terça-feira, 7 de maio de 2013

"NARA" - 49 -

- Kate Holmes -
- 49 -
REFORÇO
As Forças Armadas do Exército em comum acordo com a Polícia do Estado, Polícia Rodoviária e Prefeituras de cidades do interior entraram em serviço desde o primeiro estrago havido com o tremor de terra. E nesse último, o negócio foi ainda mais grave. O Batalhão de Engenharia estava empenhado na remoção de estragos nas rodovias federais e a Polícia do Estado foi incumbida de revolver os escombros de moradias. As Prefeituras ficaram responsáveis de conseguir locais para cavar as covas onde se sepultavam dezenas de corpos de pessoas. A Prefeitura de Santa Cruz nada pode fazer uma vez ter os servidores se ocupado em abrir as próprias valas para sepultar os mortos no acidente com um ônibus. Outros mortos foram levados para as valas comuns vistos não haver servidores disponíveis. O Batalhão de Engenharia se ocupou em refazer a estrada onde ocorreu a tragédia. Nos municípios afetados, todos eles se compadeciam do sofrimento do povo onda o drama foi sentido. Helicópteros da Base Aérea circulavam pelo Céu a verificar a situação caótica em cada município.  Por terra ouvia-se o roncar dos motores dos caminhões guinchos a cuidar de abrir caminho pelo meio do sertão onde se podia chegar por estradas até então inexistentes. Caminhões, tratores, escavadeiras e demais máquinas a abrir com rigor estradas onde se pudesse cruzar com maior frequência de um município a outro. Era um mutirão dia e noite. Candeeiros, luzes geradas por motores, soldados armados até os dentes. Parecia a II Guerra Mundial. Todos os que se apresentavam eram treinados de imediato e logo arranchados. Havia casos de jovens ser recrutados a força. Muitas vezes eram rapazes de menor idade. Na verdade era uma Guerra Surda onde à força era a razão. E se divisava militares a pé ou em jeep, carros, caminhões e até em ambulância. Por conta do terreno pegajoso os carros não trafegavam em correria. Havia carros atolados por entre restingas e matagais. Uns caminhões de reboque puxando outros. Carros quebrados por uma razão qualquer. E soldados sem patente a empurrar para sair o caminhão do atoleiro. 
Era essa sina dia e noite dos reservistas sem graduação do Batalhão de Engenharia ou mesmo de outros meios do Exército ou até da Aeronáutica.  Sacrifício tirano os dos militares. Se fosse para cavar tumbas, eram os pobres das Prefeituras ou arranjados por elas. O que se prestava atenção eram os carregadores com os cadáveres das costas para sacudir em uma vala aberta não fazia tanto tempo. Um, dois, três e mais “catingosos” a arrastar pelo mato ou pela rua os corpos já putrefatos dos indigentes sem nome. Uma caçamba era posta a disposição para por cal em cima dos cadáveres. Dia e noite. Noite e dia. Era essa a constante. A “boia” era servida sempre fria e azeda. E nem todos tinham o direito de receber. Quando não muito, uma coivara era acesa ao longe da estrada aberta. Eram corpos insepultos já em estado de não poder se levar até as valas. Queimava-se tudo a um só tempo. Muitos dos quais sem roupas. E de tão magros já nem era fétidos. Esse caso nunca se revelou ao grande mundo. Havia sepultamentos do interior dos chapadões onde, em tempo de chuva, corria um rio entre duas serras. Em todos os enclaves se fazia de sepultura. Esses eram as avocadas sepulturas dos desterros ou puramente desterro.
Capitão:
--- Esses levem para o “desterro”. – era a ordem obedecida.
O barulho dos motores dos aviões era um incômodo terrível para os matutos. Alguns vaqueiros pensavam serem aviões a cair naquele instante. Os monstros do espaço passavam baixos a descarregar víveres bem mais para os militares e após o desembarque com as caixas descendo de paraquedas os assombrosos do ar voavam para o alto então. E se ouvia a meninada correr amedrontada para se encobrir em baixo da camarinha ou por baixo da mesa de refeição na esperança de que tudo passasse logo e a tranquilidade voltasse. Eles gritavam enfim;
Meninos:
--- O monstro! O monstro! Corram! – falavam assombrados os pequenos de uns para outros.
E nesse momento, um touro bravo de máscara de lata na face corria do matagal vindo do fim da terra aterrorizado com a zoada provocada pelas aeronaves Douglas. Quem ainda estava fora de casa correu para dentro alarmada e sem sossego.
Mulher:
--- Touro doido! Touro doido! Touro doido! – gritava assombrada a mulher.
Outra que vinha de dentro da casa, ainda perguntou:
Segunda:
--- É o touro barbatão? – falava a mulher com os olhos esbugalhados.
Primeira:
--- É ele. Chega enlouquecido. – dizia a primeira procurando um canto para se esconder.
Segunda:
--- Nossa! É o barbatão! Vou me esconder depressa! – e se enfiava em baixo da camarinha onde estavam apavorados os meninos com a zoada dos Douglas.
Logo atrás, três cavaleiros seguiam com a maior gana o touro brabo. Os seus cavalos já sabiam a quem os vaqueiros perseguiam e não faziam por menos. À galope, os cavalos tentavam cercar o bruto animal. Esse, por sua vez, pinoteava para um lado e outro, a derrubar cercados de arames farpados e troncos de aroeiras, mugindo feito um louco a confundir seus berros com o zunir dos aviões de carga. Louco ele estava em tal situação desesperada. Bufos soltavam pelas narinas aos mugidos estonteantes. Os moradores da fazenda se escondiam depressa no interior de seus casebres a temer o bruto enlouquecido. Os vaqueiros tentavam cercar o barbatão sem jeito algum. De momento, o touro se enraiveceu e avançou contra os vaqueiros. Esses, temerosos, se protegiam como puderam. As suas montarias relinchavam como cavalos enlouquecidos. Os vaqueiros, temerosos sentiam pavor do poderoso e valente touro. Na luta desenfreada a quase morte de alguém ou de algum cavalo, ouviu-se um disparo de arma de fogo. Assustados os vaqueiros procuraram ver quem dera o disparo. Uma mulher por trás de um pé de algaroba se escondia com temor de ter feito uma arte estranha. Mesmo assim, os vaqueiros viram a mulher com sua arma fumegante. O bruto animal caiu ao solo naquele instante soltando um brado de um louco ao terminar a queda. Ele fora atingido bem no seu peito e no momento em que avançava para agredir um dos vaqueiros. O disparo lhe varou o coração pondo por terra o bugre selvagem. Foi um momento assustador por todos os vaqueiros. Ao relincho dos cavalos os vaqueiros se aproximaram do estólido quando o animal soltava seus últimos suspiros da morte. A mulher correu do seu canto para a sua tapera com pavor do acontecido. A morte do touro barbatão aquietou os vaqueiros. Em deles falou:
Vaqueiro:
--- Tá morto! Morto mesmo! Que tiro! – disse assustado o vaqueiro.
Os demais se aproximaram do animal ainda a se debater em umas de suas pernas para se certificar do morticínio do bruto. Um dos vaqueiros tirou o chapéu de sua cabeça e olhando depressa viu a mulher a entrar em sua tapera com a arma na mão. Alarmado ele falou:
Vaqueiro 2
--- Foi a mulher? – indagou perplexo.
E de momento a momento os moradores da fazenda vieram se acercar para ver de perto o touro barbatão já sem vida. Até mesmo a mulher que se escondeu debaixo da camarinha veio devagar olhar a ferra morta. Gente de toda a fazenda ficou alí, em pé, enquanto um homem que fazia a vez de açougueiro retirando as tripas do touro e entre as partes gordas, como as de primeira qualidade. A meninada acolhia tudo que recebia e saía contente para a sua tapera. O passar de uma hora e estava tudo concluído. Restava apenas a carcaça do touro valente e hediondo. Tudo o mais acabara naquele local. As partes de primeira foram levadas para a casa grande onde serviria de comida para o homem da fazenda. Mesmo ele não estando em casa. Quando voltasse provavelmente.
Uma semana e o tempo mudou. Veio a chuva. Muita água. Uma enormidade. Rios correndo e cachoeira então zoando. Terra molhada, mato verde. Açudes a sangrar. Era muita chuva onde o povo se ressentia de ter feito uma procissão das latas a suplicar por chuva. Mesmo assim, havia alegria entre todos. E mais alegre a natureza. Na Fazenda Boqueirão o açude do velho Amaro transbordou de vez. O riacho tomou água e alargou a Lagoa dos Burros formando o Riacho “Dois” um rio caudaloso. Não havia mais barulho de avião no campo. O camponês começava o plantio de suas roças. Tudo era alegria. Pontes e estradas favoreciam a passagem de transportes indo ou vindo. Seu Amaro era de um só sorriso alegando ser o tempo de recomeço. Mais trabalhos ao agricultor desempregado. O gado comprado era chegando e deixando no prado.
Amaro:
--- É assim. Chove e pára. E então tudo recomeça. Nessa terra ninguém morre de sede ou fome por longos tempos. – disse o homem a colocar suas mãos no suspensório.
Vaqueiro:
--- Gado magro agora vai ser gordo. – sorriu um vaqueiro.
Amaro:
--- Veja o céu como está lindo. Chuva muita. É água a transbordar no açude. O rio que nasce na serra veio em turbilhão. Deus é bendito. – formulou o velho.
E haja chuva com trovão e relâmpago. Nunca se viu coisa igual. Era muita teima entre os vivos a acudir grande parte de cercado a plantar para depois colher. O início do período de chuvas trouxe esperança para o sertanejo. Uma semana e as aguas encheram todos os reservatórios da Fazenda Boqueirão e demais fazendas do agreste e do sertão, pois chovia em todos os locais mais sofridos pela estiagem. De Açu, a noticia do transbordamento do rio e de uma mulher ter dado à luz a um filho no meio do rio sobre um camiseiro ou coisa assim. Notícia da barragem de Acarí onde a chuva fez transbordar o açude Gargalheiras ainda em construção desde 1909. Transbordamento da barragem de Caicó. Notícias desencontradas sobre as barragens maiores do Estado. Mesmo assim, o velho Amaro sorria presunçoso não esperança de melhores dias.
 

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