- Michael Cuesta -
- 19 -
VACAS
Na
sexta-feira, ainda, o pai de Eurípedes recebeu um telefonema onde a pessoa
pedia sua presença imediata na Fazenda “Boqueirão”. A questão era o gado está
morrendo de sede e fome por causa da estiagem. Na mesma ocasião seu Amaro
alertou sua esposa, dona Clotilde de ser preciso seguir para o campo onde não chovia
há seis meses e seu gado estava morrendo a mingua para o desespero do criador.
Com toda a pressa o velho e dona Clotilde se prepararam para seguir viagem. De
imediato ambos foram para a fazenda a fim de cuidar da amarga situação do gado
bovino. Há algumas semanas a situação era de penúria onde seu Amaro via a morte
das reses pela falta de água. E por conta de tal fato, a dívida do velho somava
o montante de mais de um milhão e meio de cruzeiros às instituições bancárias.
Além de seu Amaro ainda havia outros criadores em igual situação. Deslocar o
gado para outras reservas já não se podia fazer, pois a seca assolava toda a
região do Nordeste brasileiro. Era costume se veem os flagelados seguirem a pé
famintos como andarilhos em busca de proteção e de ajuda dos maiores homens do
campo. Esses homens, por sinal, já estavam a depender da ação do Governo
Federal para salvar a sua lavora e o gado.
Por volta das
oito horas da manhã seu Amaro chegara a Fazenda “Boqueirão”. Uma enorme fazenda
vinda de herdeiros desde o tempo colonial. À entrada do sítio o homem já
percebera quanto era o estrago. O gado morto ou por morrer. Água do riacho
tinha secado de vez. Na verdade, o riacho “Dois” já estava quase seco na última
semana. E depois disso, não chovendo a água sumiu por completo. Amaro estremeceu de raiva. Ele pensava de
tudo. Mesmo o que não restava. A sua mulher lamentava o estrago do gado. Sem
comida, tudo seco de não haver nem cobra naquele estado de penúria era de meter
medo na vista. Os cata-ventos pareciam desolados. Água não havia para puxar.
Dos trabalhadores da roça muitos já tinham saído à procura de ajuda na
repartição do Governo. Os mais resistentes continuavam na luta. O caso era
puxar as carcaças para lugar mais afastado e então queimar tudo sem dó nem
piedade. Eram apenas carcaças de gado morto. O touro “Brabo”, chamado assim por
sua valentia, tinha morrido na quinta-feira. O boi “Manso” estava deitado como
a dormitar em baixo de um pé de Amargosa, pau resistente e útil para consumo
veterinário. De alimento, havia como principal o “Sodoro” conhecido por
Xique-Xique com resistentes é uma das plantas a sobreviver à aridez da seca. A
falta de pasto era a consequência da falta de chuva. Na total ausência de ração
o sertanejo passou a queimar o “Sodoro” ou Xique-Xique. O azul do Céu era
limpo, sem nuvens, mas aterrorizante. Com calor e tudo os homens queimam o
Sodoro para dar de comer ao pouco gado restante. Mesmo assim, o pouco gado não
resistia apenas se alimentando de Sodoro. O que é verdade era o cemitério dos
animais ao redor da casa.
Vaqueiro:
--- Tá tudo
morto seu Amaro. Hoje morreram sete vacas no curral. – falou o vaqueiro ao
notar o homem chegar.
Amaro chorou
de tristeza por saber do touro “Brabo” e a sequidão do Riacho “Dois” de todos
os riachos o mais resistente à seca. O riacho vinha da serra e seguia mundo
afora até chegar ao Oceano com outro nome. Sem saber o que dizer, Amaro apenas
chorava. A tristeza se abateu por completo naquele ser tão disposto e valente
para topar a difícil vida do homem do campo. Nascido em terras da Fazenda “Boqueirão”,
Amaro sempre foi bem disposto nas circunstancias adversas da vida. A sua
mulher, Clotilde, também nascera naquele interior do Nordeste e em tal instante
de penúria ela se acercou do marido pondo afinal um pouco de conforto com o
abraçar do seu meigo ombro. Naquele jeito autônomo o homem não se deixou por
vencer, apesar de ao seu redor os urubus estarem fazendo a festa por causa dos
cadáveres de vacas. Ossos ressequidos por todo o canto do imenso quintal era a
marca da desgraça a afetar os animais grandes e pequenos além de ovelhas e
cabras a também serem vítimas da sequidão. Com a grande seca do seu amado sítio, após
algum tempo, seu Amaro tomou decisão de mandar para outro Estado os animais
ainda com vida para ele não ter de sacrificar a corte de facão os sobreviventes
da mortandade.
Amaro:
--- Não tem
jeito. Eu vou parar por aqui. Ou o Governo constrói barragens em todo esse
território ou ninguém vai querer mais criar gado. Já ouço falar a muito tempo
as vozes da seca afirmando ser o Nordeste o território da miséria. De fato isso
pode ser o sertão dos famintos. – falou o homem o seu pensar.
Vaqueiro:
--- Aqui não
tem gente que fale com o Presidente, senhor? – indagou cheio de dúvidas um dos
vaqueiros presentes.
Amaro;
--- Esses
bostas só pensam em ganhar dinheiro. Não pensam no sacrifício que nós sofremos.
E nem querem saber! – relatou Amaro Borba a cuspir de lado.
Vaqueiro;
--- Pelo visto
não vai chover por longo tempo! -
informou o vaqueiro a levantar um dedo para o Céu como medir o tempo e
voltear a cabeça para os lados.
Amaro:
--- Tem de se
conseguir carros-pipa, açudes, cisternas e transposição de rios. Assim o
negócio tende a melhorar. Mas isso leva muito tempo. Talvez um século ou mais.
– falou desventurado o homem.
Vaqueiro:
--- Por aqui
não tem lugar de se encontrar nem água para o povo. Essa gente vive ao Deus
dará. – confessou o por fim o vaqueiro.
Amaro:
--- O
sertanejo é antes de tudo um miserável e faminto. O caso é o empobrecimento de
todos. – relatou com remorso seu Amaro.
Vaqueiro;
--- Nós, aqui,
só comemos palmas. E de quando em quando um preá. – falou desolado.
Naquele dia
seu Amaro passou a vista nas carcaças do gado e dos caprinos e lamentou por não
ter armas para enfrentar a burguesia arrogante do País. E andou a esmo por todo
o território do seu sertão maravilhoso vendo o que ainda não vira. A terra seca
e carcomida. Era um pasto repleto de carcaças.
Amaro;
--- Nós vamos
adquirir um ou dois caminhões-pipa para abastecer nosso sertão. – relatou
severo o homem nos confins da terra vasta.
Após percorrer
toda a fazenda e colhendo terra seca e por fora por entre os dedos, seu Amaro
falou ao camponês da estiagem a afetar toda a região da caatinga da Bahia ao
Maranhão. Dizia o homem ser hábito o homem da caatinga se alimentar de ratos,
os chamados “rabudos” por serem grandes. Esses ratos são nocivos como os da
cidade. Mesmo assim, o povo consome os “rabudos” como alimento, uma vez não ter
comida ou dinheiro para comprar até mesmo o jabá, a carne seca e até uma
galinha. Há alguns anos, antes da Guerra, disse seu Amaro ter existido no
interior dos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Ceará um
grupo de bandoleiros a invadir terras dos “Coronéis” em troca de comida.
Amaro;
--- Era o
bando de Lampião, chamado rei do cangaço. – falou o homem.
Vaqueiro:
--- Eu soube
da sua existência. O bando do cangaço invadiu a cidade de Mossoró. Mas por fim
foi derrotado. - respondeu o homem rude.
Amaro;
--- Sim. Ele
era homem forte. Com ele era tiro e queda. Não poupava nem mesmo os homens do
cangaço. – relatou sem cisma.
Vaqueiro:
--- Era homem
destemido, não era doutor? – indagou o seu vaqueiro.
Amaro:
--- Destemido
e brabo. É de homens como esse que estamos a precisar! – falou grosso o sertanejo
Vaqueiro:
--- Ave Maria
meu patrão. Ave Maria. – falou com medo e se benzendo o vaqueiro.
Amaro:
--- O que foi
homem sem fé? Tais afrouxando? – indagou o sertanejo de uma vez.
Vaqueiro:
--- Não meu
patrão. É que os tempos mudam! – respondeu o homem a se tremer.
Amaro:
--- Venha cá?
Você fugiu da batalha de 35 - (1935) -
na região? - indagou bem sério o patrão.
Vaqueiro:
--- Eu? Não!
Nem estava morando aqui! – respondeu o vaqueiro a se tremer.
Amaro:
--- Tais com
conversa mole? – perguntou o dono da terra.
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