- Katie Holmes -
- 23 -
SANTA CRUZ
Ainda na tarde
de sexta-feira seu Amaro Borba, depois do almoço, foi com os três criadores de
gado mais o vaqueiro José Tomaz até a cidade de Santa Cruz procurar um caminhão
para levar água para as fazendas. Seu Amaro suava por todos os poros apesar de
o seu carro desenvolver boa marcha nos aceiros da estrada a caminho do
município. O vaqueiro foi no banco da frente e os três cavaleiros logo atrás.
Nenhum dos que estavam no carro chegou nem mesmo a puxar conversa. O sol
escaldante dava vontade a seu Amaro de meter um pau no seu automóvel, pois o
homem estava irado com todas as coisas a se passar. Vaqueiros transitavam pelo
caminho para um lado e para outro. Uma mulher com uma trocha na cabeça e uma
corriola de filhos a reboque. Se bem podia olhar, o homem, pai das crianças
seguia na frente com uma foice do ombro segurada no cabo. Na ponta do cabo
havia outra pequena trocha de alguma coisa qualquer talvez comida - rapadura e farinha – ou coisa assim. Um
facheiro servia à noite para alumiar o caminho. E o homem levava suspenso pela
mão direita. Uma tosse rouca deixava a impressão de ter o homem cerca de 40
anos de idade. Mas a fisionomia era de mais
de 50 anos. Ninguém, no carro notava esse bebeu do deserto não ser o outro vaqueiro que seguia ao lado de
seu Amaro Borba. E ele até pensou no homem:
Tomaz:
--- “Lá vai Zé
do Patrocínio e sua corriola”. – pensou José Tomar ao ver o grupo de pessoas.
No seu
caminhar de veículo, José Tomaz estava repleto de dúvidas. Era ele sozinho,
enquanto seus amigos e companheiros caminhavam desconsolados por causa da seca
no sertão. No interior do veículo onde Tomaz viajava estavam os três criadores
de gado e nada diziam a respeito do homem do sertão a caminhar a pé. Enfim,
essa era a sina do sertanejo: ou capanga ou mendigo. Um caminhão rumava para o
sul do país lotado de “retirantes” onde procurariam nova vida para se sustentar
e a sua família alí presente. Tomaz viu
ainda uma menina sob a cobertura de lona do caminhão a dar adeus para os que
ficaram para trás. Era a sina dos
derradeiros mendigos do sertão nordestino a procura de um novo progresso a
estar ao Deus dará em terras distantes. E o automóvel rumava sereno para a
pequena cidade de Santa Cruz aonde progresso não chegara. Mato seco de pobreza
e gente miúda a correr pelo encosto da
estrada de barro. Na cidade grande os garotos podiam se safar a vender arroz
doce e pirulito para manter a casa e seus irmãos. Para a garotada, o estudo não
existia. Apenas carregadores de mercadorias das casas de gente nobre. Os homens
ilustres se preocupavam com a vida do gado. Esse negócio deixava totalmente aturdido
José Tomaz onde o desgosto incomodava de sobremaneira. A pobreza atacava mais
de um milhão de seres humanos em todo o nordeste. E Tomaz, acostumado às
agruras da vida de morte sentiu comoção e chorou com toda aquela desgraça.
O carro
estacionou na praça onde havia alguns “retirantes” ainda a espera de um chamado
de alguém. Do veículo saltaram os cinco homens e logo Amaro Borba indagou de um
motorista a arrastar seu pé por cima a areia escaldante;
Amaro:
--- Como se
consegue água boa da cidade para levar a uma fazenda? – indagou o homem após os
cumprimentos iniciais.
O motorista
segurou m seu caminhão de transporte de água e indagou de quantas viagens
precisava seu Amaro.
Motorista:
--- De quantas
viagens o patrão precisa? – indagou o caminheiro a palitar os dentes.
Amaro:
--- Aqui você
tem quatro criadores. Se bem eu penso, tantas carradas diárias para contentar o
gado que ainda resta. – falou com muito vagar o homem.
Motorista:
--- Quatro
criadores? Isso vai precisar de mais carros. Aqui eu tenho dois. Tenho que
arranjar outros mais. - falou o
motorista.
Amaro:
--- Pois
arranje. E tenho um dos maiores cercados dessas cercanias. E conheço o doutor
Major Theodorico, homem forte desse mundo. – falou com ênfase o homem.
Motorista:
--- Muito bem.
Se o senhor conhece o doutor paga menos então. Quantos carros? Quatro? – indagou
o motorista olhando ao seu redor outros motoristas a se acercar.
Amaro:
--- Duas ou
três vezes por semana apenas para minha fazenda. E tem as dos companheiros. –
ele mostrou os outros três.
Motorista:
--- Tudo na
vossa conta? – indagou o motorista.
Amaro:
--- De jeito
algum. Cada qual paga o seu! – e olhou para os demais criadores.
E os criadores
estiveram reunidos por cerca de uma hora acertando os detalhes de como levar
cada carga de água e despejar nos reservatórios dos cercados. Água para abastecer
o gado, posto nos reservatórios de cada fazenda. Após tanta conversa os
fazendeiros e o vaqueiro pegou o caminho de volta contentes da vida, uma vez
está protegido o gado contra a seca a flagelar o sertão. Aquela era umas das
piores secas abatidas sobre toda a região nordestina da Bahia ao Maranhão.
O homem sertanejo discutia a comida do
pobre no sertão.
Amaro:
--- Até rato!
Até rato! Ora veja só! – falava alto o sertanejo.
À noite veio e
os criadores já estavam em suas propriedades a contar o esforço imenso do
senhor Amaro Borba de qualquer forma ter de conseguir caminhões capazes de
trazer água da capital para as fazendas e garantir a sobrevivência das poucas
reses ainda restante. O vaqueiro José Tomaz ficou sozinho em sua humilde casa a
pensar se não era mais provável ser uma obrigação do Prefeito da cidade em
adquirir carros-pipa para buscar água para os animais. E da conversa de seu Amaro Borba em conhecer bem de perto o
Major Theodorico podia até ser verdade. Mesmo assim, o vaqueiro nunca ouvira histórias
contadas por seu Amaro se ligando ao Major. Mesmo assim o homem, na dúvida,
adormeceu;
Vaqueiro
--- Conversa!
– disse consigo o vaqueiro e agarrou no sono.
No sábado o
caminhão solicitado por seu Amaro Borba estava cedinho da manhã despejando água
nos depósitos ditos pelo homem. Esse, orgulhoso, não cabia em si com tanta
presteza do caminhoneiro. Esse homem, o motorista, já estava a conhecer o
fazendeiro e pegou conversa entre chuvas e secas. Na metade da história o
motorista lembrou-se de falar em uma notícia de alarme trazida a conhecer em
toda a capital do estado.
Motorista:
--- Eu estava
na adutora da Companhia de Água quando eu soube da história. – falou o
motorista mastigando a boca.
Amaro;
--- Na cidade?
Como é que pode? Morreu gente? – indagou alarmado o fazendeiro
Motorista;
--- Pelo que
se disse, pra mais de dez. Talvez vinte ou mais. Os casebres da praia foram
todos arrastados pela onda gigante. E ainda houve tormenta no arrabalde das
Rocas. Também até na praia do Meio.
Incrível seu homem! – frisou o homem.
Amaro:
--- Como é que
pode? Arrastou tudo? – perguntou alarmado o criador de gado.
Motorista:
--- Não ficou
nada de pé. – relatou com perfeição o motorista.
Amaro:
--- Isso é incrível
mesmo! – fez ver o senhor das terras.
Motorista:
--- E os
técnicos estavam ainda contando o numero de mortos, pois se tem cisma de muitas
casas derrubadas em outras regiões da capital, até mesmo Ponta Negra. – falou o
homem cheio de remorso com medo dos
mortos.
Na verdade,
pela contagem das vítimas essas estavam em dezesseis mortos em redondeza por
onde a maré atingiu em seu volume as casas mais fracas da cidade. Houve
desabamento em Ponta Negra, Areia Preta, Rua do Motor, Praia do Meio, Redinha,
Palafitas do rio Potengi, Canto do Mangue, Rocas e Aldeia Velha. Os mais
sacrificados eram até então os moradores de Areia Preta. Em Ponta Negra e na
Redinha houve desastre de igual monta. Mesmo assim, nessas outras partes da
capital a maré esteve a uma altura de três metros na área ribeirinha. Houve
ainda deslizamento de terras na área de Areia Preta. Um técnico chegou a
declarar de ter percebido sinais sonoros alertando sobre o avanço da maré já às
cinco horas da tarde da sexta feira.
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