- Julliete Binoche -
- 20 -
Após longas horas de conversa Silas chamou a esposa Vera para tomar um refrescante banho de mar. À praia ficava perto da choupana de Diomedes. A mulher, já entrado para o terceiro mês de gravidez, disse ao esposo que ele poderia ir sozinho, pois que ela ficaria apenas a esperar somente a olhar da porta do casebre do velho Molambo. O homem sorriu e chamou a garotada para sair com ele enfrentar o mar revolto. Ondas fluíam nas pedras à claridade da manhã e poucos eram os que estavam a gozar dessa aventura paradisíaca. Com os meninos em verdadeira algazarra, Silas entrou a água, àquela hora ainda morna, pois toda à noite a água do mar ficava morna. Os meninos também caíram na água o seu modo, nadando com braçadas fortes para além da visão de Silas. Ele não estava preocupado nem um pouco com os garotos feitos naquela praia. E nem a si mesmo, pois era acostumado a nadar. A sua esposa era quem gritava do mio da rua, pouca distancia da praia:
--- Cuidado com as pedras!!! – gritava a mulher com muito medo com Silas.
O homem Molambo que estava por perto de Vera Muniz a tranqüilizou dizendo:
--- Ali não tem perigo. Nunca ninguém morreu nesse ponto. – sorriu Molambo.
E a mulher dizia ao homem:
--- Eu tenho medo de Silas. Ele é muito afoito. – respondia a mulher.
--- Veja os garotos como vão bem longe. – sorriu Molambo tentando amenizar Vera.
E assim, com Molambo apontando para os filhos dos pescadores que tomavam banho de mar, ele sossegou a mulher de seu temor desaforado.
Quando Silas voltou do banho, a sua mulher lhe esperava com uma toalha felpuda para que ele se enxugasse a contento. Um moço que passava com uma fileira de peixes somente deu vontade de Vera abocanhar aqueles pescados e devorá-los cru. Porém se conteve de imediato de suas emoções de mulher grávida. No entanto não ficou calada e disse para Silas:
--- Peixe! E fico com água na boca. – sorriu a mulher ao dizer tal coisa para Silas.
--- A gente vai naquele restaurante que tem na redondeza do rio. – explicou o marido.
--- Mas eu queria comer aqueles. Cru! – sorriu a mulher.
--- Desejos de gravidez. – sorriu o marido acabando de se enxugar com a toalha nas costas.
Entre vinhos e postas de peixes, os amantes então já casados, livrando-se das espinhas do peixe no acanhado restaurante da beira do rio, trocavam impressões sobre o futuro. Além deles e de outros comilões do meio da manhã, estava também, sossegado e tranqüilo, o velho Molambo a ouvir a trocar de conversa dos amantes. Nada o velho Molambo falou até a mulher lhe perguntar sem meios de arrodeios:
--- Mas o senhor sabe ler? – indagou a mulher de supetão.
--- Não muito como os doutores. Mas me arranjo. – sorriu Molambo ao responder a indagação.
--- Ah sim. Eu sei o que quer dizer. Mas o senhor tinha carteira de motorista? – perguntou a mulher tirando farpas de espinhas de sua boca e a engolir o peixe frito.
--- Eu tinha. Mas, após tanto tempo eu acho que perdi todos os documentos. – respondeu o velho sem titubear.
--- Mas isso dar-se um jeito. O senhor quer trabalhar mesmo? – indagou a mulher a sorrir.
O velho ficou cismado com a pergunta e não soube nem mesmo responder. Passou-se o tempo até que a razão lhe voltou.
--- Eu quero. Ajudo a descarregar caminhões. – falou o velho inquietando-se com a resposta.
A mulher olhou para o marido como quem pergunta se devia contratá-lo para uma experiência e o marido não entendeu nada do que a mulher queria lhe falar. Então, Vera Muniz, limpando as farpas do peixe que lhe caíra por sobre o vestido, perguntou a Molambo:
--- O senhor ainda sabe dirigir um carro? – indagou a mulher.
Molambo estremeceu. Não entedia mais o que a mulher lhe perguntara. Certo tempo a muitos anos, ele dirigiu caminhão. Depois do desenlace de sua noiva ele resolveu vender tudo o que tinha e desde aquela época não dirigia nem mesmo carroça de burro. Porém, para quem soube dirigir um carro em certo tempo de sua vida, não restavam dúvidas de que era possível saber um tanto naquela estrada do destino. E então, Molambo respondeu:
--- As coisas mudaram. Mas tudo o que eu sei é passar marcha e pegar no volante. – sorriu o velho um tanto preocupado com as perguntas da mulher que nem tanto a conhecia.
--- Pois bem. O senhor se arrume e vamos para a cidade. Veremos o que pode fazer então. – falou a mulher grávida.
--- Mas agora dona? – perguntou Molambo extasiado.
--- Vera, o meu nome. Vera. Agora! – resolveu a mulher de supetão.
Naquele dia de domingo à tarde no seu apartamento do décimo andar, Vera Muniz estava reunido com seu marido Silas e o velho Molambo que ela preferia chamar de Diomedes, o seu verdadeiro nome. Após o almoço, pelas três horas da tarde, os três foram repousar um pouco. Às seis horas da tarde, após se levantar de seu quarto, Vera foi tomar banho e Silas começou a conversar com Molambo. E então Silas ficou, a saber, que o velho não sabia o porquê de seu encontro com a noiva e após tanto tempo, ela deixou de aparecer a ele, no sábado passado. Foi então que Molambo resolveu trocar de roupa, porém não tinha certeza que de fato fora pelo fato de sua amada desaparecer. Ele nem fazia idéia de tal caso. Silas também não sabia dizer o tal caso do desaparecimento. E não acreditava também que Vera soubesse explicar tal fato. O homem Molambo saíra naquele dia de domingo de sua choupana para ver se ocupava um novo emprego. Ele não sabia ao certo de tudo o que fizera em anos anteriores. Alguma coisa Molambo se lembrava. Alguma coisa. Porém teve importantes fatos do qual ele não recordava ao certo. Então, seria melhor passar uma borracha no que não se lembrara jamais.
No apartamento de Silas e Vera, o velho Molambo passou a divisar um futuro. Algo que podia garantir algo melhor. E o que ele iria acertar com Vera Muniz era o começo de tudo. Ou tal recomeçar. Molambo olhava do alto o mundo ao seu redor. Sentia-se então maior que todos os viventes da Terra. Mesmo assim, não se amedrontara. Em certo momento, ele atendeu a um chamado de Silas para provar certas roupas. Molambo se inquietou com tanta pressa.
--- Não faz mal. Veste essa calça. E a camisa também. Põe a gravata. Vê se o paletó lhe cabe. - recomendou Silas ao velho.
Após tanto veste e tira Molambo veio à sala se mostrar ao seu possível patrão. Tudo era justo e perfeito para o velho. Nesse momento saiu do banheiro a se enxugar ainda a dama Vera Muniz. Ao ver tal arrumação ela ficou desnorteada. E caiu nas graças do marido:
--- (gargalhadas) – E agora tenho dois homens em casa? – indagou a mulher com alegria.
--- Está bom assim? – indagou o marido a sua esposa.
--- Hum. Deixa-me ver. Assim. Assim. Pronto. Está ótimo. – recomendou Vera.
--- Está apertada no pescoço. – respondeu o velho.
--- Não faz mal. Amanhã o alfaiate dá um jeito no colarinho. – sorriu a mulher.
No dia seguinte, segunda-feira, os três saíram às oito horas para o escritório, onde a mulher procurou o alfaiate do magazim para ajeitar as peças do colarinho que estavam apertadas na garganta de Molambo. Ela deixou as peças na mesa do alfaiate e seguiu para o seu escritório em companhia de seu marido Silas e do próprio Molambo. De inicio a mulher procurou saber de alguns documentos necessários. E o que ela não conseguiu ter em mãos ordenou a um empregado de a firma iniciar a retirada de tais documentos.
--- Por enquanto é isso. – sorriu vera para Molambo.
--- Vamos para a minha sala, pois aqui o senhor se sente como um presidiário. – falou Silas ao velho. E este concordou. Ajeitando-se como pode, Molambo seguiu para o escritório de Silas passando por entre um sem numero de pessoas bem vestidas. Ele se sentia despido perante tanta gente daquele modo. Na sala, Molambo não sabia o que fazer. E Silas, para desviar a atenção de Molambo lhe disse que podia folhear as revistas ali postas. O velho era ainda temeroso, pois jamais entrara em tal escritório ou edifício. Quando muito, ele se sentia mais a vontade em uma feira livre no meio de bodes, cabras e carneiros. Ou mesmo nas bancas de vender peixe.
--- Olha o peixe! Olha o peixe! Olha o peixe! Está fresquinho, senhora! Vai querer esse pargo? – perguntava um vendedor de peixe.
Ou então os bodes e cabras a berrar no meio do mundo. A feira do fumo. Os sacos de farinha, arroz, feijão, açúcar. As bancas de carne seca ou verde. Os homens a fazer qualquer negócio com as mangas, bananas, maracujás, abacaxi. De ouro lado, o homem que vendia ferro velho. E o rapaz que trazia sacos para se comprar víveres. Ou as galinhas magras ou gordas. Os galos de raça. Esse era o mundo que Molambo tinha carência de ver.
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