- AMIGAS -
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VIAGEM
Nair Pereira acordou um pouco mais tarde
naquele domingo. Ela ouvira bater nas panelas do lado da cozinha e nada mais.
Após esfregar os olhos, a virgem se levantou indo até o espelho do seu quarto.
Olhou-a bem de perto e fez uma cara feia. Cabelos assanhados, olhos tal como
inchados, rosto macilento e a eterna vontade de vomitar não sabe o que. Algo a
fez sentar no banco estofado e assim Nair pôs a mão no queixo e verificou com
paciência a sua beleza escondida. E desaguou a chorar por se sentir tão feia,
cadavérica, enfadada e abusada. Assim passou o segundo de tempo com as quimeras
do anoitecer sem futuro e sem saber. A virgem baixou a sua cabeça e começou a
supor do seu presente, do futuro, enfim, da viagem a qual Lenira tinha
resolvido ser feita entre ambas para certo lugar.
Nair:
--- Paris?! Onde diabo fica? – lamentava
sem saber ao certo com a cara trombuda.
Na verdade a moça nem pensava em sorrir.
De imediato, Nair saiu do quarto para o banheiro e vomitou algo qual sem saber
ao certo. Mais depressa se postou no chuveiro e ali, com penhoar e tudo deixou
a água fluir em seu corpo meigo e acariciante, próprio de uma adolescente quase
adulta. Após o tempo notou o seu traje e retirou tudo de si. Com um largo
instante de banho frio, a jovem tornou ao espelho do banheiro, inteiramente
despida e asseou a boca. Enfim, ela notou mais depressa o possível o
desalinhavo do seu cabelo. Nesse instante, sorriu com graça cínica de tudo o
qual seria possível. Algo estranho ocorreu em seu pensar. Ela era então uma
noiva. Apenas notou o acaso ao ver brilhar do espelho o requintado anel em seu
dedo.
Nair:
--- Anel? Sou noiva! – declarou sorrindo
a comentar em murmúrio.
Após o banho e trocar de trajes, a jovem
Nair foi até a cozinha da casa onde estava Odiléia a tomar conta do fogão.
Existiam na cozinha dois fogões: o primeiro era à lenha e o segundo de modo a
carvão. Era utilizado mais o fogão de queima a carvão também de matéria feita
de lenha tostada. As sacas de carvão vinham de bairros remotos da cidade onde
havia os fornos de carvoeiros. O carvoeiro deixava semanalmente dois sacos de
carvão em um depósito afastado da mansão. Caso precisasse de mais um saco no
decorrer da semana, o carvoeiro era avisado em seu depósito a Rua Ulisses
Caldas, confrontando com o Colégio da Imaculada Conceição entre as artérias da
Rua Ulisses Caldas com a Avenida Deodoro (da Fonseca) Na Rua Ulisses Caldas,
logo após a rua da esquina da Avenida Deodoro ficava o depósito de carvão do
seu Gordo, um homem robusto, porém sempre sujo da fuligem do carvão da mata. Se
a casa fosse longe, o homem mandava em uma carroça puxada a burro. Se não fosse
tão longe, era um carregador quem fazia a entrega. Os sacos eram imensos feitos
todos eles em estopa. Havia nesse tempo depósito de carvão em varias partes da
cidade, até mesmo no bairro da Ribeira a operar próximo ao Mercado daquele
local. Toda essa faina o Gordo cumpria de domingo a domingo menos dos dias
Santos de Guarda, como a sexta-feira do Senhor Morto.
Na cozinha da casa grande Nair encontra
apenas a dona Odiléia a preparar o almoço do meio dia, pois o café da manhã já
estava pronto. Os bules de café eram cobertos por uma almofada grossa de
algodão. O restante dos pratos tinham suas coberturas feitas de pano de linho.
O leite era servido na ocasião propícia.
Empregada:
--- Já vai o leite! – dizia sempre a
cozinheira atarefada por demais.
Ao se por a borda de entrada do portal,
Nair sorriu para Odiléia e indagou como já era o seu costume:
Nair:
--- Onde está a “raça”. – disse a moça
em um costume de casa.
A mulher sorriu e baixou a cabeça para
ver se o forno estava acesso. Após um instante declarou sem ênfase:
Odiléia:
--- Seu Edgar saiu logo cedo. E levou
com ele dona Deodora. – respondeu sem atração.
Nair:
--- Onde? – indagou cismada.
Odiléia:
--- Fazenda. Hoje é domingo. – respondeu
sem assunto
E a moça olhou para o seu dedo anelar
direito e mostro à merendeira:
Nair:
--- Olha! – chamou a atenção de Odiléia
levando a mão para cima.
Odiléia:
--- Já vi a joia! É linda! Deve ter sido
muito cara! – respondeu a mulher aquietando-se.
Nair:
--- Eu agora sou chique, como diz a
outra! – relatou como se estivesse a se referir a Lenira.
Odiléia:
--- Aproveita enquanto é cedo. Quando é
tarde já não vale a pena usar. - disse acabrunhada a mulher com descuido.
Nair:
--- Eu ainda sou virgem. ... Também! –
consertou a moça.
Odiléia:
--- E fique assim o mais tempo que
puder. – frisou a mulher.
Nair:
--- Dormistes? – indagou a moça.
Odiléia:
--- No quarto. Pouco tempo. A festa
demorou um tanto. – disse Odiléia retorcendo a panela
Nair:
--- Eu me embebedei logo cedo. Eu
suponho que foi cerveja com vinho. Eu fiquei zero e não me lembro de mais nada.
Coitada de mim! E nem sei quem me levou para a cama! – enojou com repugnância.
Lenira:
--- Foi à mamãe estúpida bêbada! – falou
a núbia com uma espécie de arrogância ao vir chegando à cozinha. E ao mesmo
tempo em que bateu no busto.
O certo é que Nair quase morre de susto
com as palavras de sua amiga Lenira ao chegar ao início do dialogo entre a virgem
e Odiléia. A sua voz destemida e forte assumira a feição de uma senhora de um
porte bem mais elevado. Ela falava de modo grosso e com certeza. Então Nair olhou
para trás de repente e notou aquela altaneira senhora a enxergar por cima de
tudo. Ela falava como uma mestra nos entendimentos de embriaguez. Com seu corpo
a estremecer, Nair supôs estar vendo uma mulher do outro mundo, com certeza. E
não imaginava em face de lhe olhar como estava a molestar a virgem amiga de uma
forma arrogante. Mãos nos quadris e braços firmes. Odiléia observou à linda e
tranquila dama e sorriu por duas.
Nair:
--- Que susto! Ai! Quase morro de susto!
– estremeceu a virgem sem perceber a chegada de Lenira ao pé da conversa.
Lenira:
--- Ora! Ora! Vamos bebericar café que é
o melhor negócio. – então sorriu a mestra em desmedida embriagues.
E Lenira puxou-a pelos braços e as duas
saíram a tagarelar com Nair ainda quase a cair pelo susto abatido. Reclamava
horrores por não saber de nada se houve alguma coisa a falar. Lenira sem sorrir
apenas disse a Nair ter a moça maior cuidado ao “encher” a cara.
Nair:
--- Eu disse algo? – se inquietou a
jovem já então de maior idade.
Lenira:
--- Não! Apenas ser aquela a data do seu
aniversario e mostrou a todos aos presentes o anel de noivado. E teve um tombo
quase a cair no salão de óperas.
Nair:
--- Salão de que? E não foi aqui? –
perguntou sem juízo a jovem ainda enojada com o álcool.
Lenira:
--- Não leve em conta em tudo o que eu
às vezes disser. Bêbada linda, charmosa e sem futuro. – declarou a sorrir a
prima dama.
Nair ficou abismada com o que ouviu e
perguntou de novo o que era “salão de óperas”. E então Lenira disse que seria
qualquer coisa inútil. Algo como nada.
Nair:
--- Que algo como nada? – indagou
irritada a noiva.
Lenira:
--- Não perturbe mais essa ilustre mente
de contos de cem reais! Eu sou chique! É melhor encher a cara de café! Você não
é mais uma plebeia. Desde ontem a senhorita se tornou a deusa do Olimpo. - - falou sem discrição a brilhante e elegante
dama.
Nair:
--- Quem disse que eu não sou mais plebeia?
– indagou mais irritada.
Lenira:
--- Você mesma! – e apontou para a
xicara de café ordenando-a beber.
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