quinta-feira, 21 de março de 2013

"NARA" - 23 -

- Katie Holmes -
- 23 -
SANTA CRUZ
Ainda na tarde de sexta-feira seu Amaro Borba, depois do almoço, foi com os três criadores de gado mais o vaqueiro José Tomaz até a cidade de Santa Cruz procurar um caminhão para levar água para as fazendas. Seu Amaro suava por todos os poros apesar de o seu carro desenvolver boa marcha nos aceiros da estrada a caminho do município. O vaqueiro foi no banco da frente e os três cavaleiros logo atrás. Nenhum dos que estavam no carro chegou nem mesmo a puxar conversa. O sol escaldante dava vontade a seu Amaro de meter um pau no seu automóvel, pois o homem estava irado com todas as coisas a se passar. Vaqueiros transitavam pelo caminho para um lado e para outro. Uma mulher com uma trocha na cabeça e uma corriola de filhos a reboque. Se bem podia olhar, o homem, pai das crianças seguia na frente com uma foice do ombro segurada no cabo. Na ponta do cabo havia outra pequena trocha de alguma coisa qualquer talvez comida  - rapadura e farinha – ou coisa assim. Um facheiro servia à noite para alumiar o caminho. E o homem levava suspenso pela mão direita. Uma tosse rouca deixava a impressão de ter o homem cerca de 40 anos de idade.  Mas a fisionomia era de mais de 50 anos. Ninguém, no carro notava esse bebeu do deserto  não ser o outro vaqueiro que seguia ao lado de seu Amaro Borba. E ele até pensou no homem:
Tomaz:
--- “Lá vai Zé do Patrocínio e sua corriola”. – pensou José Tomar ao ver o grupo de pessoas.
No seu caminhar de veículo, José Tomaz estava repleto de dúvidas. Era ele sozinho, enquanto seus amigos e companheiros caminhavam desconsolados por causa da seca no sertão. No interior do veículo onde Tomaz viajava estavam os três criadores de gado e nada diziam a respeito do homem do sertão a caminhar a pé. Enfim, essa era a sina do sertanejo: ou capanga ou mendigo. Um caminhão rumava para o sul do país lotado de “retirantes” onde procurariam nova vida para se sustentar e a sua família alí  presente. Tomaz viu ainda uma menina sob a cobertura de lona do caminhão a dar adeus para os que ficaram para trás.  Era a sina dos derradeiros mendigos do sertão nordestino a procura de um novo progresso a estar ao Deus dará em terras distantes. E o automóvel rumava sereno para a pequena cidade de Santa Cruz aonde progresso não chegara. Mato seco de pobreza e  gente miúda a correr pelo encosto da estrada de barro. Na cidade grande os garotos podiam se safar a vender arroz doce e pirulito para manter a casa e seus irmãos. Para a garotada, o estudo não existia. Apenas carregadores de mercadorias das casas de gente nobre. Os homens ilustres se preocupavam com a vida do gado. Esse negócio deixava totalmente aturdido José Tomaz onde o desgosto incomodava de sobremaneira. A pobreza atacava mais de um milhão de seres humanos em todo o nordeste. E Tomaz, acostumado às agruras da vida de morte sentiu comoção e chorou com toda aquela desgraça.
O carro estacionou na praça onde havia alguns “retirantes” ainda a espera de um chamado de alguém. Do veículo saltaram os cinco homens e logo Amaro Borba indagou de um motorista a arrastar seu pé por cima a areia escaldante;
Amaro:
--- Como se consegue água boa da cidade para levar a uma fazenda? – indagou o homem após os cumprimentos iniciais.
O motorista segurou m seu caminhão de transporte de água e indagou de quantas viagens precisava seu Amaro.
Motorista:
--- De quantas viagens o patrão precisa? – indagou o caminheiro a palitar os dentes.
Amaro:
--- Aqui você tem quatro criadores. Se bem eu penso, tantas carradas diárias para contentar o gado que ainda resta. – falou com muito vagar o homem.
Motorista:
--- Quatro criadores? Isso vai precisar de mais carros. Aqui eu tenho dois. Tenho que arranjar outros mais. -  falou o motorista.
Amaro:
--- Pois arranje. E tenho um dos maiores cercados dessas cercanias. E conheço o doutor Major Theodorico, homem forte desse mundo. – falou com ênfase o homem.
Motorista:
--- Muito bem. Se o senhor conhece o doutor paga menos então. Quantos carros? Quatro? – indagou o motorista olhando ao seu redor outros motoristas a se acercar.
Amaro:
--- Duas ou três vezes por semana apenas para minha fazenda. E tem as dos companheiros. – ele mostrou os outros três.
Motorista:
--- Tudo na vossa conta? – indagou o motorista.
Amaro:
--- De jeito algum. Cada qual paga o seu! – e olhou para os demais criadores.
E os criadores estiveram reunidos por cerca de uma hora acertando os detalhes de como levar cada carga de água e despejar nos reservatórios dos cercados. Água para abastecer o gado, posto nos reservatórios de cada fazenda. Após tanta conversa os fazendeiros e o vaqueiro pegou o caminho de volta contentes da vida, uma vez está protegido o gado contra a seca a flagelar o sertão. Aquela era umas das piores secas abatidas sobre toda a região nordestina da Bahia ao Maranhão. O  homem sertanejo discutia a comida do pobre no sertão.
Amaro:
--- Até rato! Até rato! Ora veja só! – falava alto o sertanejo.
À noite veio e os criadores já estavam em suas propriedades a contar o esforço imenso do senhor Amaro Borba de qualquer forma ter de conseguir caminhões capazes de trazer água da capital para as fazendas e garantir a sobrevivência das poucas reses ainda restante. O vaqueiro José Tomaz ficou sozinho em sua humilde casa a pensar se não era mais provável ser uma obrigação do Prefeito da cidade em adquirir carros-pipa para buscar água para os animais. E da conversa  de seu Amaro Borba em conhecer bem de perto o Major Theodorico podia até ser verdade. Mesmo assim, o vaqueiro nunca ouvira histórias contadas por seu Amaro se ligando ao Major. Mesmo assim o homem, na dúvida, adormeceu;
Vaqueiro
--- Conversa! – disse consigo o vaqueiro e agarrou no sono.  
No sábado o caminhão solicitado por seu Amaro Borba estava cedinho da manhã despejando água nos depósitos ditos pelo homem. Esse, orgulhoso, não cabia em si com tanta presteza do caminhoneiro. Esse homem, o motorista, já estava a conhecer o fazendeiro e pegou conversa entre chuvas e secas. Na metade da história o motorista lembrou-se de falar em uma notícia de alarme trazida a conhecer em toda a capital do estado.
Motorista:
--- Eu estava na adutora da Companhia de Água quando eu soube da história. – falou o motorista mastigando a boca.
Amaro;
--- Na cidade? Como é que pode? Morreu gente? – indagou alarmado o fazendeiro
Motorista;
--- Pelo que se disse, pra mais de dez. Talvez vinte ou mais. Os casebres da praia foram todos arrastados pela onda gigante. E ainda houve tormenta no arrabalde das Rocas.  Também até na praia do Meio. Incrível seu homem! – frisou o homem.
Amaro:
--- Como é que pode? Arrastou tudo? – perguntou alarmado o criador de gado.
Motorista:
--- Não ficou nada de pé. – relatou com perfeição o motorista.
Amaro:
--- Isso é incrível mesmo! – fez ver o senhor das terras.
Motorista:
--- E os técnicos estavam ainda contando o numero de mortos, pois se tem cisma de muitas casas derrubadas em outras regiões da capital, até mesmo Ponta Negra. – falou o homem cheio de  remorso com medo dos mortos.
Na verdade, pela contagem das vítimas essas estavam em dezesseis mortos em redondeza por onde a maré atingiu em seu volume as casas mais fracas da cidade. Houve desabamento em Ponta Negra, Areia Preta, Rua do Motor, Praia do Meio, Redinha, Palafitas do rio Potengi, Canto do Mangue, Rocas e Aldeia Velha. Os mais sacrificados eram até então os moradores de Areia Preta. Em Ponta Negra e na Redinha houve desastre de igual monta. Mesmo assim, nessas outras partes da capital a maré esteve a uma altura de três metros na área ribeirinha. Houve ainda deslizamento de terras na área de Areia Preta. Um técnico chegou a declarar de ter percebido sinais sonoros alertando sobre o avanço da maré já às cinco horas da tarde da sexta feira.

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