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O DIABO
À tarde daquele mesmo dia, o Abade Euclides de Astúrias já
estava em seu gabinete onde então ele costumava passar a maior parte do tempo a
ler os estudos mais profundos de teologia. De momento, o Prior esquecera-se de
passar na Biblioteca, onde havia um monte de livros antigos, alguns dos quais
já bastante desgastados pelo tempo e pelo mau uso dos outros Monges ou Monjas,
por certo. Das monjas ele pouco se lembrava, a não ser de uma muito bela e de
um encanto terno e copioso. De todas as Monjas era essa que ele se lembrava de
quando em quando por sua forma esguia de ser. Porém o seu pensar era
momentâneo, pois não queria ele nutrir aforismos vãos por aquela boneca sensual
como parecia demonstrar. E por tal motivo, não raro estava o Abade a fazer o
seu suplício quando só por se lembrar de algo impróprio para o mesmo. Chovia a
cântaros aquela hora da tarde como se o tempo mudara de repente. Pelos cálculos
do Abade já era tempo de inverno. E, portanto já era tempo de chuva por um
pedaço de tempo durante o ano. Três meses eram mais o certo. Esse período fez
lembrar o Prior seus ternos tempos de aconchego nos braços de sua mãe quanto
ainda era criança dos seus cinco a seis anos. Se não podia sair de casa, então
ele dormia de forma confortável ao colo de sua amada genitora. Lembranças,
lembranças, lembranças.
A ouvir o canto solene dos Monges o Abade então buscou de
imediato a brochura a qual ele mesmo guardara horas antes, quando próximo do
almoço. E a rebuscar a chave verdadeira no molho em seu bolso, o Abade viu cair
uma nota onde o mesmo lembrava ter de buscar certo livro sobre o enigma de
bruxaria. O abade pôs o aviso novamente no bolso e catou o seu verdadeiro Grande Livro do Diabo. Após retirá-lo
do compartimento secreto da estante e buscou assento na sua mesa de trabalho
onde se espojou como pode. E devorou como pode A Bíblia do Diabo. Aquele era o maior manuscrito medieval existente.
O livro que já foi considerado a oitava maravilha do mundo. Com noventa
centímetros de comprimento e setenta e cinco quilos e, dentro dele, histórias
antigas, curas medicinais e feitiços.
Depoimento:
--- Ele contém uns textos grandes de nenhum outro lugar. É o
objeto mais peculiar, mais estranho, mais fascinante, mais bizarro e
inexplicável.
Mais o livro é bem mais do que isso. O Códice exerce uma
atração quase sobrenatural. Cobiçado pelos poderosos, roubado como espólio de
guerra, mantido em segredo por um Santo Imperador romano durante toda a sua
história o Códice inspirou medo e uma obsessão por sua posse. Hoje, o
magnetismo do livro continua tão forte quanto antes. Embora ele seja mantido
permanentemente na Suécia em 2007, pela primeira vez em quase quatrocentos
anos, o Códice voltou para a sua terra natal: a República Checa. Milhares de pessoas
foram até lá para vê-lo. O evento ganhou as manchetes internacionais. Poucos
livros já causaram tamanha sensação.
Depoimento:
--- Não há dúvidas de quem ler esse livro não pode deixar de
perceber que ele tem um certo poder.
E por trás disso tudo existe uma força diabólica. Uma figura
única e sinistra: Satã. O Códice
sustenta uma figura do Diabo numa
página inteira. Nenhuma outra Bíblia no mundo trás uma imagem tão bizarra do
mal encarnado. Ninguém sabe quem a criou. Nem porque ela está no exemplar do
livro. É uma figura extraordinária e incomum. É inesquecível e assustadora.
Talvez intencional. E não é só isso. Sombras inexplicáveis envolvem apenas as
páginas ao redor da figura satânica. E o Códice é o único livro que coloca o
Antigo e o Novo Testamento ao lado de encantamentos sagrados e violentos.
Feitiços e exorcismos demoníacos. Embora ninguém siba sua idade exata, uma
citação, no livro, revela a data provável do seu término: 1230. Desde então durante oito séculos duas perguntas importantes
tem perseguido o Códice: Quem o criou? E
por quê?. A caligrafia do livro é surpreendentemente consistente. Poderia
vários escribas trabalhados juntos? Ou o livro teria exercido o trabalho de um
único autor? A maior parte de um livro foi escrita por uma pessoa. Duas ou três
também trabalhando juntas. Mas a Bíblia
do Diabo parece ter sido escrita pelas mãos de um único escriba. Mesmo se o
Códice tivesse sido trabalhado por uma só pessoa dá a impressão de um problema
ainda maior: TEMPO. O livro de tal
magnitude levaria décadas para ser escrito. O único autor envelheceria, ficaria
doente, perderia parte da visão e da coordenação. Pós pagina após pagina o
livro se apresenta perfeito e os estudiosos observam que ele não tem erros nem
omissões dignos de nota. Quem poderia completar uma tarefa tão formidável? Os
especialistas acreditam que o manuscrito detenha as pistas para revelar seu
misterioso criador ou criadores. Mas séculos atrás os primeiros a verem o
Códice acreditaram que havia apenas uma explicação. Eles deram início a uma
lenda que existe até hoje: a de que o Códice foi escrito por um monge condenado
que vendeu a alma ao DEMONIO.
1230. A história começa num remoto
Monastério, na Bohemia. Em uma Cela escura um Monge implora por sua vida. Ele
está em sérios apuros. Seu pecado violou uma regra monástica sagrada. Algo tão
ofensivo que foi mantido em segredo. Ele é um beneditino chamado de: “Os Monges Negros”. Seus trajes funérios
simbolizam morte a o mundo terreno. Eles fazem voto de pobreza, castidade,
obediência e suportam cruéis sacrifícios físicos como roupas infestadas de
pulgas. Jejum, privação de sono e a autoflagelação. Mas os fracos acabam caindo
em tentação. Gula, Inveja, depravações sexuais. As punições são extremas:
confinamento em solitária, ódio, excomunhão ou pior: em algum lugar do
Monastério os mais velhos decidem se o Monge que cedeu às tentações deve viver
ou morrer. As notícias são terríveis dessa vez. O monge será condenado a uma
morte lenta. Tijolo após tijolo, ele
será emparedado vivo. O condenado teme a tortura que está por vir. Mas ele tem
uma inspiração divina: Ele escreverá o maior livro daquela época que conterá a
Bíblia e todo o conhecimento humano e então irá glorificar seu monastério para
sempre. E para provar seu martírio, ele escreverá essa coleção colossal numa só
noite. Os mais velhos zombam dele. Mas como o Monge é insistente eles concordam
em deixa-lo tentar. Mas seu decreto é claro. Se o livro não terminado pela
manhã, o Monge enfrentará a morte certa.
Página após página o Monge escreve até sua mão ficar
dormente. Mas, a meia-noite a morte começa a se aproximar, pois ainda falta
muita coisa. Então, na mais escura das horas ele faz um pacto profano. Pede
ajuda do anjo caído: SATÃ. A lenda
conta que o anjo respondeu ao chamado do Monge. Assim como os Evangelhos foram
criados pela mão de Deus, o Códice Giga foi criado pela mão do Diabo.
Em Estocolmo, Suécia:
A Biblioteca Nacional
Real. - O lar moderno do Códice Giga. - Qualquer exposição prolongada à luz, ao
calor e a umidade poderá causar danos irreparáveis ao livro. Ele esteve sempre
coberto por um pano. Pela primeira vez na história uma equipe internacional
planeja desvendar o Códice Giga. A equipe esteve reunida fazendo análise do
texto, ilustrações, manuscritos e testes com pigmento de papel. Eles procuram
desvendar a história por trás da Bíblia do Diabo. Agora, a equipe sueca se
prepara ver o códice como poucos o viram. A Biblioteca submete a uma regra
rígida e uma segurança severa no local. A equipe só dispõe de alguns dias. Um
acesso como esse é raro. Mas para identificar o criador do Códice a equipe
precisa encontrar evidencias concretas no livro propriamente dito. Um suporte
de noventa centímetros trançado à mão enquanto sustentam os setenta e cinco
quilos do livro. Os Monges costumavam misturar suas próprias tintas usando
materiais e técnicas específicas. Procura-se observar uma assinatura química no
Códice. A mistura de tintas comuns a avaliações normais nas fórmulas dos
pigmentos. Um identificador de tinta pode ser utilizado para descobrir o
principal ingrediente. Tintas medievais se decompunham em dois tipos
principais: as feitas de metal e as feitas de ninhos esmagados de insetos. Se o
Códice for a um trabalho de um só escriba ele deve ter feito em um só tipo de
tinta. O escaneamento com a luz ultravioleta é como ter uma visão de raios-X.
Posicionando a luz ultravioleta sobre o Códice os cientistas procuram o brilho
fosforescente. As tintas com base de metal brilham intensamente no escuro
enquanto que as tintas de ninhos de insetos são muito menos intensas. O que se
observa é uma tinta meio marrom que não brilha tanto. A evidência é clara: o
Códice foi escrito totalmente com tinta de inseto. Dado o consistente acesso de
um Monge aos mesmos materiais é altamente improvável que um escriba usaria dois
tipos diferentes de tinta. Essa consistência na tinta ajuda a sustentar a
teoria de um único autor para o Códice. Mesmo assim a descoberta surpreende.
Com um escriba pode ter sido capaz de completar um trabalho tão colossal? A
análise forense apenas começou.
À medida que o mistério do Códice Giga se intensifica a
equipe fica mais determinada a descobrir a verdade e revelar o criador do único
livro sagrado já atribuído ao Demônio. Para começar a entender o Códice Giga – A Bíblia do Diabo – é preciso explorar
o mundo que o criou. Antes da Ciência, antes do esclarecimento, a alta Idade
Média foi atingida por terríveis fenômenos. Desastres naturais, Guerras,
doenças mortais e superstições. As
pessoas eram vítimas de mitos perturbadores. Traçar a verdadeira história do
Códice trás uma visão arrepiante para dentro de um dos capítulos mais volátil
da história humana. Outras pessoas em épocas tão turbulentas que possuíam o
livro geralmente enfrentavam alguma tragédia. E essa começa com o Mosteiro
condenado e com uma epidemia letal.
Bohemia, final do século XIII. Várias décadas haviam se
passado desde que a lenda sobre o Monge que venderia a sua alma para escrever a
Bíblia do Diabo foi contada. Agora
esse enorme Livro é famoso. Mas o Monastério que o possui está em péssima
situação financeira. Para evitar a falência os Abades concordaram em vender o
Códice para outra Ordem Monástica. Ser o dono de um Livro como aquele trazia
uma posição de status honra e prestígio. Ironicamente, o manuscrito passa dos
chamados Monges beneditinos ou “Monges
Negros” para uma Ordem que vestia branco chamado “Os Monges Brancos”. O Códice vai para o seu novo lar: o Monastério
na cidade de Sedlec aos Cistercienses. Os Monges Brancos colocam o famoso
Códice no lugar de ordem, perto de um cemitério consagrado como a Pedra do
Calvário, o local de crucificação de Jesus. Mas, não por muito tempo. Veio à
tragédia. Os que cuidavam da Bíblia do
Diabo ficaram na ruína. Um poderoso Bispo ordenou que os Monges Brancos
devolvessem o Códice ao seu lar original e, logo depois, o Mosteiro foi
devastado por uma epidemia mortal: a peste bubônica. A Morte Negra arrasou a
região matando dezenas de milhares de pessoas. O cemitério ficou lotado de
corpos. No fim da epidemia mais de trinta mil cadáveres haviam transformado o
local em uma catacumba.
Hoje, o Monastério se tornou um museu macabro. A Capela dos
Ossos. Uma das sepulturas mais famosas de toda a Europa com escultura de ossos,
um candelabro de ossos e até uma taça de ossos. O abominável lembrete do
segundo capítulo na história da Bíblia do Diabo. E as investigações continuam
sobre o autor do Códice. Um busca por pista leva os cientistas diretamente ao
famoso retrato do Diabo. A figura do Satã no Códice é examinada. Metade homem,
metade monstro chifrudo com uma língua vermelha assustadora e punhos erguidos.
Ele veste uma pele como símbolo ostentoso de poder supremo. Os que acreditavam
na terrível lenda devem ter imaginado que foi esta entidade quem levou a alma do escriba condenado.
Abade:
--- Que horror! Chega a dar arrepios! – falou assustado o
abade.
E de imediato se levantou da sua escrivaninha para lacra a
única veneziana ainda a estar aberta para fora, onde o temporal se tornara mais
assustador. O Abade tremia todo e aos poucos se lembrou da mortandade havida um
cemitério da vila onde ele, nesse tempo não estava. Ouvia contar pelos Monges
idosos do Mosteiro.
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