- Halle Berry -
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PEDIDO
Então o rapaz
ficou sem jeito do que dizer naquele instante. O homem da “prestação” bateu à
porta e dona Ceci de imediato foi atender. Era uma prestação quinzenal e a
senhora pediu ao mancebo que esperasse um pouco.
Ceci:
--- Espere!
Volto já. – disse a mulher e retornou ao seu quarto onde foi buscar o dinheiro,
como era o seu costume de fazer.
O transitar da
senhora era coisa engraçada. Mulher de porte baixo, corpo – quem diria? – um
pouco forte. E quando a senhora Ceci passava pra lá e pra cá, recitava uns
versos e ninguém sabia o que. Foi de essa forma ter dona Ceci feita naquela
manhã ensolarada de domingo. Com a cabeça abaixada e o seu cantar de forma gutural
a senhora foi e voltou com a espécie na mão de forma trancada e quem olhasse
não saberia dizer por qual motivo. Ouvia-se às vezes a senhora pronunciar entre seus “lá lá lá” uma palavra
de quem teria a dizer de “voltar já”. Enquanto isso e de repente Nara
questionou seu pai para trocar palavras com Eurípedes.
Nara:
--- Vai lá !
Pergunte a ele o que tem a dizer ! – falou a moça meio abusada.
E o velho, de
qualquer modo, respondeu a sua filha.
Sisenando:
--- Que? Eu
tenho que dizer? É ele quem vai falar! – respondeu o velho um tanto inquieto.
E a moça não custou
nada e já estava ao lado do seu namorado com a corrida mansa feita naquela hora.
E ao chegar ao lado do namorado, apenas cutucou o rapaz para ele dialogar com
seu pai.
Nara:
--- Pergunta!
Vai.! – declarou a moça de forma sussurrante ao namorado.
Nesse instante
Nara estava intranquila e abusada se apoiando ao braço de Eurípedes. Fez um
sorrir então para o seu pai.
Eurípedes:
--- Quem? Eu?
E o que vou dizer? – indagou o rapaz a sua bela dama.
Nesse ponto a
virgem perdeu as estribeiras e meteu o chute na perna do seu namorado. O rapaz
soltou um leve grito e se baixou para passar à mão à perna, justo no ponto onde
levou o coice. No momento voltava da porta da rua onde estava a pagar ao
prestamista a senhora Ceci e se incomodou com as travessuras da filha quando
indagou:
Ceci:
--- Que diabo
é isso menina? Eles querem casar! Ora já se viu! – responde depressa a mulher
ao seu marido tecendo a mão para o alto.
E dona Ceci
saiu cambaleante para o interior da cozinha O esposo de Ceci ficou extasiado. E
por fim foi sua vez de espanto:
Sisenando:
--- Casar?
Essa moleca? E querem noivar? Ora, pois tá certo! Vamos beber o vinho! –
gargalhou o velho correndo a se abraçar com o noivo de sua filha.
À tarde, depois
do almoço regado a vinhos e outras coisas a mais, muita conversa, Eurípedes um
pouco tonto, o velho Sisenando a gargalhar ao fim de cada assunto, prova de que
o homem estava pra lá de “quente”, todas as coisas tiradas da mesa, o bebê a
choramingar, Nara preocupada com as fraudas e assim foi sendo levada a vida com
os parceiros a combinar um acerto de Eurípedes ser convidado maçom. Esse era o
presente de casamento gargalhou o velho Sisenando a cada assunto dado.
Eurípedes já estava com a perna doendo, a princípio do coice de sua noiva e
então das tapas levadas do velho. Quando estava um pouco meio zonzo Sisenando
tinha hábitos de dar tabefe na perna com quem conversava. Quem não tivesse
cuidado ficava com a perna dolorosa. E nesse dia foi assim. Até o momento onde
todos foram repousar e conversar leves tolices na sala de entrada. O sono
chegou há pouco tempo. O velho Sisenando adormeceu com a cabeça pendida para um
lado em uma das outras cadeiras almofadas. O rapaz aproveitou o ensejo e tocou
ao piano uma melodia dolente, valsa por sinal, e Nara ficou a escutar tão doce
melodia. Foram várias melodias, todas em ritmos de valsa. Os colibris entoavam
o seu cantar parecendo jogar com as emoções dos amantes. Uma chuva fina caiu
sobre a parte da cidade e logo se desfez. Em toda rua era silencio sepulcral
onde as aves voavam de canto a canto inseguras do seu destino. Pombos se
ajeitavam nos seus poleiros com um cantar bem leve e tímido em seus acanhados pombais.
Eles faziam esse gesto no cortejo do macho à fêmea. O penhor fruto dos amantes
em acasalamento.
Na manhã
seguinte, segunda-feira, Sisenando saíra para a repartição buscando à rua de
trás onde havia um portão quase sempre fechado nas horas do dia. A sua mulher
ficou lavando os pratos e sua filha Nara, cuidava do rebento fazendo os asseios
cabíveis. Ao sair de casa, o homem se encontrou com um barnabé vindo de baixo
da artéria e já bastante cansado. Era um caminhar antigo, mas dessa vez o
barnabé mostrava-se exausto. Ao se encontrar com o homem Sisenando foi logo a
indagar:
Sisenando:
--- Que andas
fazendo por esses lados? – indagou Sisenando ao velho companheiro.
Barnabé.
--- Andanças.
Eu trabalho no Palácio. E ainda não consertaram o trecho levado pela chuva, no
Baldo. – reclamou o barnabé.
Sisenando:
--- É verdade.
E o que se sabe é a falta de cimento! Estou pra ver! – respondeu o sexagenário.
Barnabé:
--- Todo santo
dia é a mesma lengalenga. Já estou morto. – disse o outro suspirando a mais.
Sisenando:
--- Mas não
fizeram nada? – perguntou estranhando o seu companheiro.
Barnabé:
--- Pouca
coisa. Só para o Bonde transitar. Os caminhões entram pela pista lá no fim do
mundo. – declarou plenamente suado o homem.
Sisenando:
--- Eu não
posso fazer coisa alguma. Porém tem quem
possa. Eu vou denunciar a um homem e ele põe a boca no mundo. – disse por vez o
amigo.
Barnabé:
--- É isso.
Alguém me falou em ir para a imprensa. Mas uma andorinha só não faz verão. Eu
acredito que vou morrer antes que se termine aquele reparo. – disse o barnabé
todo cansado.
E ambos saíram
a conversar até o ponto do desencontro na Praça Padre João Maria. Chegando à
praça os dois homens se despediram e cada um foi para o seu lado. Ao chegar ao
Grande Ponto bem próximo do Café desse nome, Sisenando se encontrou com um
Irmão maçom e, depois dos cumprimentos, veio à história de fantasia ou veraz a
ter o amigo lhe contado com bastante temor. Era hora de quase meia-noite onde
os pássaros noturnos se escondiam para tão logo ressurgir na escuridão das
tétricas sombras. No seu caminhar, o homem nem avistava a lua, pois a selênica
luz se apagara por completo. O rijo de um tufão sacudia então todas as trevas
do terror cruel e mortal. As garras atrozes
da maldição lhe feriam intensa e vomitavam o âmago do ser soturno. A noite de
espanto horror crescia em um instante porfiado e cruel da maldição. Era então o
instante das bárbaras mediadoras a pronunciar com os entes cruciais e já mortos.
No espaço distante os vampiros dançavam em uma guerra sepulcral entre anjos e
demônios. Tudo era sombra. E o vento frio enregelava as trevas da morte. E
nesse conflito de ideias o homem caminhava por uma rua deserta e mais escura
ainda quando, de repente, surgiu à sua frente uma figura sepulcral em forma de esqueleto
a pertencer a uma dama noturna e vaga. Aquela monstruosa aparição penetrou no
interior profundo da alma do Irmão da Opa. E ele nada podia fazer para o
maléfico e assustador espectro. A sua pulsação interior ele a sentia, porém
nada podia ser feito. E por um instante ele escancarou os olhos para o esqueleto
de mulher e a viu ressoar um amargo fim na crueza do lado escuro do seu ser.
Era um sentido mesquinho, cruel e ilógico diante do peso implacável de sua
realidade. A noite terrível envolvia ambos os sentidos daquela mortal
perplexidade de sua noção. Era por fim o dilema profano de uma brutal realidade.
Irmão:
--- Eu nunca
acreditei em fantasmas. Mas desde aquele instante eu sei bem mais do que o
imaginário diz. – falou assombrado o estranho Irmão da Opa.
O Irmão
Sisenando, todo enrijecido ouviu deveras aquele depoimento do curioso amigo e
nada respondia, pois em nada podia falar no instante de terror e asco. Para o
velho maçom apenas corria o além onde cada criatura pode ser um instrumento do
mal e do assombro. O vento frio da manhã cedinho enregelou o encanecido
Sisenando e ele, por um instante se viu no soturno véu da escuridão da morte
onde todos terão de ir um dia.
Sisenando:
--- E de quem
era a tal esqueleto? – indagou o irmão da Opa.
Irmão;
--- Eu não
sei. Eu não sei! – foi o que respondeu o outro Irmão.
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