- PIRANGI -
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PIRANGÍ
Recado dito, recado recebido. O homem
com quem Lenira falara há segundos: José de Melo. Porém todos (na vila o
conheciam) por Zé da Bosta. Esse apelido já estava há tempos naquele homem
sujo, maltrapilho. O caso era porque o bronco recolhia esterco de gado ou mesmo
de jumentos para vender aos trochas da cidade. Ele misturava os estercos e,
após os vendia. Quem desejava comprar esterco de vaca, procurava o homem
naquela vila. E desse movimento ficou José de Melo sendo chamado de Zé da
Bosta. No inicio o homem se alterava com a meninada. Após o tempo passado (ele)
não mais dava importância. E até reclamava que ninguém o chamasse de José de
Melo, pois preferia ser chamado mesmo por Zé da Bosta. O moreno tinha duas famílias.
Filhos: vinte e um da primeira e oito da segunda mulher. E todas elas viviam
acomodadas. Zé da Bosta morava em uma casa e outra. Quem perguntasse:
Perguntas:
--- E os filhos? – indagava alguém.
Zé:
--- Quais? – respondia o homem.
Ao chegarem a Pirangí após passar pelo
cajueiro enorme a tomar toda a estrada, as duas amigas procuraram uma taverna
onde demais pessoas já estavam bebendo, mentindo por fatos não ocorridos. Um garoto surgiu de repente a oferecer Lenira duas lagostas. Ela fez uma troca.
Lenira:
--- Quanto? – indagou a moça.
Menino:
--- Vinte. Cada uma. – respondeu
simplesmente o garoto.
Lenira:
--- Quer me roubar? Em Natal eu compro a
dez e bem tratadas. Já vem a serviço. Dou dez! – respondeu a moça um pouco
embrutecida.
Menino:
--- Faço a quinze! – respondeu o garoto.
Lenira:
--- Dez e estamos conversados! – rebateu
a moça
Menino:
--- Ajude meu irmão que tá com asma! –
disse o menino plena comoção
Lenira se compadeceu num instante do
menino asmático. Ele estava ao lado do vendedor de lagosta. Ela olhou de forma
delicada o garoto e se associou a dor. Asma era uma doença atroz. A criança
sofria horrores por dia e manhãs. Lenira, então o beijou na testa e decidiu por
fim a encrenca.
Lenira:
--- Tome vinte cruzeiros. E leve as suas
lagostinhas. Elas são tão pequenas! – reclamou a moça.
Garoto:
--- Quer caju? – ofereceu o garoto
soerguendo uma penca de cajus.
Lenira:
--- Caju é bom. Quanto? – perguntou
novamente.
Menino:
--- Cinco cruzeiros. – respondeu o
garoto.
Lenira de olhos bem abertos respondeu:
Lenira:
--- Mas você é ladrão mesmo! Cinco por
esse molho? Pegue um e bom adeus! – respondeu enraivecida.
A moça pegou os cajus e, trancando o
carro, saiu E menino ainda achou de indagar.
Menino:
--- Quer umbu? – perguntou de longe.
Lenira:
--- Não! Seu pestinha! – respondeu a
moça cheia de raiva.
E as duas saíram para a praia deixando o
carro estacionado em frente ao boteco. Era um tempo bom, de sol quente e
nenhuma nuvem, salvo aquelas passageiras. A praia já estava com os seus
habituais frequentadores. Alguns de fora da vila. Dois rapazes passaram por
perto. Um disse ser a moça (Nair) uma bela espécie de gema.
Rapaz:
--- É noiva! – disse um deles.
No correr do tempo, quando Nair e Lenira
procuraram a sombra de uma árvore, houve uma trégua na conversação. Então,
Lenira recordou a fazenda de sua avó e deu por fé a se lembrar de um caso
ocorrido. Na Fazenda tinha um rapaz de nome José da Luz. Era irmão gemeu de
João (também da Luz). Ambos nasceram no dia Sete de Setembro, ano de 1925. Pois
assim, eles estavam com trinta e cinco (anos). A sua mãe morreu de parto. E
quem cuidou dos recém-nascidos foi à parteira, dona Ofélia. Desde crianças
assumiram eles a chamar Ofélia por mamãe. Mas a mulher já estava em idade
avançada para ser apenas mãe dos dois lerdos. Todos os dias 2 de Novembro Ofélia
e os meninos levavam flores para colocar no túmulo da verdadeira mãe dos
rebentos. Um dia Ofélia morreu. Os rapazes - já crescidos - trabalhavam no
campo e nas Fazendas. Certa vez José
contou uma história singular no terreiro da Fazenda Dois Irmãos onde o homem já
adulto prestava serviços.
José:
--- Certo dia eu fui ao hospital de
Natal visitar o meu irmão gemeu. Ele fora cutilado com uma peixeira e não sabia
por quem, uma vez estar embriagado e dormindo sob cajueiro. Eu cheguei ao
hospital num dia de domingo de tarde para saber o estado de saúde do meu irmão.
Quem me atendeu foi uma moça com a cara de quem não queria saber de histórias.
E logo foi sabendo:
Atendente:
--- Nome! – perguntou a atendente
sentada ao birô para anotar no livro.
José:
--- De quem? – perguntei à moça.
Atendente:
--- O seu. Não é quem está falando? –
rebateu a moça.
José:
--- Ah. José. - respondeu o homem.
Atendente:
--- José de que? – indagou já pouco
instigada
José:
--- Da Luz. – respondeu o homem.
Atendente:
--- Idade e cidade? – pesquisou a moça:
José:
--- Sabe moça. Minha mãe não teve tempo em
dizer. Ela morreu de parto. E fui criado por outra senhora. Agora eu nasci no
mato – respondeu José.
Atendente:
--- Mato? Que mato? – indagou cheia de
ódio a atendente.
José:
--- Depois da Serra da Morte. Pros lados
de Jenipapo. É o que sei. – respondeu tranquilo.
Atendente:
--- Tá bem! Tá bem! Agora. Nome? – já
irritada demais
José:
--- Jose da Luz – respondeu novamente.
Atendente:
--- Da pessoa que o senhor que ver! – se
alterou a mulher com um soco do birô.
José:
--- Não se altere! Não se altere! Eu
venho saber o estado de saúde do meu irmão gêmeo, cagado e cuspido com eu sou.
Ele está internado por conta de uma peixeirada que levou na barriga depois que
ele fez coisas com uma mulher casada com Manoel de Tunga numa casa de reboco do
sertão chamado Égua do Assombro pros lados da caatinga de Quem Quer Ver, depois
da curva da Instancia, perto da Chegada do Moitão. – respondeu o homem numa
tirada só
Nesse momento Atendente de tanto bater
com a cabeça na tecla da maquina de escrever tinha todo o cabelo despenteado e
chorava horrores vendo o impassível homem.
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