- Kate Beckinsale -
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TORMENTA
Em Natal, seu Sisenando
conversava com o seu futuro genro, Eurípedes, sobre a precária situação do
Estado. O homem ouviu falar de ajudas do
Governo Federal para o pessoal pobre de vários municípios atingidos pelo
recente sismo. Uma questão era o número de gente morta em consequência do
tremor. Ainda não se dispunha de um total. Porém pelo que soube o velho
Sisenando, esse número devia ser muito maior do previsto. Até então já estavam
catalogados 110 mortos além de inúmeros feridos, alguns de caráter
irreversível.
Sisenando;
--- Fala-se em
mais de três mil feridos. – salientou o home com o rosto amargo.
Eurípedes:
--- É
necessária a ajuda contínua do Exercito e da FAB. Equipes de bombeiros e
máquinas para remover escombros. Muitas casas desabaram. Algumas estradas estão
interrompidas. O terremoto foi sentido a mais de 200 quilômetros da capital. –
relatou desenganado o médico.
Sisenando:
--- O difícil
são as réplicas. – ajuntou o velho.
Sisenando
continuou ler as notícias e a ouvir as transmissões de rádios de fora, como a
Radio Nacional onde sempre foi a primeira a dar cobertura aos acidentes
naturais. Mesmo assim, uma tormenta ocorrida em Natal pouco valia a
importância. Era o pensar de Sisenando. Quando a Cidade estava no topo do
mundo, isso era importante. Presidentes de Republicas, Imperadores, artistas de
cinema estrangeiro. A cidade era um fervilhar de emoções. Terminada a Guerra
tudo voltou à estaca “zero”. Ninguém falava mais em Natal. Um ou outro ainda
consumia bebidas no Grande Hotel ou frequentava o Aero Clube nos finais de
semana. Havia atração no novíssimo cine Rio Grande, casa de luxo da capital. Os
cartazes dos filmes eram postos nas paredes e de forma bastante ampla. Pessoal
fardado com roupa de esmero. Tudo era guarnecido pelas aparências vistosas. As
Cigarreiras costumavam cravar os jornais do Rio de Janeiro, a capital do País.
Na Avenida Rio Branco apenas os ricos residiam. Mas havia o Mercado Público
onde os pobres transitavam. Na verdade, o Mercado foi construído no século XIX
no local onde havia um matadouro e uma feira para vender peixe fresco. O
pessoal costumava frequentar o Mercado para saber das últimas notícias antes
mesmo de se divulgar pelo sistema de alto falantes da Agencia Pernambucana.
Nesse meio
tempo chegou à sala junto ao piano com o seu filho no colo a virgem Nara já
refeita do incomodo passado em dias da semana. Ela colocava leite n boca da
criança por uma mamadeira enquanto ouvia a palestra dos dois senhores. Por
algum tempo, o rapaz continuou a conversa e ainda teve o ensejo de chamar Nara
para o seu lado, pois teria conversa de interesse a todos os de casa. A virgem
não se importou e foi até onde estava Eurípedes. Dai então, o rapaz mudou de
conversa. E se dirigindo a Sisenando indagou:
Eurípedes:
--- Mas me
diga simplesmente: o senhor conseguiu uma doméstica? – indagou
Sisenando:
--- Quem pode
saber é Ceci. Ela se ocupou do caso. – respondeu
Euripedes
observou bem para Nara para ver se ela sabia de algo. Em seguida a moça falou:
Nara:
--- Acho que
não. Por que a pergunta? – quis saber a moça.
O rapaz coçou
a testa antes de começar a história. E assim fez:
Eurípedes:
--- A questão
é: Está lá em casa uma moça – ainda de menor – mas sabedora de cuidar de uma
casa. E é capaz de se ajeitar com criança. Eu fiquei a imaginar: Você não teria
a vontade de ver se a menina se dá bem com esta casa? – indagou e olhou um e
outro.
Pai e filha
ficaram sem saber o que falar. Era sabido do desemprego na cidade por conta do
terremoto havido nos recentes dias. E Nara buscou sua mãe Ceci alguma resposta.
Contudo, dona Ceci estava na Catedral. E Nara então falou:
Nara:
--- Tem que
dar a resposta agora? – perguntou a moça com cara de antigamente.
Eurípedes:
--- Não. Coisa
alguma. Eu pensei apenas. – sorriu o rapaz.
Sisenando:
--- Quem é
essa menina? – indagou cismado.
Euripedes:
--- Bem! Ela é
do mato. Já esteve a morar conosco. E vive na casa grande do meu pai, no
interior. Às vezes vem para Natal. Passa uns tempos e retorna à fazenda. Agora
está havendo uma seca de morte. E a garota correu para a Capital. Não sei se
fica ou se retorna. Enquanto isso, Margarida – é o seu nome – passa o tempo na
janela. – gargalhou o médico.
Nara:
--- Janela? –
estranhou a moça.
Euripedes:
--- Sim. É o
modo de falar. – e ainda gargalhou.
Nara:
--- Você! –
disse a moça com o rosto de quem não gostou da alusão.
Sisenando:
--- É piada do
rapaz! - - gargalhou também o velho.
Eurípedes:
--- Ela sabe.
Eu não aguento! – gargalhou demais o rapaz
E o médico
gargalhou por demais apenas pela estranheza de Nara ao ver o rapaz aludir algo
como “na janela” o que para a moça era só um atrevimento. Nesse ponto, Nara se
acercou do rapaz e deu com as ancas para fazer o moço abrir um pouco o sofá.
Ele gargalhava e a moça a dizer:
Nara:
--- Nem acho
graça! –e fez um thunc com a boca.
Sisenando:
--- Minha
filha deixa o seu noivo sorrir. Ele está apenas a gracejar. – e gargalhou o
velho.
Nara:
--- Você dois?
Não tem um que preste! – reclamou a moça fazendo cara amuada.
E o menino
Neto começou a achar graça por ver a mãe com a cara feia. E nem era isso, por
certo. E o pai a gargalhar apontando com o dedo para o garoto traquino
gargalhando como um bebê e a sacudir suas pernas.
Sisenando:
--- Até o
menino! – gargalhou o velho.
E Nara se
levantou o sofá dizendo ter de sair daquele bloco de “monstrinhos”.
Nara:
--- Vou logo
sair. Não aguento esse bloco de monstrinhos. – e saiu da sala cuspindo brasas.
O pai chamou a
moça de volta e ela não quis conversa e se meteu na sala da cozinha onde o
tempo parecia não passar. O velho Sisenando, com o tempo, continuou a conversa
com o seu futuro genro sobre Margarida, estradas e afins. Nesse tempo Eurípedes
falou de estradas ruins para se chegar à fazenda. Por causa do tremor, houve
estragos e o transito se fazia de modo precário pela própria estrada de Santa
Cruz onde se registrou acidente com mais de trinta mortes.
Eurípedes:
--- É um
estrago total. O caminhar pelas rodovias não pode ser tranquilo, pois os
estragos são por demais. O velho meu pai apenas segue seu destino. Por outras
regiões é uma tormenta. Eu mesmo não
sei. – declarou o medico com o pensamento desiludido.
Sisenando;
--- Não tem
nem cemitérios. Como se faz? – perguntou o futuro sogro.
Eurípedes:
--- Valas.
Apenas valas. Joga-se o morto em valas. – respondeu quase a chorar.
Sisenando:
--- E depois?
– indagou perplexo o homem.
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