- Beth Goulart -
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Na sexta-feira, à noite, estavam no Ap de Vera Muniz e de Silas Albuquerque, os espíritas “Paredão”, o Pescador e a moça Racilva Pontes para a reunião de mesa que fora marcada com antecedência pela senhora Vera e a moça Racilva. As cinco pessoas depois de uma breve conversa e olhar a rua por entre as janelas do Ap, no alto,eles iniciaram o encontro com a leitura das preces.Um livro com a impressão do “Evangelho Segundo o Espiritismo” foi posto à mesa onde os irmãos estavam a sentar. Na cabeceira na mesa retangular estava Racilva Pontes e na outra parte da mesa estava “Paredão”. Os demais ficaram na parte alongada da mesa. Antes, “Paredão” passou em revista toda a casa, olhando inclusive atrás das portas. Com ele seguiram Vera e Racilva. Depois desse momento, eles iniciaram a reunia espírita. Depois das orações de costume, Paredão falou que a partir daquele instante, e ao querer dos adeptos, ele e quem mais fossem convidados estariam naquele apartamento para estudar um pouco a doutrina espírita. Foi uma longa preleção com o depoimento, principalmente da dona do apartamento, senhora Vera Muniz que estava começando a estudar assuntos de modo espírita sem, contudo entender de muita coisa, como sendo “Apometria”.
--- Bem. Este é um assunto relativamente novo, muito embora já for uma ciência bem antiga. – declarou “Paredão”.
--- Como pode ser uma coisa assim? Antigo e novo? – reclamou Vera Muniz.
--- Bem. É o seguinte: os Guias Espirituais. Os Guias, eu estou falando. Aqueles que já não vivem nesse corpo da carne. Entendeu?; Pois bem! Eles trabalham muito com apometria. A apometria fala do desdobramento, freqüência vibratória, corpo astral, mental e etérico, ressonância do passado, que é uma das técnicas apométricas. A apometria é a técnica que designa o desdobramento do corpo astral. Entendeu agora? – falou Paredão a sorrir levemente
--- Estou em dúvidas. Mas o que essa ciência faz? – indagou Vera meio desconfiada com o ensino de “Paredão”.
--- Veja bem: antes, bem antes, não se falava nessa ciência. Porém com o passar do tempo, com a evolução do próprio espiritismo para não se dizer da humanidade, o véu foi se abrindo e essa nova mais antiga ciência, pois vem do continente africano de inúmeros séculos, foi sendo aplicada abertamente aos médiuns. Segundo os estudiosos, a utilização da apometria pode ser considerada como parte da evolução no tratamento espiritual. A apometria é uma viagem astral. A apometria tem o significado de: “Apó” – além de – e “Metron” – que se refere à “medida”. Por intermédio da projeção do perispírito, o médium pode ver e ouvir os espíritos. É, entre ciências, como técnica eficaz no tratamento das obsessões. Entendeu bem? – perguntou o médium “Paredão”.
O assunto continuou por mais alguns tempos com Vera a pesquisar em sua mente tudo que ouvira falar e dizer sobre a ciência da apometria. Após esse debate, apagaram-se as lâmpadas para ter início à parte da desobsessão de espíritos eventuais que por ali estivessem. Um deles foi mentalizado por “Pescador” a dizer inverdades sobre o outro lado da vida, pois ele estaria vivinho da silva naquele momento. Esse era um caso de um novíssimo espírito que, talvez desencarnara há bem pouco tempo e não sabia que estava assim, desencarnado efetivamente. Houve uma longa prece sobre esse “espírito” e ao fim de tudo ele seguiu para o seu lugar no mundo universal dos desencarnados. O homem tinha morrido há poucos dias e não sabia que ele “morrera” para a vida terrena. O espírito dissera que estava no seu carro e saíra para comprar cigarro em uma cigarreira próxima e nada mais ele dissera. Após longas preces e então Racilva Pontes notou que por trás de “Paredão” tinha um espírito, pois a moça estava a vê-lo. “Paredão” indagou sobre os seus trajes e a moça, em transe, disse ser um “frade” com trajes de uso dos frades, fios dourados em torno da manga da túnica, e seria bem gordo, como dava para ver. “Paredão” disse na oportunidade que aquele era na verdade o “Frade”, espírito de luz que sempre o socorria. Por mais alguns instantes a sessão terminou.
Após a sessão o “Pescador” relatou que certa vez ele ouvira um pedido de “socorro” vindo de certa distancia em pleno mar, durante a noite. Ele procurou ver alguma luz de um barco, mas não avistara. E com isso voltou a dormir no barco de pesca. Algum dia depois lhe chegou a noticia que outro pescador morrera em plena terra depois de uma contenda acirrada com outro pescador. E o homem gritara a pedir socorro e logo morreu.
--- Vá ver que foi ele quem pediu “socorro”. – sorriu “Paredão a beber uma xícara de café que Ver Muniz lhe trouxe.
No domingo seguinte, Vera e Silas foram até a casa de Molambo levando uns pertences para dar a família do homem; arroz, feijão, açúcar, fubá e outras comidas caseiras tão comuns inclusive guloseimas para a criançada. Ao chegar ao mocambo, Silas encontrou na porta da velha casa de taipa e duas quedas de água, um homem sem barbas, sem bigodes, cabelos da cabeça cortados, chapéu de panamá, causas e camisas limpas, calçado limpos. Um homem de brio. Silas ficou a pensar se teria errado a casa ou não. E indagou a mulher, Vera Muniz, se a casa era aquela mesmo. A mulher disse afirmativamente. Após estacionar o veículo na porta da choupana, Silas indagou do homem que estava em pé e a sorrir contente, onde era a casa de seu Diomedes. Então o homem respondeu:
--- Aqui mesmo. E eu sou Diomedes. – respondeu o homem a sorrir.
--- Não. Espere ai. Eu pergunto por Diomedes, um pedinte! – reclamou Silas atordoado.
--- Está falando com ele! – sorriu o homem sem exageros.
--- Mas o senhor é Diomedes mesmo? – indagou assustado o homem Silas.
--- Sou sim. E você é o que esteve aqui em casa há poucos dias. – sorriu Molambo se pressa.
Silas voltou a vista para a mulher e procurou areia nos pés sem encontrar. Após estar perplexo com a mudança havia naquele homem, enfim, Silas continuou a conversa quando de imediato apareceu Luiza, por trás de Diomedes e foi logo dizendo.
--- É ele! Não está vendo? Aquele sujo? Ele seu moço! – declarou Luiza sorrindo de alegria.
--- Mas dona. ...Como é o seu nome? Luiza. Mas é ele mesmo? – declarou Silas ao passo que a sua mulher, Vera, não teve meios de suportar tamanha transformação.
--- Mas é o seu. ...- e a mulher Vera Muniz nem pode completar o que tinha a dizer.
E foi uma comemoração sem fim. Delirante mesmo. O casal estava a ver Molambo em nova indumentária sem saber por qual razão aquela modificação. Silas e a mulher Vera saltaram do seu automóvel e passaram a conversar com o velho Molambo que eles o chamavam mesmo de Diomedes. Foi um abraço acochado, apertado que o casal ofereceu ao homem, além da cesta de alimentos básicos para a sua família. A mulher Luiza, irmã de Diomedes, agradeceu a oferta dos alimentos e a criançada caiu na gandaia atrás de chupar um pirulito ou coisa assim. Então, a família começou a conversar. Diomedes disse que no dia anterior, ao acordar, viu sua roupa rasgada, imunda, toda suja. Os cabelos por fazer. A barba também. Os pés sujos em todos os cantos. E ele não pensou duas vezes. Saiu para o banheiro no quintal da casa. – Um banheiro velho, sujo, horrível que dava dó – e se banhou da cabeça aos pés. Ele mesmo fez a barba, cortou as unas dos pés e das mãos, lavou a boca, vestiu uma calça nova que de nova só tinha o nome e depois seguiu de barba feita e sentou na cadeira do barbeiro e pediu:
--- Arreia!!! – disse ele ao barbeiro que até ficou surpreso.
--- O senhor que corta por aqui? – indagou o barbeiro.
--- Arreia tudo o que tiver. – enfatizou Diomedes.
O barbeiro, amedrontado, começou a cortar o cabelo de Molambo. A certa altura do corte, o barbeiro perguntou:
--- Assim tá bom? – tremeu o barbeiro a perguntar ao velho Molambo.
--- Arreia tudo! Eu não disse? – afirmou Molambo por mais uma vez.
E o barbeiro não contou conversa; cortou todo o cabelo de Molambo. Então, de roupa nova, chapéu de panamá, o homem estava pronto para sair e ir procurar trabalho da feira onde os homens descarregavam os caminhões de frutas, verduras e carne.
--- Foi isso o que eu fiz! – sorriu Molambo ao contar sua aventura.
--- É danado mesmo. O senhor nem se parece com o homem sujo que eu conheci quando era menino. – gargalhou Silas ao notar a transformação havida em Diomedes.
--- Imagino que sim. Agora sou um novo homem! – dialogou Diomedes a sorrir.
Vera Muniz nada falou e somente contemplava aquele homem maduro todo arrumado, dos pés a cabeça e teve vontade de perguntar a ele pela sua noiva. E foi a frente.
--- Mas o senhor me falou que era noivo e estava para casar. Um homem matou a sua noiva. Não foi assim? – indagou Vera assustada.
--- Ah. Eu me lembro dela. Nessa ocasião vou levar flores para por em sua sepultura. Sabe dona? Eu não vi mais essa visagem de Cila!? – deu, a saber, o velho Diomedes.
--- É danado. No dia anterior o senhor tinha visto Cila? – perguntou Silas a Molambo.
--- Eu não me lembro de nada mais! – falou em tom decidido o velho Molambo.
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