sábado, 16 de novembro de 2013

O SENHOR DE LUTO - Vinte e Nove -

- MODA -
- 29 -
FESTA
Dias depois Lenira assumiu o controle da festa de casamento com as compras de novos trajes para a virgem Nair Pereira. Houve o combinado e no sábado – quando não havia atividades na Escola Domestica com relação à Lenira – as duas virgens saíram saltitantes a perambular pelas lojas do bairro da Ribeira a procura de mostruário, vestes, meias, sapatos, roupas íntimas, adornos e tudo mais. Para Lenira Penteado, a virgem deveria ter uma elegância magistral no trajar e no calçar. E por isso Lenira teimava com a virgem Nair de se soerguer quando passar na Igreja a fazer o charme da moda. Nesse ponto, durante a semana, houve ensaio onde Nair não era acostumada ou mesmo nem sabia postar a sua silhueta juvenil. Com isso, Lenira se alterava, zangava, irritava, enfim pedia ter a virgem maior polidez para ser simplesmente ela notada pelos sempre presentes frequentadores da Catedral. Era sinal do ponto alto da cerimônia. Nair afinal de contas demonstrava não saber ou entender ao certo o fazer de fato. E a importuna completa teima e zoada prosseguia noite adentro durantes todas as noites antes do sábado.
Lenira:
--- Elegância! Elegância! Assim não! Elegância! – falava a irrequieta moça a todo som.
Era o sapato a saltar do pé. Era o vestido acochado. Era o adorno a balança de um lado. Era tudo enfim a não dar certo. A certa altura Nair ficava trombuda e se sentava no divã como se tudo o ensinado não prestasse a conta. Quem podia ver a moça, lá estava Nair aborrecida, acabrunhada, melancólica com os seus braços cruzando o busto e a sentar chorando. E a teima continuava noite e madrugada com as duas virgens a discutir, a se irritar, a se odiar enfim. Andava tudo muito bem durante o dia. Porém, ao chegar à noite, todo o acerto desandava. E a questão era reclama não entender. E depois a “professora” a se desculpar entre burras e ofensas menos graves.
Lenira:
--- Assim não sinhá “burra”! Assim, ó! – demostrava a “professora” como se trajar ou se calçar.
Isso ocorria na própria sala da casa grande todas as noites entre os clamores da mãe de Lenira a chamar as duas virgens ter de dormir, pois de manhã bem cedo Lenira devia estar em forma para a sua lida no estabelecimento de ensino.
Clara:
--- Deixa para amanhã! Vai dormir! – relatava em murmúrio a sua mãe a querer dormir em seu quarto.
Com esse estrago de pó as duas virgens obedeciam e terminavam por dormir. Mas sempre no dia seguinte se encontrava uma arenga para saber onde Nair passaria a “lua de mel” ou mesmo onde estava organizada a moradia dos dois “pombinhos”, quem seria a cozinheira ou mesmo a arrumadeira. Coisas simples desse modo.
Nair:
--- Eu não sei! O doutor ainda não combinou nada disso – dizia acanhada
Lenira:
--- Doutros uma “merda”! Vá chama-lo de “doutor”! É Edgar sinhá mentecapta! – reclamava com ira a sobrinha de Edgar.
Nair:
--- É o costume. Eu ainda não de habituei! – declarava Nair ligeiramente entristecida.
Lenira:
--- E tem mais uma coisa! Afaste-se do fogão! Dê apenas as ordens e pronto! – relatava com ênfase a sobrinha do advogado.
Nair:
--- E quem vai fazer o café de dona Amélia? – indagava surpresa.
Lenira:
--- A senhora Odiléia! Ora mais! – relatava com firmeza.
Nair:
--- Mas a mulher chega tarde. – falava desconfiada a virgem
Lenira:
--- É só dormir no trabalho! – enfatizou com certeza a moça.
E do quarto de sua mãe só se ouvia a gargalhada de França. E os comentários em surdina dos antigos noivos.
França:
--- É assim que a gente aprende! Tu fizesses desse modo? – indagou sorrindo o aeronauta.
Clara:
--- Nem me lembro! Faz tanto tempo! Agora vê se dorme! – disse a esposa de França.
As duas ninfas continuavam no seu lengalenga.  Há certo instante Lenira indagou de Nair se não tinha a moça um traje melhor que sempre usava. A moça olhou de modo estranho o vestido de cozinheira e relatou ter apenas aquele traje de trabalho. Por sinal foi o fornecido por Edgar Penteado quando a moça chegou a sua casa.
Lenira:
--- Que pobreza! Vista dos meus! Vamos aqui que te mostro! – e puxou a moça pelas mãos.
Nair:
--- E a senhora? – perguntou perplexa a doméstica.
Lenira:
--- Olha o que eu disse! Olha o que eu disse! – se virou a moça a advertir a futura cunhada.
Nair:
--- Que foi? – perguntou estranhando.
Lenira:
--- É você. Não é senhora! Ora mais que merda! – se alterou a moça com a doméstica.
E as duas caminharam para o quarto de Lenira, essa maldizendo o costume da gente pobre do lugar. E disse ainda ter a virgem o direito de escolher o que servisse, pois roupa tinha muita. Não era uma ou duas a lhe fazer falta.
Lenira:
--- Afinal eu sou chique! – relatou a moça levantando a saia e a sorrir em troca.
Nair:
--- Mulher! Dá pra ver as suas roupas íntimas! – relatou alarmada a moça já dentro do quarto.
Lenira:
--- E o que é que tem? As mundanas vestem mais ao gosto do que eu. – e ela desceu suas vestes a demostrar os preparos das damas da noite.
Nair:
--- As mundanas são as mundanas. Você não é mundana. – falou certo a doméstica.
Lenira:
--- Olha como você falou certo! Aprendestes rápido! – declarou a virgem a sorrir
Em seguida a virgem Nair começou a sorrir, pois já estava na intimidade com a sua patroa. E daí por diante era apenas buscar os trajes mais propícios para Nair usar noite e dia. E se chegou até mesmo ao termo de saírem apenas às duas donzelas para assistir um filme no cinema nobre de Natal em qualquer dia desses, ao mais tardar.
Nair:
--- Rio Grande? – indagou com alegria
Lenira:
--- É chique! Você vai conhecer o novo mundo. – relatou com ênfase.
Nair:
--- Nunca eu tive a oportunidade de sair para um cinema. – relatou tristonha.
Lenira:
--- Nem o São Pedro? O cinema das pulgas. – gargalhou a moça a falar em tal cinema.
Nair:
--- Pulgas? Que horror! – relatou com vexame.
Lenira:
--- Sim! E tem outros para aqueles lados dessa vil metrópole. – informou sem constrangimento
Nair;
--- Imagino só! Tem um até mesmo na Ribeira. – dialogou a moça.
Lenira:
--- Onde? – estranhou a casta.
Nair:
--- Pros lados da Rua 15 – teceu ver a moça.

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