- Juliana Didone -
- 06 -
SANTOS
Enquanto raspava seu chulé com o cabo de uma colher de sopa sempre guardada a disposição de Jaime Calassa em cima de sua escrivaninha, o garoto Joel ficava atento vendo o pai retirar a massa fétida parecendo até um raspa-coco com aquele seu roçar. O homem, pensando seu asco chulé para retirá-lo a fim de força começava então a comentar com seu filho.
--- É. Livrão. Um livro grande. Porém tem menor. Aquele livro foi escrito pelo povo judeu. Judeu de Judá. Eles residem agora em Israel. Antigamente era no Egito e em outras partes do mundo. Jesus é judeu. Sabia? – indagou Jaime Calassa enquanto raspava o seu sapato.
--- Jesus Cristo? O Nosso Senhor? O que foi morto. ...Ah...Pelos Judeus? – perguntou como despertar de um sonho, pois sabia que Jesus era o Nosso Senhor e foi morto pelo judeu.
--- É. Esse mesmo. Tem filmes de Jesus. Na Semana Santa se passa o filme de Jesus. – relatou o homem arranhado a sola do sapato para retirar o conteúdo pregado.
--- E como fizeram o filme? – perguntou o garoto um pouco amedrontado.
--- Isso se faz. Aqueles homens interpretam Jesus. É assim. Mas Jesus viveu há dois mil anos. – respondeu Jaime Calassa batendo com o sapato no chão.
--- Quer dizer que eles não são Jesus? – perguntou Joel alarmado com a história.
--- Qual o que! Aqueles são artistas. – sorriu o homem enquanto cheirava o sapato.
O menino calou um pouco para depois perguntar.
--- E a Alemanha fica perto dos judeus? – indagou o garoto então sentado em outra cadeira de vime.
--- Não. Muito distante. – falou Jaime a seu filho sacudindo o sapato para tirar a areia pregada no solado.
--- Mas não tem Santa na Alemanha? – indagou perplexo o garoto.
--- Tem. Em todo mundo. Até aqui no Brasil. – sorriu Jaime Calassa ao relatar ao seu filho.
--- É. Tem muitas. A Igreja está cheia. – respondeu Joel entristecido com a história.
--- Mas as histórias das imagens não retrata fielmente a verdade. Nossa Senhora era da Judeia, igual como Jesus, seu filho, José, seu marido, Madalena, Pedro apóstolo, São Joao e os demais santos. Todos foram da Judéia. Mas há os santos de outros países. E apenas os ligados a religião católica são canonizados. Os demais, como os do Islã, esses não são Santos. Preste bem atenção: Santo é um titulo. Isso não quer dizer que eles são maiores que os outros que não são santos. Santo é um título. Veja se entende. – perguntou Jaime Calassa ao seu filho.
--- Título? E o que é esse título? – voltou a querer saber o quase jovem Joel Calassa.
--- Título é como se dá ao Governador, ao Prefeito, ao Presidente da República. Isso é título. Entendeu agora? – perguntou Jaime Calassa a Joel.
--- Não. Eu não entendo. – respondeu o pequeno Joel.
--- Mas um dia você entende. Agora, vamos almoçar que eu estou com fome. – sorriu o homem e andou com os pés descalços para a sala de jantar.
--- Titulo? E Jesus é como um presidente? – indagou consigo mesmo o garoto.
Na manhã seguinte, dia de aula, Joel Calassa estava acompanhado de Elizabete a caminho do Grupo. Na frente da escola já havia um sem numero de alunos a espera de o portão abrir quando tocasse a sineta. Do outro lado do muro do Grupo Escolar, havia a movimentação das merendeiras a ferver a água, pegar cesto de pão, ferver o leite de vaca, o qual se costumava dizer: aguado, pois todo o leite já estava com água para render mais, muito embora os donos das vacas dissesse que era apenas para enfraquecer o leite que era próprio para os bezerros. E demais afazeres, como lavar os salões de aula e limpar as privadas e até mesmo organizar a sala da diretora. Essa era faina diária dos agentes de classe manhã à tarde. O seu Josino, o homem da sineta ficava em pé na calçada alta da escola a olhar a meninada a fazer a maior algazarra. E sempre Josino colocava as mãos para trás com a sua cara rude.
Joel, a certo ponto da conversa com Elizabete, lhe disse algo surpreendente:
--- Você sabia que Jesus Cristo era presidente? – perguntou o garoto sem desconversar.
--- Que? – respondeu Elizabete com o rosto de quem não sabia de nada e queria ouvir melhor.
--- É. Presidente do Céu. Ele foi eleito sim. – comentou o garoto.
--- Olha! Você deixa de brincadeira com Nosso Senhor! Se o padre te pega? Eu nem acho graça do que vai acontecer! – disse por bem a garota.
--- É sim. O padre sabe disso. Ele foi escolhido Presidente do Céu. – voltou a dizer Joel.
A menina, com muita raiva, jogou a sua bolsa nas costas de Joel que, pra se livrar, estendeu o braço esquerdo dobrado para cima.
--- Bruto! Cavalo! Estúpido! Dizer uma coisa dessas com Nosso Senhor? Verme! – respondeu a garota com bastante raiva pelo garoto chamar Jesus de Presidente.
--- Verme uma pinoia. Ele era Presidente e pronto. Quem disse foi meu pai! – relatou Joel pouco abusado com a sua colega de aula.
E tome pasta das costas. A menina não se conformava com a citação de Presidente para Jesus e largou a bolsa em cima do garoto. E metia a bolsa como um demônio. E de imediato, Ana, outra estudante do Grupo veio logo saber o que estava se passando.
---Que houve? Que houve? Que houve? – indagou assustada a outra aluna
--- Esse cavalo vem dizer que Jesus é Presidente! – respondeu zangada a menina ainda a sacudir a bola em cima de Joel sobre ameaças severas de contar tudo ao padre.
Ana soltou uma bela gargalhada voltando a perguntar se o garoto era crente.
--- Sei lá. Isso é um estupido. E o seu pai também! – respondeu a garota com muito ódio.
--- Que tem o pai dele? – perguntou Ana para saber mais.
--- Sei lá. O pai foi quem chamou Jesus de Presidente! Estupido! – fez ver Elizabete a meter a bolsa nas costas de Joel.
E passado alguns segundo veio Joel a declarar:
--- Jesus é Presidente e a sua mãe é a secretária, e pronto! – relatou Joel. E em seguida pôs-se a correr em direção do Grupo.
Elizabete não se conteve e pôs-se a chorar sentada no meio do caminho que levava até ao Grupo Escolar. Ana foi delicada com a colega e procurou levantá-la de vez para a garota não perder a chamada.
--- Não se incomode. É porque ele é crente, como Antônio. – disse a outra garota
Antônio dos Santos era um garoto filho de um Pastor ou coisa assim, que a turma malhava com ele por ser protestante. O menino era quieto e não respondia as afrontas recebidas. Apenas pensava:
--- Canalhas! Eles todos vão para o Inferno! – pensava Antônio quando era atingido por algum desmando de outro companheiro de aula.
Elizabete se levantou do chão, enxugou as lágrimas que lhe desciam a face e procurou caminha meio trombuda enquanto outras colegas vinham e o seu socorro e perguntavam o que tinha ocorrido.
--- Nada não! É por causa de Jesus! – respondeu Ana a amparar a sua colega Elizabete.
--- Jesus? Nosso Senhor? – perguntou outra estudante ao ver a situação ser mais grave ainda.
--- É. Porque Joel chamou Jesus de Presidente e Nossa Senhora de secretária! – relatou sem mais conversa a confortar a sua colega de escola.
--- Ele é um bruto! Chamar Jesus de presidente! Eu não vi se votar em Jesus! – falou Elizabete arquejando com a sua situação de menina.
--- E ele é presidente? – perguntou outra garota a Ana querendo saber mais.
--- Não sei. Joel é quem sabe. – respondeu Ana aconchegando Elizabete pelos ombros.
E a questão de Presidente e Secretária foi terminar na sala de aula com a gargalhada de todos e a pergunta a Joel de como foi eleito Jesus e por quanto tempo. Era um alarido sem fim com a professora teimando em acabar com a balbúrdia ou, do contrario mandar todo mundo para a diretoria para dar sossego a Escola.
--- Silêncio! Ou vai toda a classe para a Diretoria! – dizia a professora batendo com a régua.
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