- Debora Falabella -
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A Polícia foi notificada por Silas Albuquerque sobre o desaparecimento do corpo de Racilva Pontes e enveredou investigações sobre o paradeiro do cadáver da bela jovem. Procurou-se a princípio no próprio Hospital e, a seguir no mesmo ritmo, a Faculdade de Medicina para onde eram encaminhados corpos de indigentes para estudos de alunos em início de aprendizado. Em nada resultou a investigação. Com a imprensa internacional em cima do caso, o Governo relatou que o desaparecimento de Racilva Ponte se tornava um mistério para o próprio poder. A imprensa procurou ouvir o Secretário de Saúde e obteve uma entrevista coletiva na quarta-feira onde a autoridade sanitária declarou que tal fato era surpreendente, pois jamais houve reclamação por parte de qualquer familiar de corpo de algum parente.
--- Mistério, senhores! Mistério! – declarou alarmado o Secretario de Saúde do Estado.
A imprensa procurou ouvir até mesmo o presidente do Centro Espírita Victor Hugo, um dos mais indicados centros locado em uma rua da cidade onde havia sessões às segundas e quartas feiras de todas as semanas. Como se tratava de um dia de quarta-feira, o médium relatou que naquele dia faria uma prece para o espírito de Racilva uma das mais valorosas mentoras do espiritismo naquela casa de doutrinação.
--- Onde ela estiver, dirá que está muito bem. – relatou o presidente “Paredão”!
Entrementes, no Hospital Pro Matre, Vera Muniz não tinha noticias desde a segunda feira de Racilva. Com o passar do tempo, na segunda-feira Vera ficou sabendo que a moça teria ido ao sepultamento do seu filho, uma criança natimorta, pois morrera dois dias antes de nascer, em uma sexta-feira. O pai preferiu dar um sepultamento digno ao filho e Racilva, Silas e mais algumas pessoas compareceram ao cemitério parque onde depositaram o filho de Silas. Vera ficou a lamentar o filho que perdera. E, no decorrer da tarde da segunda feira, Racilva não apareceu no Hospital Pró Matre. A mulher franziu a testa ao lembrar-se de tal ausência. Veio a terça-feira. Nesse dia, à tarde, Vera foi surpreendida pela noticia que Racilva havia morrido. O seu esposo, Silas, foi quem disse após conversar com os médicos do Hospital. A mulher, Vera Muniz, já estava sob efeitos de medicamentos, o que lhe coube suportar tamanha dor.
Na segunda-feira, ainda, Vera Muniz recebeu em seu quarto a visita dos amigos “Paredão” e uma senhora que fazia parte da mesa do Centro chamada pelo nome de Dona Olga. Foi apenas visita de cortesia, quando Paredão levou flores e Olga trazia uma porção de maçãs e peras. Eles duraram pouco tempo no Hospital. No quarto de Vera também estava à moça Otília que calada estava, calada ficou. Na terça-feira, pela manhã logo cedo, a mulher foi transferida de um apartamento para outro, sob a alegação de que o local era bem mais confortável. Esse apartamento ficava no terceiro andar. Não sabia Vera que isso foi por conta da possível morte de Racilva no dia anterior. Quando Silas Albuquerque contou a sua esposa sobre o desaparecimento do corpo de Racilva, a paciente já estava internada no novo apartamento, por questões de cuidados com setores da imprensa. E foi numa dessas raras ocasiões que Vera aludiu saber onde morava dona Nazinha, a mãe-de-leite de Racilva. A mulher disse isso apenas ao seu marido, Silas Albuquerque. E foi, por conseguinte que o homem chegou primeiro a casa de dona Nazinha a lhe contar sobre a internação de Racilva. A conversa foi mais ou menos desse estilo:
O carro parou na porta da casa de dona Nazinha com um homem franzino a saltar e se dirigir para chamar por palmas a dona do lugar. Ao bater palmas apareceu da sala uma menina seguida de uma mulher, talvez filha de dona Nazinha e com um menino a tiracolo. Silas de imediato perguntou pela dona da casa.
--- Quem é o senhor? – indagou com suspeita a mulher com um pé atrás.
--- Sou um amigo da filha de dona Nazinha. Ela está? – respondeu Silas sob a sombra de uma mangueira em uma casa um pouco recuada do trajeto d rua.
--- Como é seu nome, se faz bem dizer? – perguntou a mulher ainda assustada.
--- Meu nome é Silas. Sou casado com dona Vera. Vera Muniz. – sorriu o homem a comentar seu casamento.
--- Ah. Vera! Conheço muito! Vera! Como ela está? Ô mãe tem gente na porta! – chamou à mulher a idosa senhora para o interior da casa pouco acanhada, de duas águas, pouco baixa, do tipo de casa do interior do Estado.
Na sala havia um sofá de vime, duas cadeiras que faziam vez com o sofá, uma mesa de centro, dois tamboretes e um rádio além de uma televisão um pouco antiga feita à caixa em madeira ou coisa que o valha. Dois outros meninos apareceram ficando por trás da mulher. Um deles comia catota, pois vivia com o dedo enfiado no nariz. Com um pouco de lentidão, arqueada pelos anos, vestes compridas, calçando chinelas surgiu a patética figura de dona Nazinha a perguntar o que a filha – ou neta – queria.
--- O homem procura à senhora. Veja quem é! – vez ver a mãe dos meninos.
Silas Albuquerque sorriu para a anciã e foi logo a dizer sem entremeios.
--- Minha visita é rápida. Boa tarde. Eu sou Silas, marido de Vera Muniz. Eu vim informar a senhora que a sua filha teve que ser hospitalizada. Parece que ela torceu o calcanhar. Não é nada grave. – sorriu o homem querendo agüentar o choro que lhe rotava a alma.
--- AH. Ela torceu o pé? Que trelosa! E o senhor veio me avisar? Pois não. Sente nesse banco! – declarou a anciã.
--- Não é preciso. Eu tenho que sair. Vou comprar umas frutas para ela. – sorriu o homem a olhar a mulher com os seus filhos.
--- Mas sente. Me conte como ela está! – falou a anciã de forma baixa e com a mão na testa com certeza para enxergar melhor a cara de Silas.
--- Ela está bem. Mas não deve vir aqui. O problema do calcanhar. Assim penso. – sorriu o homem ao conversar com a anciã e a olhar a mulher com seu filho a tiracolo.
--- E como é que ela está? Ela trabalha muito! Nunca vi mulher para trabalhar tanto! – fez ver a anciã.
--- Ela está bem. Eu conheço Racilva desde menino quando a gente estudava no Grupo. – não mais sorriu o homem.
--- Ah é? Você é filho de quem? – indagou a mulher com sua voz enrouquecida.
--- Sou filho de dona Lindalva. Conhece? – indagou Silas sorrindo
--- Lindalva. Parece que sim. Eu peguei muito menino por essas redondezas. Vá ver que eu peguei o senhor. - sorriu caquética a anciã.
--- É possível. É possível. Mas o que a senhora me conta de Racilva quando era menina? – perguntou o homem.
--- Racilva? Racilva eu criei com muito cuidado. Eu sou a mãe-de-leite dela. A mãe de parto foi uma senhora distinta e que morreu antes de Racilva nascer. Uns dizem que Don’Ana não morreu. Outros dizem que morreu. Eu não sei. Só sei que criei Racilva com muito carinho e devoção. Ela, sempre ia à Missa. Fazia deveres em casa. Brincava. Tinha uns chiliques. Mas eram coisas passageiras. Racilva tinha o costume de ver a sua própria mãe. Sei não. Sei não. – completou o que tinha a dizer a anciã.
--- Ela conversava com a mãe dela? – perguntou surpreso Silas
--- Vamos sentar. Eu estou com as cambitas que não posso me sustentar. - falou a ancião se referindo as pernas. E soltou uma breve risada.
A mulher se arrumou em uma cadeira de palha de vime, tendo as costas recaídas para trás, e o homem entrou e sentou em outra cadeira de vime. Daí rumou a conversa para mais tempo sobre p que fazia ou não Racilva quando ainda era menina, provocando sorriso ao homem pelas situações criadas pela menina. Racilva tinha três irmãos. Um morreu logo cedo. Outro viajou para outra cidade e um morava com a sua mãe. A mulher era uma neta de da senhora Nazinha, logo o homem ficou, a saber. A mãe de Racilva era uma senhora de posses, pois se casara com um homem de posses de nome Paulo Pontes. O homem registrou Racilva como sua filha. Quando, tempos depois ele causou pela segunda vez com dona Maria Aparecida, a moça não quis acompanhá-lo ficando a morar com sua mãe de leite e um irmão. Os estudos, ela continuou a fazer se formando na Escola Normal, como professora, e depois fez novos estudos onde se saiu muito bem na questão de agencias de propaganda. Foi então que conseguira a pedido de sua amiga Vera uma colocação na Agencia Pomar. Então, depois de metódicas e longas conversas com a anciã foi que veio a oportunidade de Silas Albuquerque falar que a moça havia sumido do hospital e, por isso, ele estava na sua casa, talvez por entender que ela pudesse voltar para o aconchego do lar materno.
--- Mas o senhor não sabe se ela morreu? – indagou a neta da anciã de sobressalto.
--- Tenho a impressão que ela ainda vive. Pelo que ouvi dizer que Racilva sentia e eu acho que a moça está viva. Em algum lugar. Mas está viva. – respondeu o homem a chorar.
--- É por isso que ela freqüentou sempre as sessões espíritas no Centro. – salientou a mulher com o menino.
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