- Leticia Sabatella -
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Após o almoço do meio dia, o sono chegou depressa e Vera Muniz, sossegada, dormiu. A doméstica Otilia ficou a fazer os seus serviços domésticos na cozinha do apartamento. A janela bateu de surpresa e Otilia voltou da cozinha para fechar. Era a janela da sala de visitas que era a mesma de jantar. A moça puxou com força a janela, deixando fechada e apenas aberta a cortina. Otilia ainda olhou para a rua em baixo e viu passar os carros que vinham da praia e outros que seguiam rumo desconhecido. Mas abaixo, um grupo de rapazes e moças bebia cerveja em um local que servia bebidas e também sorvetes, pois era um local de vendas de artigos diversos. Vendiam-se ali tudo para crianças, jovens e adultos. Os pais bebiam cervejas ou uísques. Os filhos se contentavam com sorvetes. E os jovens eram mais afoitos e bebiam cerveja ou uma mistura de Bourbon: era o chamado o “uísque polar”, mistura de uísque, cerveja, cachaça, rum, conhaque e outras mais que tivessem. Sorrisos francos eram ouvidos pela doméstica Otilia em meio de gargalhadas e choros dos jovens ou adultos. Havia ali os que já estavam a beber desde o sábado à tarde. A moça olhou bem para a turma e depois saiu da janela indo de volta à cozinha. Ao passar pelo quarto de dormir onde estava à senhora Vera Muniz, a moça puxou a porta, deixando-a fechada sem a chave. Então ficou na cozinha fazendo os últimos reparos na louça para guardá-la depois. Era um trabalho simples e não cansativo. Após tudo feito Otilia foi até a varanda que dava para a rua do lado oposto a janela da sala e viu dali de cima o mar. A imensidão do mar. Um navio visto ao longe demonstrava que ele seguia para o norte. Em contrapartida, viam-se igualmente os pequeninos barcos de pesca que só eram visíveis pela brancura de suas velas pandas ao vento. E Otilia se lembrou de sua casa, do pessoal, dos meninos, de sua mãe e dos rapazes afoitos, loucos para brigar de murro e de pedrada uns com os outros numa espécie de tira-teima. Tudo isso ela lembrou enquanto o navio singrava o oceano.
No quarto de dormir a senhora Vera Muniz, de barriga para cima, ronronava pelo sono de depois do almoço. No seu sonhar, a mulher viu uma visagem que lhe dizia ser importante Vera extrair aquela criança, pois já estava morta desde a última sexta feira. Vera perguntava quem era aquela mulher tão ciente do que falava. E a visão respondia:
--- Sou eu a tua voz. – e sorriu a visão.
--- A minha voz! Como se não bastasse! – respondeu Vera.
--- Cuide de extrair esse ser, pois não há mais vida que ele acoberte. É justo que o ser morreu ou desencarnou ou não resistiu à tamanha tortura. – respondeu a voz da desconhecida.
--- Deixe-me em paz! – gritou Vera ainda sonolenta.
Em verdadeiro instante, completamente suada, Vera despertou do seu pesadelo e clamou de vez por seu marido sem notar que ele não estava em seu apartamento. A terrível forma de gritar tão alto levou a doméstica Otilia a observar de forma inquieta e voltar ao quarto onde estava a patroa Vera Muniz. Quando no quarto entrou, Otilia viu apenas a mulher querendo se levantar, se pondo com os cotovelos para soerguer e até mesmo levantar de vez. A moça, preocupada indagou o que estava a acontecer. E a mulher respondeu.
--- Nada! Um sonho! Terrível! Uma mulher! – reclamou Vera a sua doméstica.
--- É normal a gente ter pesadelos. Eu vou coar um chá para a senhora. Fique tranqüila. Foi só um sonho. – respondeu a domestica Otilia.
--- É. É. – proferiu a mulher um tanto angustiada.
E passou a mão na barriga de quase nove meses. Ela sempre acariciou a sua barriga com medo e com cuidado. Por cima da pele alva a mulher friccionava um gel que certa vez o médico lhe recomendara. Era apenas um gel. De textura fria e nada mais, deixando um perfume suave para a mulher. Era aquele gel. E Vera, nesse momento, pediu a Otilia que lhe arranjasse um pouco de gel para que pudesse esfregar a barriga. Nesse momento, ele tomou de verdadeiro pânico ao ver as suas vestes cobertas de sangue coalhado.
--- Nossa!!! Sangue!!! Otilia! Por favor, vamos ao médico!!! Por favor! – bradou a mulher ao desespero.
A moça ficou preocupada de ver tanto sangue do modo em que estava e apressou-se em trazer algo para limpar as pernas da mulher que já se postava de forma sentada na cama. De cor branca, Vera findava por ser verdadeira amarela com o sangue a lhe escoar do ventre. Ela não podia mais resistir a tanto temor e de vez, desmaiou sobre o colchão da cama. A doméstica Otilia sem saber o que fazer apenas gritava.
--- Socorro! Socorro! Acudam! A mulher está morrendo! – gritava Otilia a todo o pulmão.
A algazarra na rua era demais e ninguém ouvia o clamor de Otilia. Em um verdadeiro instante, tremendo de medo e terror, Otilia ligou para o guarda que tomava conta do portão de entrada e voltou a gritar.
--- Socorro meu senhor! Me acuda! A mulher está morrendo! – gritava Otilia ao desespero.
--- Quem fala? – indagou o vigilante ainda embriagado da cana que tomara durante a noite
--- Socorro! Dona Vera! Dona Vera! – clamava a moça sem saber explicar coisa alguma.
O tempo passou rápido e com poucos instantes uma equipe de socorro entrou rápido como um furacão no apartamento de Vera e logo providenciou os preparativos para conduzir a mulher desfalecida ao pronto-socorro mais próximo do prédio. Três homens e uma auxiliar de enfermagem estavam a postos para seguir para o hospital do pronto-socorro. De imediato, acionaram uma ambulância para seguir com a parturiente desacordada na ocasião. Não demorou dez minutos e todos prontos estavam a seguir para o hospital em auxilio de dona Vera Muniz. Alguém perguntou:
--- Tem os documentos da mulher? – indagou um dos maqueiros.
A moça só sentia vontade de chorar e ainda assim respondeu.
--- Não senhor. Ela tem, mas tá tudo no apartamento. – chorava Otilia segurando a mulher com medo de não cair da cama da ambulância.
--- É bom ir buscar os documentos. - proferiu o maqueiro um tanto preocupado.
--- Não sei onde ela guarda. – respondeu Otilia ainda em prantos.
--- E quem sabe? O marido? – indagou o homem.
--- É. O marido e ela. – respondeu Otilia em soluços.
--- E o marido onde está? – indagou o maqueiro a Otilia.
--- Na praia, Eu acho. – soluçou Otilia ao movimento da ambulância em louca disparada.
--- Tem que haver um documento. – respondeu o maqueiro.
A ambulância chegou ao pronto socorro e com bastante cuidado e rapidez os maqueiros retiraram a mulher do seu interior e lavaram para dentro com a informação de que a mulher estava sangrando e grávida e que ela não trazia documentos. No pronto socorro o pessoal de plantão fez a medicação de urgência até que a mulher recobrou os sentidos e meio acordada perguntou o que se estava fazendo com ela. As enfermeiras de nada responderam e apenas recomendaram que a mulher tivesse calma. Toda entubada a mulher apenas perguntava:
--- Onde estou! Onde estou! – perguntava Vera com voz dolente.
--- Sossegue. A senhora está em serviço de parto. – falou uma enfermeira a tranqüilizar.
O rapaz que dirigia a ambulância resolveu voltar com a doméstica Otilia para o apartamento e procurar a documentação da mulher para então retornar ao pronto socorro. E assim foi feito. A moça entrou no quarto de Vera e encontrou uma bolsa. Tremendo de medo, entornou tudo o que havia dentro para o motorista procurar os documentos certos. Não demorou muito e o motorista encontrou a identidade e o cartão proveniente da instituição seguradora. E assim que eles encontraram os documentos, imediatamente retornaram ao pronto socorro. Tinha um atestado médico que providenciava internação no Hospital Pro Matre para mulher em estado de risco. Tudo isso o motorista levou com bastante cuidado ao pronto socorro. Quando o motorista chegou ao pronto socorro só teve tempo de arranjar a mulher novamente na maca e dali, na ambulância. Logo em seguida, ele, os maqueiros, a auxiliar de enfermagem e a doméstica Otilia só tiveram tempo de chegar ao Hospital.
Vera Muniz deu entrada pouco antes das duas horas da tarde e foi levada para a UTI onde dali se providenciaria os cuidados médicos. Um médico de plantão foi quem operou a gestante retirando a criança já sem vida da barriga da sua mãe. Nesse instante, meia hora depois, chegava ao Hospital Pro Matre o esposo, senhor Silas Albuquerque. Ele foi orientado pelo porteiro que sua mulher estava sendo levada ao Hospital, pois tivera um susto hemorrágico. Em pânico o homem acorreu ao hospital indagando por celular se a esposa estava internada naquela casa de saúde. Confirmado o fato, ele então se dirigiu para o Hospital Pró Matre e quando chegou encontra a domestica aos prantos sem saber o que dizer.
--- Onde está Vera? Onde está Vera? – indagou alarmado o marido Silas.
--- Levaram lá prá dentro. – respondeu Otilia a chorar.
--- Pronto! E agora? – perguntou ao esmo o homem quase a chorar.
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