- Bella Torne -
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Naquele domingo Diomedes estava bastante feliz. A Construtora Câmara entregara-lhe a chave da nova casa construída no lugar do antigo mocambo onde a mãe Maria, sua irmã Luiza, os seus sobrinhos e sobrinhas e ele próprio passariam a residir de vez. Na verdade, a casa era um presente para a mãe de Diomedes, já bastante idosa. Cuidava da mãe a filha Luiza. Às vezes, uma sobrinha fazia o que a anciã pedia. A casa nova era um encanto. Sala de visitas com mesa, cadeiras, sofá e amplo mobiliário para as vistas que por acaso chegassem. Depois da sala, havia três quartos, todos bem arrumados; a sala de jantar tinha a sua mesa com cadeiras ao redor; após a sala de jantar havia o gabinete sanitário; e logo adiante, a cozinha. A casa tinha caixa d’água que armazenada a água para todos os serviços da habitação. Quintal amplo por trás da moradia. Na frente de tudo, o mar. Mar aberto para todo o pessoal da cidade que iam e vinha, aos domingos tomar banho. No restante da semana, a vida retornava a sua tranqüilidade. Em certas épocas do ano, quando era maré cheia, as moradias eram invadidas pelas águas do mar. Isso acontecia sempre no mês de janeiro. Mesmo assim, Diomedes já tomara precaução com as enchentes da maré. Ele mandara fazer um muro alto onde às ondas do mar não entravam na nova moradia.
Quando veio o domingo, o momento era de festa. Bastante alegre Diomedes recebera em sua nova casa os seus amigos, dentre os quais Silas Albuquerque e Vera Muniz que chegaram da capital com a doméstica Otilia sobrinha do velho Diomedes para a recepção a ser feita com a inauguração da nova habitação do homem. Estavam presentes membros da diretoria da Construtora e gente da Agencia Pomar. Carros e mais carros na praia. Tais veículos trouxeram para a habitação de Diomedes as pessoas que ele talvez tivesse convidado. O mar estava como suas águas que subiam as calçadas das moradias próximas. Porém ninguém ligava para tanto. O povo da praia também queria era festejar a casa de Diomedes e dona Maria, a sua mãe. Os embriagados do lugar nostálgico passavam por fora, alegres como sempre e estavam a festejar a nova casa com uma garrafa de cachaça na mão, como sempre faziam.
A festa de inauguração durou a tarde inteira, com muitas comidas e bebidas para todos os presentes. Apenas alguns não absorveram como a anciã Maria mãe, o presidente da Agencia Pomar Silas Albuquerque, a sua mulher Vera Muniz e o dono da casa, Diomedes. O mar era para se tirar a bebedeira do caminho e suas cabeças. Era tanto que muita gente aproveitou as ondas para tirar um pouco da ressaca de vinho, vermute, cerveja e demais bebidas. O ponto alto foi quando Diomedes puxou a anca para dançar de qualquer maneira. A anciã gargalhava como tal criança e o filho não fazia por menos:
--- É agora!!! – respondia Diomedes a gargalhar com sua mãe.
--- Meu filho, deixa disso. O pessoal repara! – respondia a anciã com muito medo do balanço.
--- Que reparem. Hoje a festa é da senhora. – sorriu e gargalhou Diomedes.
E os outros festeiros entraram também na dança ao som de uma sanfona puxada por o velho Damião e seguida por um pandeiro, um reco-reco, triângulo e zabumba. Era já a noitinha quando os visitantes tomaram o rumo da capital.
Ainda bem cedo, pela parte da manhã, Silas, sua mulher Vera e o dono da Construtora Câmara estiveram na construção da mansão que Silas encomendara há alguns meses para verificar o que tinha concluído por aqueles dias de verão. A construção já estava quase no seu final, com a falta de alguns reparos e instalação do mobiliário. Vera Muniz estava ainda no repouso, a tranqüilizar da operação dolorosa e incômoda a qual foi submetida para extrair o seu filho que não conseguiu sobreviver ao parto. Por isso mesmo, a mulher um pouco gorda por causa da sua alimentação, caminhava a passos lentos e cautelosos por onde transitava por entre pedras e areias da construção. E quase sempre a segurar no ombro do seu amado marido. De tudo ela olhava e dava um parecer. O engenheiro Câmara sorria, agradecia e sempre alegava que tal caso ainda seria terminado. A alegria ficava para o lado de fora da mansão. Os garotos faziam festa sem nada entender. E um vigia, com uma bengala de madeira à mão, sempre era aquele homem antipático e a todos o homem impunha respeito. Alegre e sempre solícito, Câmara procurava orientar o casal sobre o que estava por concluir para augusta serenidade de Silas. Em todos os recantos da mansão, o casal percorreu de palmo a palmo. Até mesmo as fruteiras no final do quintal – as que foram preservadas – eles olhavam e argumentavam:
--- O cajueiro! Que lindo! – argumentava Vera sorrindo para o seu marido.
--- Na certa nós teremos cajus em cada final de ano. – sorria Silas a procura de agradar a sua amada esposa.
--- E temos agora! – sorriu Câmara mostrando cajus pendentes nos galhos.
--- Verdade! Verdade! – respondeu Vera com olhos abertos ao ver os maravilhosos cajus.
Foi um passeio e tanto aquele que o casal promoveu à construção de sua mansão para a alegria impar do engenheiro Câmara, dono da construtora. E por ali o casal ficou por mais de meia hora, às vezes olhando o morro atrás da mansão e notadamente às vezes olhando a praia, àquela hora se enchendo de banhistas. Ao largo, do longe, as jangadas que voltavam a terra depois de uma noite de intensa pesca. Para os olhos alarmados de Silas as embarcações era o de melhor estima a qual se podia notar. Ele pensava um dia em ter de passear em sua jangada, olhando bem de perto o mar azul e vendo os homens maltrapilhos a atirar as redes e a puxar depois com a enxurrada de peixes. Para Silas, era algo de maior impressão o puxar das redes de pesca. Se fosse a beira-mar, aquilo era o arrastão, negocio com vários homens de um lado e de outra a rede a rebocar para a terra o cardume de peixe. Entre tanto, também vinha lagostas, arraias, cação, peixes miúdos e muito sargaço, aquela espécie de algas oceânicas que dava no fundo do mar. Era costume essas algas marinhas estarem grudadas em rochas à beira-mar. Os jangadeiros pouco sabiam ao seu respeito, a não ser que era sargaço mesmo. Às vezes, em determinadas épocas do ano, o sargaço devam abrigo a uma espécie de caravelas quando ainda vivas queimavam por todo o corpo de quem as entrassem em contatos diretos. O homem do mar chamava de caravelas, portanto.
Pouco tempo depois da festa de inauguração da casa de Diomedes, já fazia um mês que Vera Muniz fizera a extração do seu filho, natimorto, e já então podia trafegar em seu automóvel. Em uma manha calma, a mulher achou por bem levar alguma coisa a casa da mãe de Racilva e lhe perguntar sobre o paradeiro da filha, pois de alguma forma, Vera não se contentava com a morte a moça. Na primeira viagem que fez, Vera foi só, como era o seu costume. Chegando a casa, uma casa baixa e de duas águas, pequena por sinal onde morava dona Nazinha, com mais de 70 anos de idade, a mulher desceu do seu carro e perguntou a uma mulher que estava à porta se ali era onde morava a anciã. Com o sinal positivo, a moça procurou entrar na casa onde era mais ventilado, pois a mangueira da frente fazia sombras a todo instante. Na frente da casa havia um tronco que coqueiro que fazia de conta ser um assento para três ou quatro pessoas. A mulher ao entrar na casa, logo percebeu o tronco de coqueiro. A mulher que estava a frente da casa chamou de imediato a dona Nazinha, pois de algum modo ela já tivera visto Vera em algum lugar. Por isso, quando a mulher voltou à sala, foi logo a perguntar e Vera era a esposa de um rapaz que esteve à procura de Racilva há poucos dias. Vera respondeu que sim e então a conversa se animou a todo modo.
Com pouco tempo surgiu na sala, com seu cachimbo na boca e uma caixa de fósforos na mão, a dona Nazinha cumprimentando a Vera como se ela tivesse visto logo cedo da manhã. A mulher se abanou com uma velha revista posta em cima da cadeira dando a impressão de estar sentindo forte calor. A seguir, quando Nazinha se aproximou, Vera se levantou da cadeira onde estava, ajeitou a saia que havia se prendido nas nádegas e foi ao encontro de Nazinha. Cumprimento vai, cumprimento vem e então, sem mais nem menos, a jovem senhora foi logo a indagar sobre o paradeiro de Racilva, a menina que a anciã criara quando pegou o rebento da mulher. Por não resistir ao parto à mulher mãe de Racilva morreu quase no mesmo instante em que dera a luz a filha.
--- Minha filha. Não tive mais noticias da menina. Era tão boa para mim. Mas Deus quis assim o que se há de fazer. – lembrou a anciã com sua voz um pouco rouca.
--- Eu sei. Eu sei. Mas eu ainda fico a pensar que Racilva ainda esta viva. Sua conta, no banco, ninguém tirou nem um centavo. Não sei como é que está vivendo a pobre moça. Mas o seu lugar na agencia está reservado. Ela era a vice-presidente. E agora, com eu de resguardo, ela assumira o cargo de presidente. De um momento para outro, Racilva sumiu. – respondeu Vera.
--- É. Sumiu ao que parece para sempre. Eu mandei até a minha neta no apartamento dela, pois eu tenho uma chave do seu apartamento, para qualquer coisa como se deu mesmo, e a neta encontrou tudo arrumadinho de dá gosto. A menina trouxe alguns documentos e deixou o resto tudo arrumado. Eu penso que ela morreu. – chorou a anciã ao dizer tal fato.
--- É. Pode ser. Eu trouxe para a senhora uma cesta de alimentos. E umas roupinhas para as crianças. E para os adultos também, inclusive para a senhora. Deixa-me ir buscar os alimentos. – falou Vera Muniz se ajeitando, repuxando o vestido de seda que ficara preso outra vez nas suas benditas nádegas.
Por fim, com a ajuda de uns garotos da casa e da neta da anciã também, Vera pôs para fora toda a cesta de alimentos para a alegria de que já olhara bem perto o vira uns doces muito belos em um pote de vidro arredondado. Os meninos acharam graça com o que viram e descarregaram todos os pacotes além das roupas para crianças e adultos. No tempo de natal, aquele era um presente caído do céu. A carreira dos meninos para dentro de casa era sem sossego para o agrado de Vera Muniz vendo a crianças a correr e a sorrir. A anciã Nazinha se postou na porta da casa velha e disse a cada um dos garotos ao passarem por ela que tivessem modos.
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