- Kate Holmes -
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REFORÇO
As Forças
Armadas do Exército em comum acordo com a Polícia do Estado, Polícia Rodoviária
e Prefeituras de cidades do interior entraram em serviço desde o primeiro
estrago havido com o tremor de terra. E nesse último, o negócio foi ainda mais
grave. O Batalhão de Engenharia estava empenhado na remoção de estragos nas
rodovias federais e a Polícia do Estado foi incumbida de revolver os escombros
de moradias. As Prefeituras ficaram responsáveis de conseguir locais para cavar
as covas onde se sepultavam dezenas de corpos de pessoas. A Prefeitura de Santa
Cruz nada pode fazer uma vez ter os servidores se ocupado em abrir as próprias
valas para sepultar os mortos no acidente com um ônibus. Outros mortos foram
levados para as valas comuns vistos não haver servidores disponíveis. O
Batalhão de Engenharia se ocupou em refazer a estrada onde ocorreu a tragédia.
Nos municípios afetados, todos eles se compadeciam do sofrimento do povo onda o
drama foi sentido. Helicópteros da Base Aérea circulavam pelo Céu a verificar a
situação caótica em cada município. Por
terra ouvia-se o roncar dos motores dos caminhões guinchos a cuidar de abrir
caminho pelo meio do sertão onde se podia chegar por estradas até então
inexistentes. Caminhões, tratores, escavadeiras e demais máquinas a abrir com
rigor estradas onde se pudesse cruzar com maior frequência de um município a
outro. Era um mutirão dia e noite. Candeeiros, luzes geradas por motores,
soldados armados até os dentes. Parecia a II Guerra Mundial. Todos os que se
apresentavam eram treinados de imediato e logo arranchados. Havia casos de
jovens ser recrutados a força. Muitas vezes eram rapazes de menor idade. Na
verdade era uma Guerra Surda onde à força era a razão. E se divisava militares
a pé ou em jeep, carros, caminhões e até em ambulância. Por conta do terreno
pegajoso os carros não trafegavam em correria. Havia carros atolados por entre
restingas e matagais. Uns caminhões de reboque puxando outros. Carros quebrados
por uma razão qualquer. E soldados sem patente a empurrar para sair o caminhão do
atoleiro.
Era essa sina
dia e noite dos reservistas sem graduação do Batalhão de Engenharia ou mesmo de
outros meios do Exército ou até da Aeronáutica.
Sacrifício tirano os dos militares. Se fosse para cavar tumbas, eram os
pobres das Prefeituras ou arranjados por elas. O que se prestava atenção eram
os carregadores com os cadáveres das costas para sacudir em uma vala aberta não
fazia tanto tempo. Um, dois, três e mais “catingosos” a arrastar pelo mato ou
pela rua os corpos já putrefatos dos indigentes sem nome. Uma caçamba era posta
a disposição para por cal em cima dos cadáveres. Dia e noite. Noite e dia. Era
essa a constante. A “boia” era servida sempre fria e azeda. E nem todos tinham
o direito de receber. Quando não muito, uma coivara era acesa ao longe da
estrada aberta. Eram corpos insepultos já em estado de não poder se levar até
as valas. Queimava-se tudo a um só tempo. Muitos dos quais sem roupas. E de tão
magros já nem era fétidos. Esse caso nunca se revelou ao grande mundo. Havia
sepultamentos do interior dos chapadões onde, em tempo de chuva, corria um rio
entre duas serras. Em todos os enclaves se fazia de sepultura. Esses eram as
avocadas sepulturas dos desterros ou puramente desterro.
Capitão:
--- Esses
levem para o “desterro”. – era a ordem obedecida.
O barulho dos
motores dos aviões era um incômodo terrível para os matutos. Alguns vaqueiros
pensavam serem aviões a cair naquele instante. Os monstros do espaço passavam baixos
a descarregar víveres bem mais para os militares e após o desembarque com as
caixas descendo de paraquedas os assombrosos do ar voavam para o alto então. E
se ouvia a meninada correr amedrontada para se encobrir em baixo da camarinha
ou por baixo da mesa de refeição na esperança de que tudo passasse logo e a
tranquilidade voltasse. Eles gritavam enfim;
Meninos:
--- O monstro!
O monstro! Corram! – falavam assombrados os pequenos de uns para outros.
E nesse
momento, um touro bravo de máscara de lata na face corria do matagal vindo do
fim da terra aterrorizado com a zoada provocada pelas aeronaves Douglas. Quem
ainda estava fora de casa correu para dentro alarmada e sem sossego.
Mulher:
--- Touro
doido! Touro doido! Touro doido! – gritava assombrada a mulher.
Outra que
vinha de dentro da casa, ainda perguntou:
Segunda:
--- É o touro
barbatão? – falava a mulher com os olhos esbugalhados.
Primeira:
--- É ele.
Chega enlouquecido. – dizia a primeira procurando um canto para se esconder.
Segunda:
--- Nossa! É o
barbatão! Vou me esconder depressa! – e se enfiava em baixo da camarinha onde
estavam apavorados os meninos com a zoada dos Douglas.
Logo atrás,
três cavaleiros seguiam com a maior gana o touro brabo. Os seus cavalos já
sabiam a quem os vaqueiros perseguiam e não faziam por menos. À galope, os
cavalos tentavam cercar o bruto animal. Esse, por sua vez, pinoteava para um
lado e outro, a derrubar cercados de arames farpados e troncos de aroeiras,
mugindo feito um louco a confundir seus berros com o zunir dos aviões de carga.
Louco ele estava em tal situação desesperada. Bufos soltavam pelas narinas aos
mugidos estonteantes. Os moradores da fazenda se escondiam depressa no interior
de seus casebres a temer o bruto enlouquecido. Os vaqueiros tentavam cercar o
barbatão sem jeito algum. De momento, o touro se enraiveceu e avançou contra os
vaqueiros. Esses, temerosos, se protegiam como puderam. As suas montarias
relinchavam como cavalos enlouquecidos. Os vaqueiros, temerosos sentiam pavor
do poderoso e valente touro. Na luta desenfreada a quase morte de alguém ou de
algum cavalo, ouviu-se um disparo de arma de fogo. Assustados os vaqueiros
procuraram ver quem dera o disparo. Uma mulher por trás de um pé de algaroba se
escondia com temor de ter feito uma arte estranha. Mesmo assim, os vaqueiros
viram a mulher com sua arma fumegante. O bruto animal caiu ao solo naquele
instante soltando um brado de um louco ao terminar a queda. Ele fora atingido
bem no seu peito e no momento em que avançava para agredir um dos vaqueiros. O
disparo lhe varou o coração pondo por terra o bugre selvagem. Foi um momento
assustador por todos os vaqueiros. Ao relincho dos cavalos os vaqueiros se
aproximaram do estólido quando o animal soltava seus últimos suspiros da morte.
A mulher correu do seu canto para a sua tapera com pavor do acontecido. A morte
do touro barbatão aquietou os vaqueiros. Em deles falou:
Vaqueiro:
--- Tá morto!
Morto mesmo! Que tiro! – disse assustado o vaqueiro.
Os demais se
aproximaram do animal ainda a se debater em umas de suas pernas para se
certificar do morticínio do bruto. Um dos vaqueiros tirou o chapéu de sua
cabeça e olhando depressa viu a mulher a entrar em sua tapera com a arma na mão.
Alarmado ele falou:
Vaqueiro 2
--- Foi a
mulher? – indagou perplexo.
E de momento a
momento os moradores da fazenda vieram se acercar para ver de perto o touro
barbatão já sem vida. Até mesmo a mulher que se escondeu debaixo da camarinha
veio devagar olhar a ferra morta. Gente de toda a fazenda ficou alí, em pé,
enquanto um homem que fazia a vez de açougueiro retirando as tripas do touro e
entre as partes gordas, como as de primeira qualidade. A meninada acolhia tudo
que recebia e saía contente para a sua tapera. O passar de uma hora e estava
tudo concluído. Restava apenas a carcaça do touro valente e hediondo. Tudo o
mais acabara naquele local. As partes de primeira foram levadas para a casa
grande onde serviria de comida para o homem da fazenda. Mesmo ele não estando
em casa. Quando voltasse provavelmente.
Uma semana e o
tempo mudou. Veio a chuva. Muita água. Uma enormidade. Rios correndo e
cachoeira então zoando. Terra molhada, mato verde. Açudes a sangrar. Era muita
chuva onde o povo se ressentia de ter feito uma procissão das latas a suplicar
por chuva. Mesmo assim, havia alegria entre todos. E mais alegre a natureza. Na
Fazenda Boqueirão o açude do velho Amaro transbordou de vez. O riacho tomou
água e alargou a Lagoa dos Burros formando o Riacho “Dois” um rio caudaloso. Não
havia mais barulho de avião no campo. O camponês começava o plantio de suas
roças. Tudo era alegria. Pontes e estradas favoreciam a passagem de transportes
indo ou vindo. Seu Amaro era de um só sorriso alegando ser o tempo de recomeço.
Mais trabalhos ao agricultor desempregado. O gado comprado era chegando e
deixando no prado.
Amaro:
--- É assim.
Chove e pára. E então tudo recomeça. Nessa terra ninguém morre de sede ou fome
por longos tempos. – disse o homem a colocar suas mãos no suspensório.
Vaqueiro:
--- Gado magro
agora vai ser gordo. – sorriu um vaqueiro.
Amaro:
--- Veja o céu
como está lindo. Chuva muita. É água a transbordar no açude. O rio que nasce na
serra veio em turbilhão. Deus é bendito. – formulou o velho.
E haja chuva com
trovão e relâmpago. Nunca se viu coisa igual. Era muita teima entre os vivos a
acudir grande parte de cercado a plantar para depois colher. O início do
período de chuvas trouxe esperança para o sertanejo. Uma semana e as aguas
encheram todos os reservatórios da Fazenda Boqueirão e demais fazendas do
agreste e do sertão, pois chovia em todos os locais mais sofridos pela
estiagem. De Açu, a noticia do transbordamento do rio e de uma mulher ter dado
à luz a um filho no meio do rio sobre um camiseiro ou coisa assim. Notícia da
barragem de Acarí onde a chuva fez transbordar o açude Gargalheiras ainda em
construção desde 1909. Transbordamento da barragem de Caicó. Notícias
desencontradas sobre as barragens maiores do Estado. Mesmo assim, o velho Amaro
sorria presunçoso não esperança de melhores dias.
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