- Fernanda Machado -
- 01 -
O INÍCIO
Seu nome era Joel. Joel de Almeida Calassa. Quando garoto outros garotos lhe chamava de um apelido qualquer. O mais lastimoso para ele era ser: “Intriga Macarrão”. Mesmo assim, Joel Calassa nada respondia em troca. Ficava ele amorrinhado com a imprestável alcunha e passava à frente. Não se sabia o porquê da maldita e intolerável alcunha de Intriga Macarrão, o certo que ele sempre respondia com brabeza do seu lado de dentro da casa, ao pé do muro:
--- Maloqueiros! – e corria para o interior de sua casa, apesar de uma pedra certeira vir a quebrar a vidraça da janela da casa.
Se sua mãe perguntasse o que se passava, Joel Calassa apenas respondia:
--- São os maloqueiros do morro! – respondia Joel Calassa de cara trombudo.
E assim era a vida de Joel Calassa de segunda a domingo. Nos dias de aula ele se arrumava todo com apenas a cueca samba canção, calça e camisa de algodão. Debaixo do braço direito a pasta escolar. Dentro dela, livros, cadernos, borrachas e lápis. Às vezes caneta. Mas sempre havia a falta de um caderno ou de um livro. E Joel Calassa sempre repetia meio com vergonha:
--- Ah! Esqueci! – dizia o garoto a procurar na pasta o dito livro da aula daquele dia.
Joel Calassa tinha uma amiga de escola. Seu nome: Elizabete Fogaça Lemos. Quando o garoto seguia para o Grupo Escolar, já encontrava Elizabete esperando na calçada alta de sua casa. E o garoto caminhava a sorrir, saltitando de alegria. Porém a menina tinha um comportamento avesso, pois sempre que o garoto vinha alegre a garota dizia:
--- Está na hora, maluco! – dizia-lhe a garota seguindo para o grupo e o menino corria para encontra-la como sempre.
--- Eu estava com dor de barriga! – respondia Joel Calassa a sorrir.
--- Que catinga! – Elizabete tapava o nariz como se estivesse sentindo o mau cheiro.
--- Eu me limpei sua boba. E tomei banho! – respondeu o garoto para o contentamento da sua colega de caminho.
Isso era todo o dia, de segunda a sexta. Menos aos sábados, domingos, feriados, carnaval, Semana Santa, dia da Padroeira, Semana da Pátria entre outros eventos bem comuns. Aos sábados os garotos tinham um trajeto diferente: ir a Igreja do bairro às quatro horas da tarde assistir a aula do catecismo com pregação da catequista dona Mumbé. Os dois voltavam a se unir e caminhar por mato e areia, pois naquela época carecia de calçamento a rua onde eles moravam.. E sempre que Elizabete saía ouvia-se o chamar de sua mãe.
--- Olha o carro! Olha o jumento! Vá pelo canto do muro! – gritava a mulher, dona Elza, a mãe de Elizabete para o sossego de sua alma.
--- Certo mainha! Vou pelo aceiro! – respondia a garota a tranquilizar a sua mãe.
E em compensação, a mãe de Elizabete ficava a reclamar as mil preocupações.
--- Ô menina medonha. Deus me livre de ter outra desse tipo. - se zangava a mulher a entrar para a cozinha da casa.
Ao passar pela mesa da sala Elza se topava com o marido lendo um jornal àquela hora da tarde perguntava a mulher.
--- Que horas? – indagava sem perceber seu relógio de algibeira em cima da mesa.
A mulher passava e olhava para o relógio e dizia então:
--- Tais cego? O relógio esta em cima da mesa! – respondia braba dona Elza.
--- Perguntei por perguntar. Hoje eu vou sair. Tem sessão na Loja. Uns novatos vão entrar. – dizia o homem ao reler o jornal.
A mulher nada respondia. E seguida punha água no fogo para coar o café. Paulo Rebouça Lemos era o seu nome. Ele era Maçom convicto há vários anos. E quando havia sessão extra, o homem se aprontava para estar em forma bem antes da hora dos Irmãos maçons chegarem ao Templo. Naquele dia era a vez do ingresso de novos profanos e ele estava incumbido de cerrar os novos na sala onde os cinco profanos teriam que ficar duas horas antes da sessão começar devidamente ornamentados. Paulo Rebouça era um homem calado, gordo, pele alva, cabelos baixos e sofria de asma. Ele sempre estava com a sua bomba para tomar remédio nem sempre receitada pelo médico. Isso porque na Maçonaria tinham médicos que lhe ensinavam o que pudesse ministrar. Assim, dessa forma, Paulo Rebouça não necessitava de ir mais a médico algum, a não ser se fosse para fazer cirurgia ou extrair dente. Como nunca extraiu um dente, ele estava quite com esses profissionais. De cirurgia, Paulo Rebouça também nunca precisou fazer. O seu chiado era o único incômodo que ele tinha que ver.
Enquanto isso a sua filha pequena – nem tanto, porém ainda ela era coisa de nove anos – continuava a perambular pelas ruas largas de sua cidade. Ela e o seu amigo Joel Calassa. Quanto os dois chegaram a Igreja do bairro, essa já estava aberta em toda a sua amplitude. Meninos tinham até demais. Uns, rezando. Outros se confessando – mais meninas – e alguns mexericando a mangar dos amigos. Tais amigos já estavam contritos a rezar o Pai Nosso por quantas vezes o padre ordenasse. E diante disso, os garotos da aldeia ficavam a dar rizadas dos colegas, todos já em plena forma de comungar no dia seguinte. Era um desacerto infernal dos verdadeiros amigos da onça. João Batista era um leigo que ajudava o padre da Igreja. Era um tipo de homem sisudo, barriga grande e ele tinha uma altura de mais ou menos baixa. Sua pele era de um moreno para branco. Mais ou menos moreno. O cabelo da cabeça era enrolado. Podia-se dizer quase ruim se for levado em conta o cabelo que qualidade boa, pois assim é um cabelo estirado, podendo ser escuro ou amarelo. Não era o caso de Joao Batista. O cabelo dele era mesmo pregado no casco da cabeça.
Quando João Batista entrou na Igreja se topou com a garotada fazendo algazarra, tirando o couro dos que se confessavam e saíam para fazer a sua bendita penitencia: um Pai Nosso; três Ave Maria e coisa assim. E era uma risadagem só. O rapaz, ajudante do sacerdote se enfezou com os garotos e foi logo a perguntar:
---De quem é que vocês estão mangando, seus arruaceiros? – falou brabo Joao Batista.
Para que o homem foi falar? Foi uma correria só. Os garotos a correr e João Batista atrás. Era uma pega não pega infernal. Há certo tempo João Batista agarrou um garoto pelas orelhas e já começava a sair para a sacristia onde poria o mau elemento na prisão da Igreja. Foi nessa hora que o garoto se livrou do muxicão e partiu em debandada saindo por uma porta lateral e pegando a rua onde estava a Igreja escapulindo em fim para a liberdade. João Batista ainda saiu a perseguir o garoto, mas esse foi mais vivo. Ele já dobrava a esquina há cinquenta metros a frente e o rapaz ficou a dizer com muita ira:
--- “Seu” Sinagoga! – gritava João Batista, esbravejando com as mãos para cima em forma de amaldiçoar o garoto fujão.
Umas mulheres que passavam para entrar da Igreja ainda perguntavam assustadas:
--- O que é isso meu Deus? – falavam de modo baixo as duas mulheres levando a mão em seus lábios e a olhar para João Batista e para ninguém, pois o garoto já dobrara a esquina ao longe.
E João Batista não teve outra a não ser voltar para o interior da Igreja esbofando por conta dos indignados garotos, chafurdentos até demais. Ele olhou para os que estavam fazendo a divina penitencia e se arremeteu para a sacristia onde tinha mais trabalhos a fazer. Quando o rapaz passou pelo banco onde estavam Joel Calassa e Elizabete Fogaça, o par de amigos ficou a olhar com temor para o rapaz. A garota então perguntou de modo baixo o que o rapaz tinha feito. E o menino respondeu com os ombros para cima e para baixo:
--- Não sei! Só ouvi o homem chamar o outro de Sinagoga. – e sorriu o garoto com temor.
---Sinagoga? O que é isso? – indagou perplexa a garota.
E o menino voltou a fazer os gestos com os ombros e dizer;
--- Não sei. – respondeu o menino.
--- Deve ser coisa feia. – falou de forma baixinha a garota.
--- Deve. – e o garoto se pôs a sorrir.
E a menina culpou o seu colega de estar sorrindo fazendo um medo cruel ao garoto.
--- Ajeita! Ele vem aí e te pega! – falou a garota e se pôs a rezar contrita.
--- Não era hora de rezar, sinhá burra. – fez ver o garoto.
--- Mas eu quero rezar. E burra é a sua mãe. – falou muito baixo a menina.
E o garoto se pôs a sorrir.
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