- Jean Simmons -
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No domingo, houve festa na casa de Vera Muniz, apesar da mulher não ter apetite para nada. Coisas de alimentação do Hospital. A sua mãe, dona Cora, e a sua sogra, dona Lindalva, com a ajuda de Otilia organizaram um lauto almoço com os mais esmerados pratos onde estavam presentes Silas, Paredão, dona Olga, Pescador e mais alguém do Centro Espírita. Vera, com a cara de poucos amigos, não comia nada do que foi posto, a não ser um franguinho assado com arroz e tempero. Ela estava receosa de ingerir tanta gordura e outros pratos servidos, como lagosta e camarão, que se limitou a comer somente o frango assando. Vinho tinha demais ao sabor de champanhe e sidra.
--- Tudo isso para festejar a minha volta e eu não vou poder comer nada. – reclamou Vera.
--- Verdade menina. Contente-se com a galinha e o arroz. – disse-lhe a sua mãe.
Aos demais foi servida a lauta refeição sob a oração de Paredão pedindo proteção aos espíritos de luz pelo que estava para comer. Após a breve oração, todos caíram de boca em cima das lagostas, galinhas, camarões entre outros salgados e folas servidas por dona Cora, mãe de Vera, dona Lindalva, mãe de Silas e a doméstica Otilia. Arroz não faltava como também macarrão e outros alimentos na farta mesa. Paredão conversava em estrondosas gargalhadas, contando suas peraltices de menino enquanto que os outros comilões só faltavam morrer de achar graça, menos a mulher, Vera Muniz. Essa, vez por outra, se contorcia como que estivesse sentindo dores abdominais e ao ser perguntado pelo esposo apenas dizia:
--- Gases! – e assim falava baixinhos se moendo em dor.
Certa vez, naquele domingo, Vera chorou. Ao se comentar sobre os demais médiuns faltosos a recepção ao casal Muniz, ela se lembrou de Racilva, sua amiga de longas e eternas datas sem fim. Quem percebeu o pranto furtivo foi dona Olga. A mulher cutucou a barriga de Pescador para denotar o choro de Vera. Duas lágrimas de dor e de saudade desciam pela formosa face da mulher ainda sofrendo as dores de um parto prematuro. A amizade era algo acima de tudo que a mulher sentia àquela hora de angustia e agonia. Desse amor que não se perdia, ficaria apenas a lembrança da afeição derradeira por Vera sentida por alguma pessoa que talvez não estivesse mais presente no seu mundo reservado. E Vera então lacrimejou a ausência da amiga dileta. Lembrava-se a amiga dos brinquedos que faziam a cavalgar de jumentos quando então eram apenas duas meninas travessas ou dos banhos saudosos a beira mar que as duas garotas por vezes gostavam de brincar na água morna da manhã de domingo ou na tarde de um sábado qualquer. Confissões ao velho padre da Igrejinha do lugar onde moravam; sorrisos furtivos ao negar um lindo pecado que cometeram e não disseram na hora da confissão. Coisas simples por demais, como as carreiras que davam as duas garotas pelo caminho da Catedral, quando as meninas empurravam os caixões de lixo para se alastrar no meio da rua. E olhavam o dono da venda embrutecido pela façanha das garotas.
--- Vou dizer a seu pai! Vou dizer a seu pai! – gritava o dono da bodega cheio de cólera.
Com todas essas quimeras Vera não sabia de sorria ou se chorava. E era bem mais fácil chorar por não ter mais Racilva para confidenciar os seus apegos de moça ou de mulher. Horas de angústia e de agonia por não saber Vera onde estaria o corpo de sua amiga dileta. Foi nesse instante que ao despertar por Pescador, o seu marido voltou-se para Vera e indagou o que tanto lhe fazia sofrer àquela hora de alegria e plena satisfação e ternura por ter ali de volta à casa arrumada a sua dona Vera Muniz.
--- Não é nada. Não é nada. Besteira minha. Agora é muito tarde para que Racilva volte!. – confessou a mulher a verter lagrimas sobre o rosto.
--- É verdade! Ela desapareceu, sem deixar vestígios. – respondeu Silas a todos os presentes.
--- Eu fiz uma prece para que ela dissesse onde estava. – recomendou Paredão.
--- Nós fizemos! – repreendeu dona Olga.
--- Certo! Certo! Nós fizemos! – remendou Paredão, médium espírita.
E de repente uma voz ecoou de forma sombria na sala de jantar do apartamento de Vera. E todos ouviram e se voltaram para ver quem dizia tal lastimoso fato, cuja abantesma era por demais surpresa.
--- Eu sei onde ela está. – declarou Otilia em sua forma sem achar graça.
--- Onde menina? Onde? – correu para perto de Otilia o seu protetor Silas Albuquerque.
O silencio se fez presente em todo o recinto do apartamento com o que havia dito a mocinha.
--- Bem. Ela não falou. Mas eu vi que ela estava em um cemitério. – respondei Otilia.
--- Ah bom! Morta? Enterrada? – perguntou de olhos bem abertos Paredão, levado de susto.
--- Não. Parece que não. Ela estava sentada junto a um túmulo a chorar. Foi tudo que eu vi. – respondeu Otilia.
Todos ficaram atônitos com a revelação da mocinha de ter visto Racilva àquela hora da manhã.
--- Mas onde era esse cemitério? E você viu quando? – indagou dona Olga de modo surpreso.
--- Agora. Agorinha! Ela estava no cemitério. – respondeu Otilia a dona Olga e aos presentes.
--- Mas não pode ser uma coisa dessas! Você ter visto a alma de Racilva! – replicou a mulher.
Enquanto isso os homens, como Paredão, Pescador, Silas e a própria Vera acorreram para perto da garota Otília a indagar se a menina estava boa do juízo.
--- Vocês acham que eu estou doida, é? Não estou não! Ela apareceu totalmente viva. Lá no cemitério. – refutou a garota querendo sair da sala.
--- Mas me conte minha filha! Como você viu Racilva! – voltou a indagar o homem Paredão acercado por Silas, Pescador, Olga, Vera e as duas mulheres mães de Vera e Silas, só apelando para a oração do meio dia.
--- Eu vi, vendo. Não tem mais conversa. – respondeu a mocinha e saindo depressa do meio dos estranhos que procuravam agarrá-la.
E todos procuraram seguir a garota Otilia com perguntas a fazer. A garota se enfornou na cozinha e trancou a porta não deixando mais ninguém se aproximar. Apenas Vera Muniz teve acesso ao local por ter mais pressa em saber como a garota teve oportunidade de enxergar a sua amiga Racilva. A mãe de Ver ficou de fora da cozinha. A mãe de Silas se conteve em rezar. Os médiuns Paredão, Pescador e Olga apenas comentavam a aparição de Racilva sem de nada entender. Silas ficou na porta da cozinha a chamar a sua mulher para saber o que a moça havia dito quando entrou no compartimento. Enfim, era um tumulto estupendo que se formara com a declaração de Otilia de ter visto ao meio dia a figura de Racilva no interior de um cemitério. Ninguém punha dúvidas no que dissera a mocinha. Porém, o homem Paredão era o que mais se lastimava da tal situação.
--- Como é que pode? Como é que pode? – reclamava Paredão com seu jeito de um homem todo vestido de branco, altura de mais de um metro e noventa centímetros, pele clara, forte que nem um gigante.
--- Eu acredito na moça. – falou dona Olga ao rebater as suspeitas de Paredão.
--- Ao meio dia? E ela nem disse como viu? – reclamou perplexo o homem Paredão.
--- Sei não. Eu já vi tanta coisa ao meio dia e em pleno mar. – reclamou Pescador.
--- Bem. Dá-se o caso. – respondeu Paredão de boca aberta.
Na cozinha, Vera Muniz procurava acalmar a sua doméstica Otilia, apesar de estar sentindo fortes dores após ter feito o parto. E antes também. Ela apenas dizia a Otilia que tivesse calma e podia lhe dizer como vira a pessoa de Racilva em plena luz do dia em um cemitério.
--- Vou dizer a senhora porque é a senhora. Foi coisa muito rápida. Ela estava de cócoras ou abaixada diante de um túmulo, com a cabeça abaixada, toda vestida de negro. Parece que o mesmo vestido que ela usava na segunda feira. E só parecia rezar. Foi isso. Em um cemitério. – respondeu a doméstica Otilia.
--- Você tem certeza de que viu Racilva? – indagou Vera de forma acertada.
--- Tenho sim! Era ela! – respondeu enraivecida a adolescente ao ser indagado.
--- É bom você dizer ao médium Paredão. Não custa nada. Você tem um poder sobrenatural. Venha! Vamos até a sala! – pediu com calma a mulher Vera Muniz.
--- Tenho medo de ir. Pois lá fora só tem sabidão! – discorreu a adolescente Otilia.
--- Então deixa que eu diga. Você pode fiar na cozinha. – sorriu Vera para Otilia.
A adolescente se acocorou atrás da porta do armário e ficou a lamentar o que teve de ver àquela hora da tarde onde ninguém acreditava mais no que ela dissera, pôs os homens tinham estudos e a adolescente era uma simples menina da beira de praia. Uma vez de cócoras, Otilia pegou a chorar com temor do que podia lhe ocorrer pelas palavras ditas no meio do almoço aos homens resolutos. As conversas perduraram por várias horas com Silas conclamando para se fazer uma sessão espírita no seu apartamento ainda naquela tarde.
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