quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O SENHOR DE LUTO - Capítulo Quarenta e Um -

- COPACABANA -
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Três meses, seis dias, cinco horas. Tudo pronto. A partida para o Rio de Janeiro, capital. Nair estava alegre, vibrante, extasiada da vida. Nunca viajara por avião, algo desconhecido de perto. Naquela manhã estival o delírio cativou a ninfa. Cinema, teatro, restaurantes de prima ordem, bares chiques da cidade, boates e clubes sociais ela então já conhecia muito bem. Sabia dirigir automóveis e, por fim, sabia falar francês a qualquer custo e de qualquer preço.

Nair:

--- bonjour, bonsoir, comment allez-vous, rien, mon ami, quelle heure. Je vais au bar. Combien coûte ce diamant? Je vous remercie. Non pas parce qu'il est! Il suffit de demander!

Era tudo ou mais a necessitar ao chegar à eterna e cativante Cidade Luz. A capital dos sonhos dourados, das mulheres elegantes, dos passeios públicos, das feiras livres, de Notre Dame, Torre Eiffel, bolevar Capucins, do rio Sena, dos cafés, do Museu de Louvre, do Champs-Élysées, do Arco do Triunfo, do Bateau-mouche, do Panteão, do Museu de Orsay, do Grand Palais, do Jardim de Luxemburgo, do Olympia, da Praça da Concordia, dos Jardins, do Palácio Royal, do Palácio Eliseu, do Teatro de Châtelet. Enfim! Do mundo ocidental aos seus belos e saltitantes pés. Carros brilhantes, pontes maviosas, barcos a singrar, gente na rua a dançar, cantar, falar, gritar da mais pura alegria do sonhar.

O avião pousou no aeroporto do Rio a pouco menos do meio dia. Fazia sol na cidade, entre os demais passageiros estavam Nair, Lenira, Edgar, o noivo, e por fim, o comandante Ricardo França o pai de Lenira. O comandante solicitou alguns dias de licença para poder seguir com o seu cunhado, Edgar, até Paris. Antes, porém, a turma ficaria em hotel de luxo, em Copacabana. Nesse período, Nair estava admirada pela beleza do Rio antigo e moderno. A sua indescritível ou bem inquieta movimentação desde o aeroporto até a praia onde ficaria hospedada. Por um largo tempo de andanças ao ar, ao mar, ao já, Lenira caminhou pelas calçadas da Praia do Flamengo até entrar no magistral ornado edifício onde ficava o Hotel Copacabana Palace aonde podiam se hospedar figuras importantes de todo o mundo, dentre os quais, André Maurois, Nelson Rockfeller, John Wayne, Errol Flynn e tantos outros homens de negócios e das artes cênicas, pintura, escultura entre os maiores expoentes da construção civil. Copacabana era o imperioso Hotel de inebriante requinte. Presidentes, autoridades, atores, cantores, estilistas entre Condes, Lordes, Príncipes, compositores clássicos dentre os quais se hospedavam no soberbo local. E era de se admirar um Hotel para magnatas, Reis, Rainhas, cantores de óperas e mesmo atores do quilate de Henry Fonda e Douglas Fairbank, maestros como Arturo Toscanini, escritores como Stefan Zweig e Arquiduques como Felipe da Áustria. No Rio de antigas e inquietas tradições onde se podia antever o irrepreensível futuro para a inquieta núbia.

Nair;

--- É luxo! –  comentava com ânsia.

Era um verdadeiro palácio branco de cristal a descortinar o mar, o ar, gaivota a chilrar, barulhar instalados na Avenida Atlântica, onde as maiores e melhores estonteantes belezas transitavam a todo instante na rua além dos morros dos ventos uivantes. O Golden Roon fazia história na música. Golden Roon era A Cúpula de Ouro daquela soberba metrópole e foi à primeira casa de espetáculos da América Latina. No local se apresentavam vozes que marcaram o século. Pela Cúpula se expressaram nomes os mais famosos entre todos os outros tais como Maurice Chevalier, Ray Charles, Edith Piaf, Nat King Cole entre outros enfim. Afinal, o belo magistral e ostentoso Hotel Copacabana Palace tornou-se patrimônio histórico do Rio. Do Rio antigo de doces afetos e enlevos incertos. No eterno Rio era o céu, o mar, o saltar dessa gente feliz. O Rio de amores mil, altaneiros senhores, de instantes ao luar. O afável Rio era o modelo do cantar. Consciente ou não, em seus trajes joviais a ninfa a delirar por quanto desses encantos.

Lenira:

--- Rio das eternas primaveras! – gritava em instantes de braços em cruz a doce e frágil mulher.

No saguão, estavam os ilustres homens a negociar os seus aposentos. Em traje de Comandante o qual não prestava tanto aos ilustres homens do Hotel estava enfim o senhor Ricardo França a indagar das atrações das futuras noitadas no soberbo palácio. E as ninfas podiam admirar a art déco de vertentes à escadaria central em mármore encimada por um painel luxuriante com figuras ostensivamente estilizadas da música e da dança. Pilares de entrada, detalhes em ouro, luminárias e até o inconfundível letreiro externo. Era o decisivo marco referencial na cultura. Inaugurado em 1923, esse impressionante prédio com sua imponente fachada era o hotel de luxo mais tradicional do Rio. O inimaginável projeto arquitetônico do francês Joseph Gire foi inspirado nos empreendimentos hoteleiros da Riviera Francesa. Ao seu exterior foi-lhe conferido um aspecto exterior eclético, com linguagem estilística inspirada na arquitetura sentenciaste da França. Do seu interior se podia contemplar a Avenida Atlântica aberta ao oceano. A sala de música ostentava um piano ocupando um local à diversão de visitantes ilustres entre reis, artistas, chefes de Estado e celebridades mundiais. O portal do irresistível e imodesto império ostentava árvores frondosas do Brasil colonial, como oitizeiros, amendoeiras e algodoeiros, modelos típicos do País. O hall do hotel era em mármore magnífico e lustroso, desenhado em cor sombria e amena. Fundamental para o lançamento de muitos talentos da dramaturgia, o Teatro Copacabana tinha em suas dependências instalado o Cassino. Ao se entrar pelo principal portal notava-se luxuriante iluminação em derradeiro estilo. Havia ainda trabalhos expostos em bolsas, colares, brincos, anéis, pingentes de prata, braceletes e pulseiras. A riqueza e diversidade das peças agradavam sobremaneira aos enigmáticos turistas,

Nair:

--- É arte que consegue reunir elegância – recitou a donzela

Organização de joias ornava o Palácio das Ilusões quiméricas. Um estilo de vida. A arquitetura eclética dava ao recinto a maior quimera de enfeites. Um dos principais estilos da época na augusta e preciosa arte. As estátuas em bronze marcavam o notável ambiente. Refinados salões mostravam a história do hotel mais luxuoso da Capital da República. O sistema de iluminação permitia a sua enorme fachada um leve e brilhante sobressalto mais tanto à noite quanto à luz do dia. O espaço aberto das piscinas era das maiores e mais ostensivas no então Novo Rio. O interior remetia aos maiores templos de glória. O Palace era hotel igual aos de Paris, Florença e então Veneza. A formosura esplendorosa em noite sem e com luar. Nada além faltava na resplandecência daquele santuário. Lampejo eternal das luminárias enfim a gotejar de certo encantos visuais no enternecer das estonteantes quimeras. Cintilação alucinante do  azul do céu a penetrar tranquilo por entre ricas cobertas embranquecidas à luz tênue do abajur lilás. Era o temor, terror, ardor, andar, andor, a dor dos mil e um sonhos atroz. Claros e brancos tapetes permitiam se ouvir silêncio no branquear da vetusta escrivaninha em jacarandá macio.

Batuque! Começa com essa cara que só tara encara! “Pisar no Chão Devagar”! As Ilíadas, fato falado, cantadas nos aedos das epopeias vis, escutavam na ânsia impacientemente do desejo sem beijo das musas escusas escassas nos cantares de um bardo celta.

Nair:

--- Vês?! – indaga surpreendentemente.

Lenira:

--- Teatro? – cuidadosa! Olhares inquietos!

Nair:

--- Oui! – de certo modo falou atenta.

A voz surpresa, miragem indagar, sobrancelhas arqueadas, dedo em riste, para o alto!

Lenira:

--- Ici? - questiona temerosa. A mente vaga. Teimosa forma aberta à mostra.   

Sonhos! Em cantos malemolentes, envolventes, inocentes, ambientes! As musas foram, viram, sentaram!

Nair:

--- Chic! - comentou sentada na cadeira do espetáculo teatral

Lenira:

--- Ça va! – unhas lindas, limpas, tentam dentes.  

O bardo cantava sim. Batuque formado. Gente delirar. Ar ambiente. Mente lugar! Pudera!

Nair:

--- Qui? – surpresa pergunta por alto enfim.

Lenira:

--- Plèbe rude! – fala sem mostras indigentes.

Nair:

--- Souvenez-vous! – relata inconsequente. Mente abstrata.

Lotado ou quase, teatro apresentava um cantor de estrada rara. Augusto Calheiros. Voz fina, firme, feia. A cantoria prosseguia. Batuque, sanfona, gaita. Ele cantava como canta galo. ”Quem quer ser mais do que é fica pior do que está. Quem andar na terra alheia pisa no chão devagar.” Delírios insanos da gente toda do calvário bardo. História antiga. Lendas, poemas. Recitação de repente. Ovação estridente, intermitente, indolente, inclemente. Espetáculo fechado ao seleto público do influente hotel faustoso. O bardo, turuna da mauricéia fazia enorme sucesso com a sua voz estilo peculiar. Vindo das eras de Maceió, Augusto Calheiros teve estreia no Recife e se projetava no Rio com imenso êxito. Era um cantor de quase elite. Sagrado, sangrento, suado.

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