domingo, 26 de dezembro de 2010

AMANTES - 36 -

- Demi Levato -
- 36 -

Estranhos acontecimentos se relataram no apartamento de Vera ao prosseguir do vagaroso tempo naquele momento, período de aflição e dor, próximo da amante ter o seu filho. O local era cada vez mais cheio de pessoas em busca de auxilio espírita para os seus delírios graves por parentes que tinham sido desencarnados há algum tempo ou há tempos remotos. Um dos casos que por tal viveu o médium espírita Molambo foi de um espírito desencarnado há algum tempo que viera para a Mesa no Apartamento de Vera Muniz. Seu nome era Santa Alma. Pelo menos foi como se identificou. Era uma entidade que talvez tivesse vivido há muitos anos na Terra. Na verdade, seu nome não era esse. Mesmo assim jamais se teve a certeza do seu verdadeiro nome. Certa vez, Molambo serviu de amparo para Santa Alma que dizia ser de uma “colônia” – morada dos Espíritos - há um tempo distante. Naquela vez primeira, o Espírito esteve a dizer que aquela Mesa retangular não utilizava nos meios espíritas sendo preferível uma mesa circular ou mesa girante. Santa Alma chegou a narrar fatos estranhos do médium “Paredão” que ele mesmo não sabia. E a Santa Alma lhe declarou que um dos seus avôs estava presente a sessão e que “Paredão” era a encarnação de um seu ente passado de tempos longamente remotos. “Paredão teve a preocupação de perguntar quem seria o espírito que ele então encarnara e Santa Alma respondeu que ele jamais conhecera, pois já fazia longo tempo em que o espírito havia desencanado e estava de volta então no corpo de “Paredão”. Mesmo assim, o homem perguntou quem era esse espírito. E o espírito de Santa Alma lhe disse apenas o primeiro nome, que era Georg, da Prússia. “Paredão” agradeceu pelo que lhe disse Santa Alma. E o homem indagou ainda de onde era Santa Alma. E ela disse:
--- Vários mundos. – declarou Santa Alma.
Nesse momento, após breve prece, o Espírito de Santa Alma se desfez do corpo de Molambo depois de dizer que estava muito grata a todos os médiuns presentes pela perspectiva que lhe trouxeram.
Na outra sessão, Vera já providenciara uma mesa circular ou girante onde todos os médiuns pudessem estar presentes ao seu tempo. Cadeiras foram arrumadas ao lado, sendo servida por alguém que procurasse a sessão das sextas-feiras. E por mais uma vez os espíritos de luz que já incorporavam nos corpos de Racilva e Molambo pôde estar mais presente com assiduidade.
Na verdade não existe uma regra geral que oriente a realização de uma sessão espírita. Com a preocupação da desobsessão, os médiuns se asseguram tão somente. É de costume se ter uma mesa circular, coberta com toalha branca, um livro espírita, um jarro com água e iluminação sóbria. O doutrinador abre a sessão com uma prece à luz de livro espírita. Pode-se pedir a orientação de espírito de luz e ao final da reunião as pessoas devem beber a água que foi transformada pelos espíritos de luz durante a vibração. Os espíritas não fazem preces formais ou escritas e a especialização das sessões segue os princípios básicos do Espiritismo: estudo e mediunidade. Em alguns Centros os médiuns fazem cursos de desenvolvimento mediúnico. A desobsessão de um espírito sobre uma pessoa é a mais importante. As sessões podem ser em período diurno como noturno. Porém, os espíritos de luz recomendam  que a iluminação seja feita por uma vela acesa ou por  pequena lâmpada de óleo postada sobre o centro da mesa circular. Os espíritos de luz recomendam não se colocar nenhum objeto de vidro para evitar à recepção de certo tipo de espírito.
No sábado, Diomedes estava a ver sua obra de construção, feita pela Construtora Câmara. O estágio estava bem adiantado podendo ser concluído dentro de mais alguns dias. Por sua vez, Silas e a esposa Vera Muniz, foram ver o que já estava pronto da construção de sua mansão a beira-mar. A mulher estava com uma barriga e tanto, faltando pouco tempo para dar à luz a um rebento. Nessa conversa de casa e construção, eis que surgiu um rapaz ao dar bom dia aos dois amantes e por vez perguntar ao moço Silas se ele estava interessado em adquirir uma jangada. A pedra caiu do céu. Prontamente Silas respondeu que chegou a pensar no assunto:
--- Por quê? O senhor tem jangada? – indagou Silas ao forasteiro.
--- Eu não. Mas eu sei quem tem algumas jangadas! – respondeu o homem quase a sorrir.
--- E onde está esse homem? – indagou Silas ao lado de sua esposa na sombra de um cajueiro
--- Ele está no Hospital. Mas eu posso fazer negócio em nome dele. – sorriu o rapaz.
--- No Hospital fazendo o que? – perguntou surpreso o moço Silas.
--- Ele está doente. Quase morrendo. Não tem mulher. Os filhos não ligam para isso. E eu estou vendo à hora de as jangadas irem ao fundo.  – tangenciou o rapaz ao seu modo de falar.
--- E quantas jangadas têm o homem? -  indagou Silas.
--- Quatro. Mas uma está de mal a pior. Por isso, só conto com três. E mais ou menos. – enfatizou o rapaz com a cara de angustia.
--- E quando podemos ver essas catraias? – perguntou Silas ao moço.
O homem sorriu leve e depois respondeu:
--- Não é catraia não sô. É jangada. Ah se fossem catraias! – sorriu o jovem ao desespero.
--- Catraia é o modo de falar. E onde estão as jangadas? – resmungou Silas impaciente.
--- Aqui na paia. Os homens só velam com elas quando não tem outra jangada para sair para o mar. Estão ali. As quatro. Mas só se vê três das quatro. – sorriu leve o moço.
Silas foi com o home até a beira da praia que ficava bem próxima deixando a mulher na construção de sua mansão. O velho Diomedes vinha se acercando e por determinação do seu chefe ficou com Vera ao sobrar da ventania. Diomedes ficou a olhar o seu patrão de forma lenta enquanto a mulher lhe dizia não ser do seu gosto ele adquirir aquelas embarcações de pesca por ser velhas demais. As velas eram todas remendadas. Tinha uma até sem vela. Já o dono estava no Hospital. Sabe o que esse homem sofria. Talvez um câncer. Talvez próstata. Talvez qualquer outra enfermidade. O marido já estava na margem da maré vazante a conversar algo com o moço que viera lhe oferecer as jangadas. Silas havia dito certa vez que era intenção sua adquirir umas jangadas. Depois calou de vez. A não ser quando ele apenas perguntava a Diomedes.
--- Onde estão as jangadas? – sorria Silas ao fazer a pergunta.
--- No mar! – sorria Diomedes ao se referir as tais jangadas.
No Hospital, o dono das jangadas, àquela hora da tarde, quase no seu final, no momento em que Silas voltou à capital, quase dormia, só e abandonado pelo tempo pelos parentes próximos e distantes e por seus amigos. Os mais duradouros dos amigos. Ele não tinha a seu lado nem uma companhia de uma nobre ou pobre mulher. As enfermeiras, auxiliares, homens de farda branca, médico e outros pobres infelizes, passavam ao largo, indo e voltando. Nos demais leitos existentes naquele quarto dos infelizes, estavam outros enfermos, todos a dormir ou a fazer de conta que estavam a adormecer. O nome do enfermo, dono das jangadas era tão somente Orlando. Um Orlando qualquer. Um Orlando Maia da vida e da morte. Foi por esse nome que Silas o procurou ao fim da tarde. O crepúsculo já era próximo. Andorinhas voavam pelos horizontes tranqüilos e macios. Um soar alegre de um quack quack de um pato, fazia se notar naquelas redondezas. E outros patos também faziam o mesmo. E depois saiam em revoada. Um homem interno tossia violentamente. Outro se postava a gemer de dor. Vera Muniz sentia náuseas por tudo aquilo pensava de quando esteve internada no Hospital. Silas, o seu marido lhe dava tapinhas na mão como que para lhe tranqüilizar. Ali estava o outono da vida daqueles incrédulos vivos na derradeira chama de suas vidas. Tudo acabado e nada mais.
--- Orlando? – perguntou por sua vez Silas ao pé da cama do moribundo.
--- Sim. Sou eu. – respondeu o homem acabado, desnutrido e fraco.
--- Eu sou apenas uma visita para o amigo. – sorriu de leve Silas ao lado de sua esposa.
--- Visita! Quem me dera! Não tenho nem meios para mandar sentar. – tossiu o homem com sua voz acabada.
--- Não tem importância. Apenas queremos a sua melhora. – falou Silas ao doente de cama.
--- Melhora! Ah que dera! Eu vou morrer em poucos dias. Então eu melhor. – tossiu o homem.
Orlando Maia estava sedado e por isso não mais sentia dores atrozes que lhe acometia a enfermidade cruel a que todos os afligem. A enfermidade tirana vem de mansinho e se ajeita de forma a não mais se retirar. Ele estava tão somente abandonado pelo próprio destino. Era apenas coisas de dias ou horas. O ultimo degrau da vida, ele galgava. Algo que não mais tinha retorno. E Silas, meio preocupado com o estado de saúde de Orlando, indagou suavemente.
--- Eu venho da praia dos Coqueiros. Eu tenho uma casinha por perto. Gostaria de saber se o senhor vende as jangadas que o senhor possui! – indagou Silas.
--- Jangada! Eu nem me lembro mais de quantas jangadas. Deixei aquilo largado a própria sorte. Um rapaz toma conta das jangadas. – falou baixinho o homem enquanto tossia.
--- Eu sei. Eu sei. E por quanto vende as jangadas? – indagou Silas de forma baixa.
--- Eu nem sei se vale se vender. É para o senhor? – perguntou o homem a tossir bravo.
--- Sim. É para mim. Eu pergunto por quanto eu devo pagar pelas embarcações. – relatou Silas
--- O que o senhor der, está pago. – tossiu o homem.
--- Pago ao senhor mesmo? – indagou Silas.


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