoros a revoar. Então, a jovem moça surgiu como por encanto, vestindo uma simples roupa confortável onde, a cobrir de cima a baixo, deixava antever que nada além do que Racilva vestia tinha por baixo.
--- Tire traje. – repreendeu Racilva sem, contudo não querer ofender Silas.
Atônito, o jovem rapaz ficou a contemplar a mulher cheia de candura que lhe estava à frente. A moça desabotoou com vagar a camisa, e puxou a gravata, uma vez que o homem já havia retirado o seu paletó. Com muito vagar, a moça foi a desabotoar até o ultimo botão de sua camisa presa por dentro do cinturão. Ao terminar o ato, Racilva lhe falou:
--- Faça o que quiser. Sou toda tua. – e sorriu.
Na cama de casal apenas se mostrava a face da mulher a olhar com o homem a formar o seu ambíguo e alucinado ser.
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